Mercado de ideias x Mercado de armas

Por ter sido tropeiro e convivido, antes e depois de se tornar salteador, com a classe rica do sertão – classe interessada, de hábito, em alianças com o cangaço, fosse para a preservação do patrimônio, fosse para o extermínio de inimigos, fosse ainda para a divisão do apurado nas empreitadas de rapina, que tudo isso ocorreu em medida mais elevada do que normalmente se imagina – Lampião incorporava ao seu dia a dia novidades desconhecidas do matuto em geral. No fim dos anos 1920, causavam surpresa sua lanterna elétrica portátil, o flashlight, a capa de borracha e a garrafa térmica, mimos de poderosos de seu convívio.

Trecho retirado do livro Apagando o Lampião – Vida e Morte do Rei do Cangaço, de Frederico Pernambucano de Mello (1947- ), escritor, historiador e advogado brasileiro

O termo “narcomilícia” já vinha sendo empregado havia algum tempo pelos representantes da lei para designar as quadrilhas que uniam as táticas de comércio e drogas e de domínio de serviços públicos, como transporte, venda de gás, fornecimento de conexão com a internet e TV a cabo clandestinos. Mas o que se vê agora representa um passo inédito: um pacto estratégico com o objetivo de aumentar o poder bélico e o capital desses grupos.

Trecho retirado do artigo “Aliança Maldita” publicado na edição de Veja de 1º de março sobre a união entre narcotráfico e milícias no Rio de Janeiro

    Prezados leitores, na semana passada falei da importância da liberdade de expressão para viabilizar a tolerância mútua entre grupos na sociedade que não concordam sobre os princípios fundamentais do bem viver. Sem um consenso compartilhado por todos sobre o que pode ser objeto de discórdia e o que não pode, acabamos barrando ideias consideradas extremistas, estigmatizando-as e não dando a elas um lugar no mercado das ideias de que fala o cientista político americano John Mearsheimer. O resultado é que elas acabam se expressando de maneira delinquente como vimos no 8 de janeiro de 2023.

    O fato é que o Brasil ainda não conseguiu colocar em prática um regime liberal que viabilize a discussão, mesmo que ela não chegue a nenhuma conclusão, e assim que evite que as pessoas caiam na tentação de recorrer à violência para fazer valer seus pontos. Meu objetivo nesta semana será explorar as raízes desse uso da força em nossa história, enfocando um espaço geográfico específico, o sertão nordestino, onde viveu e morreu Virgulino Ferreira da Silva, (1898-1938), o famoso Lampião e traçando um paralelo com outro espaço geográfico, o Rio de Janeiro, berço tanto de grupos paramilitares quanto de organizações do crime organizado.

    Em sua biografia de Lampião, Frederico Pernambucano de Mello explica as características do sertão nordestino que o tornaram o terreno propício para o surgimento do cangaço. Devido às condições climáticas e geográficas, a terra da caatinga, seca e de solo pouco profundo,  não se prestou à prática da agricultura como ocorreu na Zona da Mata, onde florescia a Mata Atlântica. A única atividade econômica desenvolvida no interior do Nordeste desde o início da colonização foi a pecuária, o que não foi suficiente para gerar empregos que provessem à subsistência das pessoas. Em suma, quem não nascia filho de fazendeiro ou agregado de fazendeiro tinha poucas chances de progredir na vida. As condições eram mais inclementes ainda considerando o modo como o território foi conquistado: à custa do extermínio dos índios tapuias na chamada Guerra dos Bárbaros que se deu entre 1687 e 1720. Nesse ponto há mais uma desvantagem entre o sertão e o litoral. Enquanto que nas áreas ocupadas pela cultura da cana de açúcar os índios tupis  estavam mais afeitos à negociação e acabaram estabelecendo alianças com os colonizadores, no interior estes eram recebidos com flechas envenenadas.

    Em suma, tem-se um cenário de pouco dinamismo econômico, pobreza e convivência cotidiana com a violência, seja contra os índios seja contra os animais de criação que seriam abatidos. Isso levou o sertão do Nordeste a ter características feudais, no sentido de ser autárquico, isto é, de resolver seus problemas de maneira independente, sem recorrer às autoridades públicas, que ficavam no litoral, e recorrendo à força, quer para conquistar território dos nativos, quer para tomar dos outros bens e riquezas cuja produção era escassa. E é isso que Lampião fez ao longo de sua curta existência, até ser morto pelas forças policiais na gruta de Angico, em Sergipe.

    Conforme o trecho que abre este artigo, o rei do cangaço tinha ao seu dispor os melhores equipamentos então disponíveis para se dedicar a sua profissão que era a de vender proteção, ser instrumento de vingança contra inimigos de latifundiários e lutar contra as forças da lei e da ordem, as quais bem ou mal eram o antípoda contra esse mundo de justiça privada e de uso da violência indiscriminadamente para resolver conflitos. E como exercia seu ofício de maneira muito boa, afinal era um ótimo líder militar que tinha sob seu comando direto e indireto mais de duzentos homens, Lampião era bem pago e carregava consigo em seus bornais a riqueza acumulada na forma de objetos em ouro: moedas, crucifixo, aliança, lapiseira, tesoura de apurar ponta de charuto, tabaqueira. Que lugar mais seguro do que o próprio corpo do chefe guerreiro para guardar os valores conseguidos à bala e a facadas? Afinal em uma sociedade com baixo nível de diálogo e portanto de confiança, com quem depositar seus bens mais preciosos?

    Grupos armados prestando serviços de proteção e extermínio para outros grupos, grande movimentação de valores econômicos, líderes que exercem controle férreo sobre seus comandados. Quase um século depois e a história se repete em outras paragens brasileiras, desta vez no Rio de Janeiro, palco das peripécias das milícias que, conforme o trecho que abre este artigo, vendem serviços públicos sem serem autoridades estatais e serviços de proteção para narcotraficantes. Como explicar o fenômeno no Rio de Janeiro, que afinal está no litoral e foi capital do Brasil de 1763 a 1960?

    A explicação consensual para a estagnação econômica da Cidade Maravilhosa é justamente o fato de ela ter deixado de ser capital e portanto de concentrar o funcionalismo público federal, que se mudou para Brasília. Não é meu propósito aqui explorar todos os motivos que fizeram o Rio de Janeiro ter deixado de ser nossa Paris, o lugar em que as modas e tendências eram lançadas e irradiadas pelo resto do país, o lugar que dava o tom da nossa civilização tropical. Basta dizer que nossa violência atávica se recicla, veste novas roupagens, mas continua funcionando sob a tríade da criação de grupos armados dedicados ao uso da força, da falta de oportunidades para as pessoas terem profissão lícita e a existência de líderes que organizam esses grupos e os tornam eficazes. Ontem Lampião, o cangaceiro sertanejo, hoje Zinho, o miliciano carioca, citado na reportagem de Veja.

    Prezados leitores, será que um dia teremos o mercado de ideias do liberalismo de John Mearsheimer ao invés de termos um mercado de armas e de assassinatos encomendados?    Aguardemos, divididos entre a esperança e o fatalismo.

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Tolerância para quê?

Piers Morgan: Veja, tivemos uma conversa fascinante, que cobriu vários assuntos, conduzida com respeito e cortesia. Por que não temos mais conversas desse tipo no mundo? Por que esse tipo de conversa ou debate foi substituído por um gritando com o outro e as pessoas adotando posturas tribais nas mídias sociais e querendo literalmente silenciar qualquer pessoa que tenha uma visão diferente?

John Mearsheimer: Eu não tenho certeza que eu tenha uma boa resposta. Eu certamente concordo com a sua descrição sobre o que está acontecendo. Na verdade, eu acho bem deprimente que as pessoas xinguem umas às outras, gritem umas com as outras. Além disso, vários tipos de pessoas que têm opiniões fora do convencional são canceladas na grande mídia e eu poderia contar várias histórias a esse respeito. Não acho que isso seja saudável. Eu tenho uma visão antiquada de como as democracias liberais devem funcionar. Nós supostamente devemos ter um mercado de ideias. Espera-se que as pessoas consigam trocar ideias e se as pessoas acharem que o John Mearsheimer tem ideias tolas sobre a Ucrânia ou sobre o Oriente Médio, está tudo bem e devemos discutir sobre isso. Se minhas ideias são tão tolas as pessoas devem ser capazes de usar os fatos e a lógica para destruí-las. Mas você não tem muito disso agora. As pessoas são canceladas ou se elas estão debatendo elas tendem a ser caluniadas se não estiverem de acordo com a visão da maioria.

Piers Morgan: É extraordinário não? Que em democracias como os Estados Unidos, o Reino Unido e em muitas outras, você veja pessoas que se definem como liberais se comportando como os fascistas que elas dizem odiar.

John Mearsheimer: Sem dúvida, quero dizer, os liberais deveriam ser tolerantes. Se você pensar sobre o liberalismo, a essência do liberalismo, o liberalismo baseia-se na premissa de que as pessoas não conseguem concordar sobre os princípios fundamentais. É muito importante entender isso. Se você falar de Hobbes, de Locke, eles entendiam que as pessoas não conseguem chegar a um acordo sobre os princípios fundamentais. O que você tem que fazer é criar uma sociedade em que as pessoas têm a oportunidade de viver a vida de acordo com seus princípios fundamentais e elas têm que ter a liberdade de expressar suas opiniões sem se preocupar em serem atacadas por uma pessoa que não concorde com elas. E uma coisa importante que se assenta debaixo desse empreendimento liberal é a norma da tolerância. Se nós discordamos eu tenho que tolerar o fato de que você tem uma determinada visão e você tem que tolerar o fato de que eu tenho uma visão diferente. É isso que nos mantém juntos e faz com que a sociedade funcione.

Piers Morgan: Sim, exato, essa é a maneira como você resolve os problemas da sociedade. Quando você debate de maneira vigorosa e você acha pontos de concordância e consenso. Você não se sente ameaçado ao fazer isso, não se sente diminuído. Você vê o bem maior, isso é progresso. Você vem, você debate com outras pessoas, você argumenta, você discute e você vem com uma melhor solução.

 

    Prezados leitores, em primeiro lugar, perdoem-me uma citação tão longa. Ela é o trecho de uma conversa de 50 minutos entre o jornalista britânico Piers Morgan e o cientista político e especialista em relações internacionais americano John Mearsheimer que ilustra à perfeição aquilo que John Mearsheimer explica sobre liberalismo, democracia e tolerância. Explico-me.

    Piers Morgan e John Mearsheimer discordaram profundamente sobre os dois tópicos abordados inicialmente antes de eles trocarem ideias filosóficas sobre o regime político no Ocidente. Primeiramente em relação à guerra na Ucrânia. Piers Morgan considera o presidente Vladimir Putin um homem perigoso que quer reconstruir o império russo invadindo outros países. Para Morgan, o erro do Ocidente foi não ter feito a Ucrânia entrar na OTAN antes da invasão de 24 de fevereiro de 2022, pois se a Ucrânia já fosse parte da OTAN o presidente russo não teria invadido o país vizinho, pois este teria tido garantias de defesa dos outros Estados membros. Mearsheimer considera que não há nada nas atitudes e nas palavras do ex-agente da KGB que possa respaldar a ideia de que a Rússia quer absorver os países ao seu redor e a Operação Militar Especial na Ucrânia foi desencadeada tão somente para não permitir que a Ucrânia seja aceita na OTAN.

    O segundo tópico abordado foi a guerra em Gaza. Piers Morgan lamenta profundamente as mortes de civis palestinos, mas considera que não será possível vencer o Hamas sem atingir civis porque os membros do Hamas se misturam aos civis de propósito. Mearsheimer considera que é injustificável o que Israel está fazendo: o bombardeio de residências, hospitais, escolas, cemitérios e universidades está matando pessoas que não pertencem ao Hamas, a destruição da infraestrutura inviabiliza a vida para os palestinos em Gaza e os impedimentos que Israel coloca para a ajuda humanitária estão causando grande sofrimento em termos de fome e doenças. Para o americano não há como justificar a matança dos palestinos como se isso fosse necessário para atingir o objetivo de acabar com o Hamas. O Hamas não será derrotado dessa forma, ao contrário, terá mais oportunidades de recrutamento porque muitos adolescentes ficarão órfãos de pai e mãe. Se o governo de Israel continua com essa estratégia de tornar a vida inviável para os palestinos em Gaza é porque eles querem mesmo é se livrar deles não porque tenham o objetivo de destruir o Hamas, justamente porque sabem ser tal tarefa impossível.

    Em suma, uma discussão pontuada por discordâncias, mas como Piers Morgan mesmo afirma, uma discussão polida, entre pessoas que praticam a virtude da tolerância. É esse o ponto a que queria chegar depois desse introito sobre o teor do debate entre os dois. O que é tolerância e para que serve? A tolerância em um regime liberal é a disposição que cada cidadão deve ter na arena pública de ouvir opiniões discordantes da sua e ter duas atitudes: em primeiro lugar tentar combatê-la com fatos e o desenvolvimento de argumentos com base em fatos; em segundo lugar, não rotular a pessoa que expressa tal opinião disso ou daquilo porque ela não concorda com o cidadão que se dispôs ao debate.

    Num regime liberal o cidadão deve sempre ter em mente que nem sempre é possível ganhar o debate, pois muitos fatores estão em jogo para tornar o resultado complexo. Nem sempre as pessoas têm acesso aos mesmos fatos: afinal elas têm diferentes níveis de interesse por determinado assunto, e isso determinará sua disposição de ir atrás do que ocorreu. Pior, mesmo que elas estejam dispostas a se informarem sobre o tema, elas podem acabar consultando fontes que têm sua própria agenda política e por isso omitem certos acontecimentos e dão exagerada importância a outros.

    Uma nova camada de dificuldade se coloca mesmo quando há acesso a mais ou menos os mesmos fatos, pois com base naquilo que Mearsheimer chama de princípios fundamentais, isto é os valores morais da pessoa, as regras que ela segue para bem viver, ela pode dar mais importância a certas coisas de maneira a determinar seu julgamento sobre o assunto. Um exemplo disso é a atitude favorável dos evangélicos em relação a Israel. Eles até admitem que Gaza está sendo destruída, mas sua simpatia pelo povo da Bíblia os faz enfatizar a necessidade de Israel defender-se a qualquer custo para sobreviver como Estado para o povo judeu, tal como colocado nas Escrituras.

    Se tais obstáculos muitas vezes impedem que as pessoas cheguem a conclusões comuns o que fazer? A resposta é tolerar. Tolerar nossas fraquezas, tolerar que todos nós muitas vezes resvalamos para racionalizações, isto é, para o uso da razão não para chegar a uma conclusão, mas para dar um verniz de respeitabilidade a conclusões obtidas por preferências individuais e irredutíveis. Tolerar o fato de que todos nós às vezes falamos sobre coisas das quais não temos muito conhecimento, mas em um mundo digital em que qualquer um pode ter a palavra o tempo todo, é tentador palpitar sobre qualquer coisa que seja notícia.

    E tolerar para quê? Tolerar para que todos possamos permanecer no mesmo barco, tentando achar o melhor caminho para a solução dos problemas, sem que nos achemos no direito de depredar o patrimônio público como os manifestantes de 8 de janeiro de 2023 fizeram porque estavam descontentes com os resultados da eleição de Lula para a presidência, sem que nos achemos no direito de barrar a entrada no metrô de pessoas que foram à manifestação de apoio ao Bolsonaro de maneira pacífica sob a justificativa de que são todos fascistas e não podem ser tolerados. Como ensinou um dos pais do liberalismo no século XX, John Rawls em seu livro “Uma Teoria da Justiça”, já citado anteriormente neste meu humilde espaço, uma sociedade democrática precisa dar espaço à expressão de opiniões não democráticas desde que tal expressão não resvale para a violência.

    Prezados leitores, parafraseando John Mearsheimer, talvez vocês não concordem com o que estou a dizer sobre a importância do exercício máximo da tolerância e achem que sou tola ou estúpida. Não importa, só peço a vocês que exerçam a virtude de aguentar ouvir “coisas absurdas” para podermos criar um clima de confiança e boa vontade na sociedade de forma que possamos chegar a consensos a respeito de assuntos menos polêmicos. E o fato é que numericamente falando há bem mais assuntos não polêmicos do que polêmicos, mas os polêmicos atraem mais nossa atenção, porque lidam com nosso instinto tribalista. Só crendo nesse exercício da tolerância é que nossa sociedade conseguirá obter respostas aos desafios e progredirá, em prol do bem comum.

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Progresso para quê?

Papa Bento: O progresso no conhecimento, na ciência, nos confortos e no poder é só um progresso dos meios; se não houver a melhoria dos fins, objetivos ou desejos, o progresso é uma ilusão. A razão aprimora os instrumentos, mas os fins são determinados pelos instintos formados antes do nascimento e estabelecidos antes que a razão possa florescer.

Trecho retirado do livro “A Era de Voltaire” do historiador e filósofo americano Will Durant (1885-1981) e da historiadora e escritora Ariel Durant (1898-1981) em que o escritor francês Voltaire (1694-1778) tem um diálogo fictício no Elísio com o papa Bento XIV (1675-1758)

Rousseau havia dado expressão a um problema que aparece em qualquer sociedade avançada. Os frutos da tecnologia compensam a pressa, a tensão, a vista, os barulhos e os odores de uma vida industrializada? O esclarecimento prejudica a moralidade? É sábio seguir a ciência até a destruição mútua e a filosofia até o desencanto com as esperanças revigorantes?

Trecho retirado do livro “Rousseau e a Revolução” do historiador e filósofo americano Will Durant (1885-1981) e da historiadora e escritora Ariel Durant (1898-1981) sobre o escritor e filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

    Prezados leitores, quem nunca ouviu falar na máxima que normalmente resume o pensamento de Jean-Jacques Rousseau, tal como ele nos é transmitido: “O homem é bom, a sociedade o corrompe”? Esse conceito de uma sociedade corruptora começou a ser esboçado pelo escritor e filósofo genebrino quando ele escreveu um ensaio para concorrer a um prêmio oferecido em 1749 pela Academia de Dijon, a qual propunha o seguinte tema: “A restauração das ciências e das artes contribuiu para corromper ou purificar a moral? Para responder a essa pergunta, Rousseau elaborou seu “Discurso sobre as artes e as ciências”, no qual ele aponta os males da civilização.

    A experiência de Rousseau com a civilização era marcada por sua estadia em Paris, cidade em que ele conheceu e frequentou o grupo dos philosophes que criticavam a Igreja e propunham a organização da sociedade sobre bases racionais. Como vimos na semana passada, o escritor e filósofo genebrino era uma alma sensível, sensível ao ponto de indignar-se tremendamente com o comportamento de um aristocrata francês, o Conde Pierre-Auguste de Montaigu, que não lhe pagara o salário, mas que apesar de seu comportamento lamentável continuava gozando de respeitabilidade na sociedade porque sabia seguir as regras da etiqueta, da polidez, da civilidade.

    Sob essa perspectiva, a reputação da pessoa em uma sociedade sofisticada como a francesa era baseada na mais pura artificialidade. As pessoas trocavam fórmulas polidas entre si como se tivessem grande estima umas pelas outras, mantinham uma aparência elegante, à base de perucas e roupas bem talhadas, como se fossem todas belas de corpo e de alma. Nada mais longe da verdade. Aquela fachada reluzente formada por palavras bem ditas e figuras estilosas tinha atrás de si a corrupção moral, a licenciosidade incentivada pela sensualidade da arte, a obsessão com a fofoca maliciosa e as tiradas inteligentes e irreverentes, o esnobismo social, as extravagâncias indiferentes dos ricos financiadas pela extorsão dos pobres. De que adiantava o exercício da razão se isso levava à dessecação da alma, perdida nos becos sem saída das especulações filosóficas que não chegavam a certeza nenhuma e tornavam o homem desiludido a respeito do significado da sua vida e do seu destino?

    A solução para Rousseau era uma volta à simplicidade do campo, à vida rústica e autêntica dos camponeses da sua Suíça natal, terra de indivíduos livres, corajosos, resilientes face à diversidade, imunes aos canto da sereia da filosofia, da ciência, da literatura e da arte, porque estavam dedicados ao trabalho no campo que lhes dava sustento e prosperidade. Daí que a resposta dada pelo “Discurso sobre as artes e as ciências” à pergunta colocada pela Academia de Dijon foi que a restauração das ciências e das artes contribuiu para corromper a moral, tornando as pessoas hipócritas, fazendo-as perder a paz de espírito pelo abandono das antigas crenças religiosas e a inocência pelo aumento da complexidade das interações humanas, que incentivava comportamentos malévolos.

    Conforme mostra o trecho que abre este artigo, Rousseau revelou o lado negro da civilização. É certo que ela proporciona mais conforto material, liberando certos grupos para se dedicarem a ter ideais mais sofisticadas que levam a novas invenções, que por sua vez aumentam o conforto material, perpetuando o círculo virtuoso. Mas será que tudo isso vale a pena se pensarmos no custo em termos de deterioração das relações humanas em um ambiente competitivo e hipócrita em que o importante é ter sucesso e brilhar a qualquer custo? Onde fica o sentimento, o amor, a amizade nesse desfile de vaidades? E mais, onde fica a fé cristã, que havia sido o baluarte da sociedade por centenas de anos?

    O perigo do progresso para a alma do homem também é colocado pelo Papa Bento XIV (1675-1758) na sua defesa da religião frente à Voltaire (1694-1778), conforme a versão de Will e Ariel Durant. Conforme o trecho que abre este artigo, o problema de uma sociedade em que não há religião instituída é que a razão só permite a progressão dos meios de que dispõe o homem para atingir seus objetivos. Para o Papa a razão jamais conseguirá aprimorar os fins a que nos propomos, porque esses fins são instintivos. Daí ser o papel da religião estabelecer tais fins, impondo restrições a esses instintos, pois do contrário a razão torna-se a prostituta dos desejos, isto é, serve ao desejo que se impõe com mais força, estabelecendo narrativas para justificá-lo e dar-lhe vazão.

    Prezados leitores, há alguns meses eu citei aqui neste humilde espaço o cientista político John Mearsheimer, que alertava para o fato de em pleno século XXI ainda não termos chegado a um consenso sobre como viver a boa vida, pois temos discordâncias fundamentais sobre valores. Nesse sentido, as palavras do Papa Bento XIV e as de Rousseau sobre os aspectos negativos do progresso mostram-se relevantes à luz dos acontecimentos atuais. Considerando a guerra na Ucrânia e a guerra em Gaza, que se desenrolam sem que nenhum princípio do direito internacional tenha podido ser aplicado até o momento, fica flagrante a discrepância entre nossos meios tecnológicos de destruição mútua e nossa capacidade de estabelecer relações saudáveis entre os diferentes povos. Será que nunca conseguiremos preencher essa lacuna? Será que nunca chegaremos a um consenso sobre o certo e o errado e sobre o significado da vida para juntos embarcarmos na mesma jornada? Se não conseguirmos, progresso para quê, se ele vai nos levar à hecatombe?

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Paraíso celeste, terrestre… e agora?

Voltaire: […] Mas eu tenho minha fé também – que no longo prazo, a verdade será uma benção até mesmo para os pobres.

Bento: a verdade não é verdade a não ser que permaneça verdade através das gerações. As gerações passadas colocam você no pedestal, as futuras gerações irão criticá-lo. Mesmo os vitoriosos na luta pela vida o reprovarão por tirar dos pobres as esperanças que os reconciliavam com sua posição humilde na estratificação inevitável de qualquer sociedade.

Trecho retirado do livro “A Era de Voltaire” do historiador e filósofo americano Will Durant (1885-1981) e da historiadora e escritora Ariel Durant (1898-1981) em que o escritor francês Voltaire (1694-1778) tem um diálogo fictício no Elísio com o papa Bento XIV (1675-1758)

Se lhe falta dignidade, sem elevação da alma, é porque a nobreza dispensa tudo isso; caso ele se associe com tudo o que é vil em uma das cidades mais imorais, é porque seus antepassados criaram honra suficiente para ele; se ele se junta a velhacos, se ele mesmo é velhaco, se ele não paga os salários de um serviçal dele, ah, então Madame, eu considero quão afortunado é não ser o fruto das próprias realizações! Esses ancestrais – quem eram eles? Pessoas sem reputação, sem fortuna, meus semelhantes; eles tinham algum tipo de talento, conquistaram fama; mas a natureza, que lança a semente do bem e do mal, deu-lhes uma descendência lamentável.

Trecho de carta enviada pelo escritor e filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) a Madame de Benseval para reclamar do seu patrão, o embaixador da França em Veneza, o Conde Pierre-Auguste de Montaigu

    Prezados leitores, na semana passada eu tentei estabelecer semelhanças entre as concepções de justiça de Voltaire e de Sócrates (470 a.C.-399 a.C) chamando a atenção para o fato de que ambos associam a justiça à divindade. Para Sócrates, e para seus conterrâneos, os quais compartilhavam as mesmas crenças religiosas, a deusa Têmis ofereceu aos homens as leis como uma dádiva para que eles pudessem organizar-se em sociedade e assim, exercerem atividades tipicamente humanas. Para Voltaire, um dos atributos da divindade deve ser a de ser justo pois se nós, seres humanos, não tivermos a esperança de que ao final os bons serão recompensados e os maus punidos por Deus fica difícil conseguir lidar com as vicissitudes da vida e seguir em frente, apesar dos pesares.

    Nesta semana, adicionarei uma nuance ao pensamento de Voltaire, pois em que pese ele querer crer em uma justiça divina, ele crê muito mais intensamente na possibilidade de progresso na terra, não no céu, no cultivo da verdade, do conhecimento, da tolerância, da liberdade de pensamento, no combate às superstições para que, no aqui e no agora, a vida melhorasse para todos, para que a sociedade não fosse dominada por uma ortodoxia de pensamento que, acumulando poder, impusesse sua visão da realidade a todos e decidisse sobre o que era justo e injusto com base nessa visão unilateral. É no contexto dessa luta contra as verdades estabelecidas, que sufocavam o indivíduo, que Voltaire criticou o poder da Igreja Católica e lutou por pessoas como Jean Calas (1698-1761), um protestante acusado injustamente de ter matado o filho e que foi condenado a uma morte de suplício, executada em 10 de março de 1762.

    Sob essa perspectiva, apesar de Voltaire cultivar a concepção de uma entidade divina justa, ele nunca identificava tal Deus com o Deus das religiões organizadas, justamente porque em nome de Deus as Igrejas enquanto instituições acabavam tratando de maneira brutal os indivíduos que ousavam não compartilhar dos seus dogmas. É por isso que o escritor francês discorda do papa Bento XIV no diálogo criado por Will e Ariel Durant e citado na abertura deste artigo a respeito do bem que a verdade faria aos pobres. Mesmo sendo eles pouco inclinados a pensar e incapazes de fazê-lo por lhes faltar instrução, Voltaire tinha a fé que a verdade faria uma diferença na vida dos pobres porque ela traria melhora nas condições materiais da existência e faria a ordem jurídica mais justa, menos tendenciosa em relação ao pensamento das elites dominantes que procuravam perpetuar seus privilégios, inclusive por meio das narrativas religiosas disseminadas na sociedade para justificar o status quo.

    Ora, o papa Bento XIV discorda dessa concepção de que o pensamento criativo dos filósofos e as descobertas da ciência fariam bem aos pobres. Para ele, a única verdade a ser transmitida aos pobres era a verdade da Igreja que dava consolo para pessoas que estavam destinadas a sofrer na vida, a não ter um quinhão adequado das benesses da sociedade. Para não as deixar cair no desespero ante a opressão dos poderosos, era preciso ensinar aos mais pobres que a justiça humana era inerentemente falha e que só a justiça divina era perfeita e estaria ao alcance dos bons depois da morte. Em suma, após o inferno terrestre da pobreza e da injustiça seguiria o paraíso celeste onde tudo seria retificado.

    É claro que Voltaire, como bom Iluminista, crente no poder da razão para engendrar prosperidade material e uma melhor aplicação da justiça humana, não poderia aceitar tal receita. Sua luta feroz pela revisão do processo de Jean Calas, que culminou com a anulação da condenação do mercador protestante em 9 de março de 1765, mostra que ele queria tornar a justiça humana cada vez melhor, na medida do possível. Não menos sensível às iniquidades neste mundo, fruto da ignorância e do exercício arbitrário do poder, era Jean-Jacques Rousseau.

    Em 1743 Jean-Jacques Rousseau torna-se secretário do embaixador da França em Veneza, o Conde de Montaigu que, segundo Rousseau, era quase analfabeto. Em 1744, o Conde o demite do posto após uma disputa entre os dois pelo fato de o embaixador não ter pago o salário do seu secretário, já que ele mesmo não recebera sua remuneração. Rousseau escreve uma carta à mulher que o havia indicado para o cargo, já que não consegue falar com ela pessoalmente. O trecho que abre este artigo mostra a indignação do escritor e filósofo, que não tinha nenhuma fonte de renda segura, com o comportamento de um membro da aristocracia. O que o conde de Montaigu havia feito para merecer os privilégios de que gozava? Que qualidades intelectuais ou morais ele tinha para ocupar o posto de embaixador?

    Para Rousseau, a resposta deveria ser negativa para ambas as perguntas. A diferença entre o Conde e Rousseau é que aquele havia tido a sorte de ter tido ancestrais que tiveram algum talento e conquistaram bens e direitos que puderem transmitir por décadas e até séculos aos seus descendentes. Nesse sentido, o sr. Pierre-Auguste não merecia usufruir dessa herança porque não tinha méritos próprios, mas usufruía porque a sociedade, cujas leis eram estabelecidas pela nobreza para seu próprio benefício, assim o permitia. Uma flagrante injustiça, sem dúvida porque um homem mau e incapaz era recompensado.

    Prezados leitores, essa indignação mostrada por Rousseau diante dos privilégios gozados por uma aristocracia que há séculos havia tomado o poder foi um dos germes da Revolução Francesa, a qual teve entre seus ideais estabelecer uma utopia na terra, isto é, uma sociedade justa, fundada na lei, na razão, no conhecimento, em contraponto à tirania, à injustiça e à ignorância. Se a utopia se concretizou na prática é uma outra questão. O fato é que, conforme Will e Ariel Durant observam em “A Idade de Voltaire” uma civilização morre se não cultivar a ideia seja de um paraíso terrestre seja de um paraíso celeste: sem nenhuma narrativa sobre um mundo melhor o esforço coletivo perde significado e seus atores perdem motivação.  Tanto Voltaire quanto Rousseau e o próprio papa Bento XIV criaram uma narrativa nova ou aprimoraram uma narrativa já existente, cada um a seu modo. Quem o faz agora no Ocidente em pleno século XXI?

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De Sócrates a Voltaire: Têmis Reloaded

Inclusive vocês, ó juízes, devem ser esperançosos quanto à morte, e ter em mente que a única coisa verdadeira é que ao homem bom, é impossível sofrer algum mal, quer em vida, quer depois da morte, e que suas vicissitudes não são negligenciadas pelos deuses.

Trecho retirado do livro “Apologia de Sócrates” de Platão (428 a.C.-348 a.C.) em que Sócrates dirige-se aos juízes que o condenaram à morte

Ora, devemos então conceber assim o homem justo: se ele vier a ser pobre ou doente, se lhe suceder algo aparentemente mau, essas coisas acabarão por se tornar um bem em vida ou depois da morte. Pois, certamente, o deus não negligencia quem almeje com empenho se tornar justo e, cultivando a virtude, assemelhar-se ao deus o quanto for possível a um homem.

Trecho retirado da República de Platão atribuído como fala de Sócrates (470 a.C.-399 a.C.)

Ele [o teísta] acredita que a religião não consiste nem nas opiniões de uma metafísica incompreensível, nem em decorações vãs, mas na adoração e na justiça. Fazer o bem é sua crença; submeter-se a Deus sua doutrina…. Ele ri de Loreto e de Meca, mas socorre o indigente e defende o oprimido.

Trecho retirado do livro “A Era de Voltaire” do historiador e filósofo americano Will Durant (1885-1981) e da historiadora e escritora Ariel Durant (1898-1981), citando o escritor francês François Marie Arouet, conhecido como Voltaire (1694-1778)

Têmis – filha de Urano e de Gaia, Têmis pertence à geração dos deuses primordiais […] Ela é representada com uma balança e uma espada nas mãos (os símbolos da justiça). Mas sobretudo, seus olhos vendados permanecem o símbolo da imparcialidade das sentenças que ela profere.

Verbete retirado do Dicionário Larousse de Mitologia Grega e Romana

    Prezados leitores, o que fazer quando consideramos termos sido tratados de maneira injusta? O que fazer quando sentimos que não fomos tratados como seria o nosso direito e que não recebemos de volta aquilo que demos aos outros, seja de maneira quantitativa em termos de um simples toma-lá-dá-cá, seja de maneira qualitativa, em termos do modo respeitoso, cordial e amoroso com que tratamos os outros e do qual esperamos ser tratados? Essa é uma pergunta cuja resposta depende dos valores de cada um. No século XXI no Brasil, o caminho oficial é ir ao Judiciário, que tratará de solucionar o conflito entre você e seu “inimigo” da maneira mais rápida e eficaz possível, o que significa chegar a uma decisão sobre quem fica com o quê, conseguir executá-la reivindicando os bens do perdedor e de preferência fazer tudo isso de maneira definitiva, que não dê ensejo a novas ações judiciais no futuro. O caminho paralelo é usar a violência para conseguir a reparação do agravo e quem tem acesso a armas de fogo faz isso sumariamente, com consequências muitas vezes trágicas para si e para os outros.

    No entanto, paralelamente às respostas práticas que damos quando nos sentimos injustiçados, há respostas mais abstratas. Pois o fato é que nem sempre a resposta do Judiciário será suficiente para que a pessoa se sinta desagravada. E descartando-se o recurso à violência coloca-se a questão de como lidar com a frustração de ver-se privado daquilo que a pessoa considera como seu de direito. Essas respostas mais abstratas resumem-se a uma simples palavra: fé, ou se preferirem crença. Explico-me citando o caso de Sócrates, condenado a tomar cicuta em 399 a.C. por não reconhecer os deuses reconhecidos pelo Estado (no caso a cidade de Atenas), por introduzir divindades novas e por corromper a juventude. Obviamente o filósofo defende-se dessas acusações perante os jurados, mas eles não se deixam convencer. Após o julgamento, Sócrates, preso, aguarda a execução da sentença de morte. Seus amigos o exortam a fugir e assim salvar a vida, mas ele se nega a fazê-lo por causa de suas convicções. E que convicções são essas?

    Conforme os trechos que abrem este artigo, Sócrates tem fé na justiça, isto é, que de uma maneira ou de outra o bom será recompensado e o mal será punido: sua crença não é na justiça dos homens, sujeita a erros por causa dos vícios inerentes à nossa natureza, mas na justiça como ideal a ser perseguido juntamente com os ideais de beleza, virtude e verdade. O exercício do pensamento leva ao conhecimento, inclusive da virtude e o homem que sabe o que é a virtude irá praticá-la. A saga humana consiste em seguir neste caminho de forma que mesmo que sejamos na prática injustiçados, que fiquemos à mercê das paixões dos que estão ao nosso redor e das nossas próprias paixões, possamos ficar cada vez mais perto desses ideais.  Sob essa perspectiva, a morte é um mero detalhe, pois o importante é que a justiça seja feita, que a verdade e a virtude triunfem e que a beleza prevaleça, aqui ou alhures.  E para que esses ideais sejam concretizados era preciso que Sócrates se submetesse às leis da cidade, pois “toda lei é descoberta e dádiva dos deuses”, como afirmou o político e orador ateniense Demóstenes (384 a.C.-322 a.C.)  no discurso Contra Aristogiton.

    A divindade e a justiça unidas: assim também era a concepção de Voltaire, conforme mostrada no trecho que abre este artigo. O escritor francês, que tanto atacou o Catolicismo, o Protestantismo e o Calvinismo, pode ser definido como um teísta, i.e. um homem que acreditava em um Deus que era uma inteligência consciente que elaborara e governava o mundo. Certo, era preciso levar o ser humano pelo caminho da razão, livrá-lo das crenças em coisas absurdas e inconsistentes como a transubstanciação, a mãe virgem de Jesus, o fato de Jesus ser descrito como descendente de David por intermédio de seu pai José que não era seu pai, afinal Jesus era filho de Deus. Era preciso livrar-se da classe parasita dos padres, bispos, cardeais e papas que exploravam a religião para proveito material próprio. Era preciso coibir a ação de fanáticos que torturavam, matavam e queimavam para defender a religião. No entanto, era preciso crer em um Deus bom e justo e se Deus não existisse ele teria que ser criado. Afinal, como lidar com a opressão dos mais fracos pelos mais fortes, com as calamidades que se abatiam sobre as pessoas, a miséria, a fome, as doenças se não pudéssemos crer que no longo prazo o bem triunfaria e o mal seria aniquilado? Que sentido dar à vida de outra maneira?

    E assim é que separados por 2.000 anos, Sócrates e Voltaire identificaram Deus como um ser justo que faz a justiça frutificar. Será que o sentimento da justiça não é tão inerente ao ser humano como o sentimento da transcendência? E se a justiça é um conceito tão fundamental, será que nos basta, no século XXI que o máximo que consigamos é ter um órgão que se propõe à mera solução de conflitos? Ou talvez valha a pena voltarmos às velhas narrativas da justiça divina, da justiça como uma deusa na qual é preciso ter fé e que precisa ser honrada?

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