Utopias perdidas

O homem será libertado e não mais será o joguete de forças além de seu controle – a natureza implacável ou as consequências de sua própria ignorância, loucura ou vício; […] essa primavera do homem virá depois que os obstáculos, naturais e humanos, forem superados. Então, por fim os homens deixarão de lutar entre si, unirão suas forças e cooperarão para adaptar a natureza às suas necessidades (como advogaram os pensadores materialistas, de Epicuro a Marx), ou para adaptar suas necessidades à natureza (como os estóicos e os modernos ambientalistas prescreveram)

Trecho retirado do livro de Isaiah Berlin (1909-1997) Limites da Utopia

Atenas cruza as linhas vermelhas

Manchete do site de notícia Courrier International sobre o acordo proposto pelo governo grego aos seus credores em 22 de junho

Para Lula PT perdeu a utopia e petistas só pensam em cargos

Manchete do site de notícias UOL em artigo sobre o seminários “Novos desafios da democracia” realizado no Instituto Lula com a presença do ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González

    Prezados leitores, há algum tempo, à época da eleição do partido Syriza para o governo da Grécia, mostrei meu entusiasmo em ver um grupo político tentando propor novas ideias para tirar o país do atoleiro em que se encontrava, formado por dívidas impagáveis, desemprego e recessão. Pois bem, parece que como invarialvemente ocorre com partidos de esquerda que chegam ao poder, o sonho virou pó. É verdade que o apoio popular ao Syriza nunca foi muito grande, eleito com apenas 36% dos votos, o que diminui bastante sua capacidade de impor uma determinada agenda. Para piorar, o lado de lá é extremamente forte porque unido: FMI, Banco Central Europeu, União Europeia, Comissão Europeia, Alemanha, França individualmente como os países mais fortes e até os pobrecitos do Club Med europeu como Portugal e Espanha, que querem que a Grécia não seja poupada de nenhum dos sofrimentos pelos quais portugueses e espanhóis têm passado para honrar suas dívidas. De qualquer forma é decepcionante ver que mais uma vez os sonhos se espatifaram.

    Digo isso em vista das notícias de que Alex Tsipras a fim de chegar a um acordo para a rolagem da dívida grega resolveu ceder em relação a pontos que eram considerados inegociáveis: concordou em aumentar o imposto sobre o valor agregado em 23% e o imposto sobre rendimentos de mais de 30.000 euros por ano. Não consegui obter mais detalhes se tal proposta, que aparentemente agradou os credores, inclui as privatizações tão recomendadas pelo FMI. De qualquer forma, o fato de Tsipras nem falar em saída da Grécia do euro, o que reflete o desejo dos gregos de permanecerem na UE, enfraquece sua posição, porque não permite que ele acene com o espectro do calote e do retorno à dracma para arrancar concessões dos defensores dos interesses dos bancos alemães e holandeses que não querem levar uma banana dos gregos.

    Numa situação como essa, a única saída para q ue a esquerda grega pudesse fazer jus a suas promessas seria que o povo mudasse de ideia e passasse a considerar seriamente a possibilidade de sair do clube Europa cujas mensalidades estão ficando caras demais. Afinal uma andorinha sozinha não faz verão: para enfrentar Christine Lagarde, Angela Merkel, Jean-Claude Juncker só mesmo Tsipras tendo atrás de si o povo grego ameaçando quebrar tudo se novas medidas de austeridade forem impostas. Afinal força se enfrenta com força, não esperanças de que a outra parte será condescendente com o infortúnio alheio. Até o momento isso está longe de acontecer.

    No domingo dia 21 houve protestos em frente ao parlamento grego, mas reuniram somente sete mil pessoas. A resignação e o fatalismo parecem ter tomado conta de tudo e os gregos estão prontos a serem imolados novamente para que o país fique em dia com os pagamentos do baú da felicidade. Mas claro, se o acordo que Tsipras está prestes a firmar trouxer algum benefício para a população em termos de melhora da qualidade de vida vou calar minha boca e dizer que em vez de ser um iludido ou ilusionista que se rendeu às duras realidades da vida, direi que se trata de um político sensato e pragmático que conquistou o que antes considerava-se impossível: a volta do crescimento econômico e do emprego na Grécia.

    Ou talvez eu nunca tenha condições de chegar a um julgamento definitivo sobre a experiência de Alex Tsipras no governo grego, mesmo porque não consigo chegar a uma conclusão nem sobre o nosso próprio líder de esquerda, Lula, que hoje fez um mea culpa meia-boca acusando os membros do partido de terem sido picados pela mosca azul do poder. Será que ele está passando por uma crise existencial e dando-se conta de que as utopias sobre justiça social, distribuição de renda, prosperidade para todos não resistiram à dura realidade do exercício do poder em um país cujo regime político fica a meio caminho entre parlamentarismo e presidencialismo? Ou será que é tudo um jogo de cena para transferir as culpas pelos vícios aos outros, e assim blindar-se para as próximas eleições presidenciais? Em suma, será Lula um iludido que pensou que com seu carisma poderia mudar o Brasil ou um ilusionista que manipula as carências de determinadas partes da população para conquistar o poder? Será que Lula deixará um legado de longo prazo à sociedade brasileira em termos de uma melhora sustentável para a parcela da população brasileira beneficiada por seus programas sociais?

    Prezados leitores, como já deixei claro anteriormente neste meu humilde espaço, eu me identifico com pensadores como Hobbes, Burke, De Maistre que enfatizavam a emoção, o instinto, as tradições e os valores profundos de um povo para explicar os acontecimentos históricos, e nutro uma antipatia natural por otimistas como Rousseau, Robespierre, Marx, Trotsky que achavam que a natureza humana pode ser moldada e aprimorada à luz da razão para felicidade de todos no longo prazo. Isso não significa dizer que proponho que devamos ficar inertes em face dos desmandos, da prepotência, da desfaçatez, mas simplesmente que tenhamos consciência de que todos nós, sem exceção, por melhores que sejam nossas intenções, cometeremos erros e não conseguiremos realizar grande parte daquilo que havíamos nos proposto. Talvez a reflexão de Lula, se for verdadeira e não for simplesmente oportunista, e o cruzamento da linha vermelha por parte de Alex Tsipras sejam fruto dessa constatação.

    A esquerda, que ao longo da história, tem tido o monopólio das utopias, tem por isso mesmo a maior propensão a decepcionar e a causar um movimento contrário dos realistas de direita. Napoleão e suas guerras sem fim foram uma reação aos desvarios da Revolução Francesa na época do Terror, a ditadura de 1964 no Brasil foi uma reação às boas e ineficazes intenções de Jango Goulart. Será que estamos entrando em uma época pós-Lula de reação às utopias perdidas? Será que gregos e brasileiros pagarão o preço dos sonhos desfeitos ou das pedaladas fiscais num e noutro país (não sei o nome que na Grécia dá-se ao excesso de gastos do governo)? Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos.

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Ladeira da Preguiça

Quando a determinação ao invés da habilidade torna-se o fator decisivo para o sucesso, você pode acabar favorcendo o burro e ativo — que pode ser considerado o pior tipo.

Trecho retirado do artigo “Vamos repensar a semana de trabalho” de Rory Sutherland publicado em 25 de abril

A Câmara está funcionando, o que é bom, mas o ronco do motor está desafinado. As votações aqui não estão refletindo em benefício do povo. Cunha está potencializando o panis et circenses. Distrai a população com temas ocmo a maioridade penal , que não resolvem.

Deputado federal pelo Rio de Janeiro Miro Teixeira, comentando o ritmo frenético de votações no Congresso imposto por Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados

Essa ladeira, que ladeira é essa?

Essa é a ladeira da preguiça

Ela é de hoje

Ela é desde quando

Se amarrava cachorro com linguiça

Trecho da música “Ladeira da Preguiça” cantada por Elis Regina

    Prezados leitores, para quem pensa que a gestão de pessoas só teve início no século XX com a criação dos Departamentos de Recursos Humanos, saibam que lpideres de antanho já tinham essa preocupação em mente. No século XIX, de acordo com o artigo cujo trecho foi transcrito acima, o marechal-de-campo prussiano Helmuth Karl Bernhard Graf von Moltke (1800-1891) classificou os oficiais do Exército da Prússia utilizando uma matriz, em ordem decrescente: inteligentes e preguiçosos – eram escolhidos para serem os comandantes porque de acordo com von Moltke faziam a coisa certa acontecer, encontrando a maneira mais fácil de realizar a missão; inteligentes e ativos – eram escolhidos para serem oficiais do Estado Maior porque elaboravam planos inteligentes que faziam com que ocorresse a coisa certa; estúpidos e preguiçosos: eram escolhidos para tarefas braçais que precisam ser realizadas por um oficial, pois eles seguem ordens sem causar muitos problemas; estúpidos e ativos – são perigosos e precisam ser eliminados, pois eles fazem as coisas acontecerem, mas as coisas erradas, e assim causam problemas.

    Essa perpicaz observação dos tipos humanos vem à minha mente no momento em que assistimos ao ativismo dfo Legislativo federal sob a batuta de Eduardo Cunha. Não estou aqui a dizer que o excelentíssimo deputado carioca deveria ser enquadrado na quarta categoria, porque afinal ele é um político e todo político tem por objetivo manter-se no poder. A pauta escolhida por Cunha, maioridade penal, demarcação das terras indígenas, escolha dos ministros do STF, pacto federativo e estatuto da família, atende a certos anseios dos evangélicos e de outros grupos de interesse como prefeitos que querem ter mais verbas às custas da União.

    Portanto, nada mais lógico para Cunha do que satisfazê-los para garantir apoio nas próximas eleições. Em uma democracia assegurar votos é a principal preocupação e tudo se subordina a tal meta, por mais que os prefeitos, senadores, deputados, vereadores, governadores e presidentes repitam ad infinitum o blá blá blá sobre os interesses do país. Ao contrário de Von Moltke, que estava sob a pressão de encontrar maneiras de vencer militarmente os inimigos da unificação da Alemanha, entre eles a Áustria e a França, nossa classe política não tem nenhuma meta pública específica, concreta, apesar de terem a meta particular de manterem-se em seus postos ou conseguirem postos mais importantes. Assim, temos um tipo como Eduardo Cunha que estabelece uma extensa pauta em sua maior parte inútil não porque seja estúpido e ativo, mas porque é inteligente e preguiçoso os suficiente para atingir sua meta de manter-se no poder pelo caminho fácil do foco em temas apaixonantes, que dizem respeito aos valores morais de cada um, como a família, a religião para não decidir sobre os assuntos realmente importantes, mas cuja solução requer coragem e criatividade por parte de verdadeiros líderes públicos.

    Um assunto realmente importante que exige uma atuação rápida e eficiente é o nó da infraestrutura, já tantas vezes abordado aqui. De acordo com o jornal O Estado de São Paulo de 14 de junho, em 15 anos o Brasil caiu doze posições no ranking global de competitividade em termos de infraestrutura básica: em 2001 estávamos na 41ª posição e hoje estamos na 53ª posição. Novamente aqui a atuação pública das nossas autoridades corresponde ao tipo do estúpido e ativo da matriz prussiana. O Programa de Aceleração do Crescimento foi lançado em 2007 e em 2011 foi lançado o PAC2 mesmo não tendo o PAC1 terminado e mesmo depois de o Tribunal de Contas apontar irregularidades no programa, como falta de projeto executivo ou inconsistência do projeto para certas obras, falta de licenciamento ambiental, preços orçados acima dos preços de mercado. Pois bem, depois de dois programas incompletos e falhos, no dia 9 de junho de 2015 houve o lançamento do PIL, Programa de Investimentos em Logística, que prevê investimentos de 198 bilhões de reais de 2015 a 2019.

    PAC, PIL, siglas bombásticas, alardeadas aos quatro ventos como prova de que o Executivo está trabalhando em prol do crescimento econômico e da geração de emprego. Mas o atraso do Brasil em relação aos nossos principais concorrentes, como Estados Unidos, Canadá, Índia, Argentina, China e México mostra que os resultados são pífios relativamente ao que é necessário simplesmente para mantermo-nos no mesmo nível de antes de 2001. Será em vez de todo esse ativismo marqueteiro não seria mais recomendável o governo federal despender tempo fazendo uma avaliação detalhada sobre o que deu errado? Será que não seria melhor um trabalho de formiguinha que investisse na capacitação de funcionários públicos para que os projetos sejam elaborados de maneira correta, para que as licitações sigam o protocolo legal, para que as estimativas de custos sejam realistas? Será que tal trabalho pouco visível não traria mais resultados em termos de diminuição de atrasos, erros e paralisações que acabam custando fortunas? Será que não valeria a pena nossas autoridades gastarem alguns anos nisso, preparando o terreno para que houvesse mais certeza sobre o que e como deve ser feito e a qual preço? Ó não, isso é pedir demais. Gastar tempo em atividades que não produzirão factóides como inaugurações, colocação da pedra fundamental e fotos de autoridades sorrindo de capacete e macacão não é a maneira mais eficaz de atuar por parte de políticos que precisam mostrar ao público as mágicas de que são capazes para se elegerem.

    Prezados leitores, enquanto vivermos em um sistema político que premia a atuação estúpida e ativa no domínio público e inteligente e preguiçosa na defesa dos interesses mesquinhos dos nossos legítimos representantes temo que não avançaremos no ritmo de que precisamos para recuperarmos tudo o que perdemos na década de 80 e que corremos o risco de perder nesta segunda década do século XXI. A mudança de duração do mandato de cargos eletivos, a mudança nas regras de imputabilidade penal, o lançamento de programas de governo em série em ritmo de pastelaria, tudo isso será uma corrida frenética e insensata que nos fará espatifarmo-no muro de proteção. Talvez seja o caso de irmos descendo a ladeira devagarinho, medindo os passos para que consigamos chegar ao nosso destino com o balde d’água intacto na cabeça.

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E pur si muove

É uma luta de visões sobre quem vai governar o futebol mundial. Existem alguns na Europa Ocidental que pensam que, por ter a Liga dos Campeões, por ter os melhores jogadores do mundo, isso os [sic] dá uma espécie de direito divino de controlar o futebol mundial. Mas o futebol não pertence mais à Europa.

Jerome Champagne, ex-alto funcionário da FIFA em entrevista dada ao Estado em 7 de junho intitulada “Os Europeus querem voltar a controlar o futebol mundial”

Como muitos outros da elite britânica, ele contenta-se em satisfazer as necessidades das elites muito mais ricas da Rússia e da Ásia; em ser membro de uma classe de serviçais em vez de uma classe produtora. […] O círculo do centro de Londres no qual somente os mais ricos podem morar crescerá cada vez mais, e a outrora grande, diligente e criativa metrópole de Londres tornar-se-á aquilo que o guia Spear’s 500 quer que ela se torne: uma Mônaco sem o sol.

Trecho do artigo intitulado “Serviçais dos super ricos”, de Nick Cohen, publicado em 16 de maio na revista Spectator sobre os banqueiros, gestores de investimento, advogados e especialistas em segurança que atendem os plutocratas cujas atividades contribuem 3.2 bilhões de libras ao PIB do Reino Unido

    Prezados leitores, entre os livros que adquiri nas minhas férias está a biografia de Maria Antonieta, de Antonia Frazer. A rainha da França no tempo da Revolução foi um típico bode expiatório, isto é, serviu para expiar as culpas de séculos e séculos de injustiças que existiram antes e depois dela. Na realidade ela não era muito melhor ou pior do que a média das mulheres da sua classe social, mas passou à história como lésbica, pedófila (em seu julgamento foi acusada de manter relações sexuais com o filho), perdulária e insensível ao sofrimento do povo, a ela atribuindo-se erroneamente a frase: se eles não têm pão que comam brioches. Em muitos aspectos ela foi grandemente injustiçada, porque praticava muita caridade e não era alienada ocmo a pintavam os satiristas, mas teve o azar de estar no momneto errado no lugar errado, pois os franceses precisavam acertar contas com o passado feudal e tal acerto passava por um total rompimento com o passado. Não admira que Maria Antonieta tenha sido guilotinada por crimes que nunca cometeu: a punição era à rainha como um símbolo, muito mais do que à rainha como indivíduo.

    Eu sempre desconfio de um processo coletivo de imolação quando temos uma unanimidade de todos, direita, esquerda e centro em favor de algo. Falo do caso FIFA e de Joseph Blatter novamente, porque acho que devo esclarecer minha posição de maneira melhor do que o fiz há sete dias. Ao longo da semana pulularam denúncias contra o ex-presidente do órgão que controla o futebol mundial: um “cala-boca” pago à Federação de Futebol da Irlanda pela desclassificação do país da Copa do Mundo de 2014 devido ao gol de mão do jogador francês, propina paga a membros da FIFA para escolherem a África do Sul como sede, e no jornal Le Monde de 7 de junho há a informação de que o processo de atribuição em dezembro de 2010 das Copas do Mundo na Rússia e no Qatar em 2018 e 2022, respectivamente, estão na mira da justiça americana. O título da reportagem é: “Escândalo na FIFA, a Rússia e o Qatar podem perder a Copa do Mundo”.

    É neste ponto que queria chegar. Sobre o alcance internacional que a Justiça dos Estados Unidos dá a si mesma, independentemente da anuência ou não dos outros países do mundo, já falei antes. Não estou aqui a dizer que toda essa investigação americana é uma mentira, um bando de calúnias, claro que não, muita sujeira está vindo à tona e virá à tona. Afinal, o futebol é feito a partir de uma combinação perniciosa de elementos: a paixão das massas, que se interessam muito mais por quem vai ganhar o campeonato do que por quem vai ganhar as eleições em seu país, o potencial para a lavagem de dinheiro por meio da inflação de ativos, representada pelas transferências milionárias das estrelas do futebol, e a atuação de empreiteiras na construção das tais das arenas, que em todos os lugares acabam transformando-se em elefantes brancos a que os defensores da Copa chamam de legado.

    Não admira, portanto, que haja o conluio de empresários, políticos e dirigentes de futebol para usar as emoções do povo para seu proveito. A minha desconfiança em relação a essa investigação é a respeito dos motivos que estão por trás dela. Tais motivos revelam-se pela quantidade de gente que de repente começa a sair do anonimato para revelar os desmandos do futebol. Por que agora encheram-se de coragem todos juntos? Porque de repente Sepp Blatter está apanhando mais do que boi ladrão, como dizemos no Brasil? Será que devemos nos regozijar inteiramente com esse furor americano de revelar as entranhas corruptas do futebol?

    Como deu a entender Jerome Champagne em sua entrevista, toda essa unanimidade em torno da condenação de Blatter à fogueira, todo esse discurso uníssono de indignação moral, escamatoeia uma luta de poder em que europeus querem manter seu controle sobre o futebol por meio da UEFA . Eu adicionaria um outro fator, que tem a ver com as movimentações na geopolítica mundial e que Jerome não menciona porque atem-se ao domínio esportivo. Aos americanos interessa macular a credibilidade da FIFA e dos seus mecanismos de escolha para melar a Copa do Mundo na Rússia e isolar o país ainda mais, já sujeito às sanções econômicas da União Europeia. Não peço que acreditem em minha teoria conspiratória, ela pode ser simplesmente uma elocubração insana, um anti-americanismo infantil, como diria a VEJA, mas essa conjugação de esforços simultâneos para mostrar os esquemas da FIFA e de Joseph Blatter, o homem que flerta com países fora do eixo ocidental, parece ter um objetivo ulterior para o qual o desmanche da organização mundial do futebol, se é que vai haver, é apenas um instrumento.

    Há muitas coisas desenrolando-se no mundo que estão escapando ao controle ocidental. Como mostra a crise da dívida na Grécia, o FMI foi usado acintosamente pelo ex-presidente Dominique Strauss Kahn para ajudar os credores europeus e salvar o euro. Na semana passada o primeiro-ministro da Grécia acusou o FMI de estar em conluio com o Banco Central Europeu e os bancos privados credores para impor um plano de austeridade que só fez piorar a situação da economia grega e cujo único objetivo era assegurar o pagamento da dívida a qualquer custo, ao ponto em que agora a Grécia deve 180% do seu PIB. O que fará Alexis Tsipras se o FMI insistir em condições draconianas (aumento de impostos e corte de benefícios sociais) para rolar a dívida? Concordará em enfiar o ajuste goela abaixo da população ou procurará ajuda alhures? Decidirá retirar o país da zona do euro e orbitar em torno da Rússia, cujo presidente encontrou logo depois de tomar posse? Os BRICS já perceberam há muito que o FMI protege os interesses ocidentais, tentaram mudar o regime de cotas, houve resistência. A China assumiu a liderança na revolta e criou um banco asiático para investimentos em infraestrutura, propondo ainda a criação de uma alternativa ao FMI que ainda não saiu do papel.

    Em suma, o mundo gira, como mostrou Galileu, e as estruturas de poder tem seu apogeu e ocaso. Estamos em uma fase de transição, em que os tradicionais reis da cocada preta querem manter tudo como está, enquanto novos atores surgem exigindo espaço. A FIFA atualmente é o palco das disputas, mas a depender do desenlace do imbróglio grego poderá no futuro próximo ser o FMI e suas medidas de austeridade que curam a doença matando o doente ou o Banco Mundial e suas prioridades de investimento. Veremos. Enquanto isso, tenhamos em mente que em toda indignação moral há uma ponta de despeito. Isso nos permite ter uma visão mais equilibrada das coisas.

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Que esquerda, que direita?

É de suma importância que o povo francês saiba a respeito do conteúdo do Acordo Transpacífico e suas motivações para ser capaz de lutar contra ele. Porque nossos compatriotas devem decidir sobre seu futuro, porque eles devem impor um modelo de sociedade que lhes seja adaptado, e não um modelo forçado pelas empresas multinacionais sedentas de lucros. Os tecnocratas de Bruxelas comprados pelos lobbies e os políticos da UMP [o partido do ex-presidente Sarkozy] que são subservientes a esses tecnocratas.

Pronunciamento de Marine Le Pen, líder da extrema-direita francesa, sobre o que promete ser o maior bloco comercial do planeta, reunindo Estados Unidos, Canadá, México, Japão, Vietnã, Cingapura, Brunei, Malásia, Austrália, Nova Zelândia, Peru e Chile.

Benjamin Nétanyahou respira melhor. Israel teve um alívio, graças à anulação no último minuto da votação, durante o Congresso da FIFA no dia 29 de maio, da suspensão da federação israelense de futebol. O primeiro-ministro temia um efeito dominó, no seio de outras instâncias, no caso do sucesso dessa manobra “provocadora”. Mas, de acordo com suas próprias palavras, não é mais do que a primeira pedra de um longo caminho. “Não há nenhuma justificativa para a campanha de deslegitimização lançada contra o Estado de Israel, que consiste em tentar suspender-nos das organizações internacionais”, garantiu Nétanyahou, no domingo, durante o conselho de ministros.

Trecho de artigo publicado na edição eletrônica do jornal Le Monde de 1 de junho, intitulado “Nétanyahou denuncia uma campanha contra Israel”

    Prezados leitores, nos últimos dias tentei colocar minha leitura de jornais em dia, depois de um mês de férias. Para isso li a edição dominical do O Globo que um jornaleiro guardou para mim ao longo de cinco semanas. Uma das coisas que chamou minha atenção foi um questionário para a identificação do perfil ideológico da pessoa de acordo com suas ideias sobre violência e defesa do cidadão, combate à pobreza, cotas nas universidades, direitos trabalhistas, tributos, pena de morte, migração, movimento sindical, redução da maioridade penal e homossexualismo. De acordo com minhas respostas sou de centro-direita, mas tal classificação não me satisfez. Não porque tenha vergonha de assumir minhas posições. Caso tivesse eu não escreveria artigos semanais neste meu humilde espaço,, mas porque acho que em nosso mundo globalizado as posições estão muito confusas. Tentarei explicar-me.

    Não nego que diante de um caso como o do adolescente de 16 anos suspeito de matar um médico na Lagoa, no Rio de Janeiro, a facadas, não consigo concordar com aqueles que enfatizam o mal social, a falta de atenção da família e do Estado para explicar a crueldade do homicida que esfaqueou Jaime Gold pelas costas. No final das contas, isso torna o adolescente uma vítima da sociedade, que não deve ser responsabilizada pelo que fez de maneira integral. Fazer dele um coitado tira o mérito de pessoas pobres que enfrentaram as mesmas dificuldades que esse moço enfrentou e que no entanto não têm 15 passagens pela polícia como o presumido assassino tem. E na minha opinião é preciso fazer diferenciações entre as pessoas que prejudicam o convívio social e aquelas que contribuem para a vida em sociedade, do contrário chegaremos a uma situação em que tudo é desculpável por ser explicável e cairemos na anomia social de que falava Émile Durkheim, se é que já não estamos nela: se não conseguimos distinguir claramente entre aquele que trilha o caminho correto e aquele que trilha o caminho errado, se relativizamos tudo com explicações sociológicas, antropológicas e médicas como estabelecer valores para formar as gerações futuras?

    Portanto, não há dúvida de que sou mais da turma da linha dura com os bandidos do que da turma daqueles que acreditam no ideal iluminista de que a educação resolve tudo, como se não houvesse seres humanos imunes a qualquer tentativa de aprimoramento. Por outro lado, eu não compactuo com a maioria das posições econômicas consideradas de direita no Brasil, mas que lá fora podem ser de direita ou de esquerda, a depender do país. Um assunto hoje envolto em grande polêmica é o tratado comercial que está sendo negociado secretamente por um bloco de países que reúne 40% do PIB mundial e tem 793 milhões de consumidores, de acordo com o portal do O Globo.

    Está aí algo perigossíssimo, cujo objetivo é passar por cima das regras arduamente negociadas no seio da Organização Mundial do Comércio, na qual os Estados Unidos não têm a predominância absoluta que gostaria de ter, e estabelecer a supremacia de um tratado internacional sobre as leis e o Judiciário dos países. Se o TTIP for aprovado, as empresas multinacionais terão mais condições ainda de enfrentar governos soberanos de igual para igual e poderão resolver suas pendências em matéria trabalhista, ambiental e financeira de maneira rápida e inapelável em câmaras de arbitragem reduzindo direitos humanos e danos ecológicos a uma mera questão de aplicação de normas de liberalização do comércio. No Brasil, muitos doutos economistas lamentam o fato de estarmos de fora desse acordo e preferirmos a companhia de bolivarianos e outros pobrecitos da América do Sul. Pois bem, considero que nesse sentido seria muito mais fácil que num governo do PSDB aderíssemos a um tratado sinistro como esse, que vem empacotado como incentivo ao crescimento econômico global. Paradoxalmente, apesar de no Brasil ser contra o TTIP seja considerado ser de esquerda, na Europa o único líder político que está denunciando as implicações dessa carta branca à atuação das multinacionais é Marine Le Pen, que está à direita da direita tradicional na França, representada no país pelos gaullistas, e cuja principal bandeira é a resistência à União Europeia.

    Aliás, a respeito da tendência americana de querer impor suas leis a todo mundo, verificada na sua liderança das negociações do TTIP, considero-me igualmente mais inclinada a alinhar-me com a esquerda que denuncia essas ingerências americanas. Esse embroglio da FIFA é exemplar nesse sentido. Os Estados Unidos deram-se o direito de prender cartolas na Suíça porque um tribunal seu considerou em 2014 que a lei de combate a organizações criminosas de 1970 pode ser aplicada fora do país, desde que estruturas americanas sejam usadas para cometer ilícitos. Não estou aqui a defender José Maria Marin, Joseph Blatter, Ricardo Teixeira e outros que têm ganhado rios de dinheiro explorando o futebol. Mas como o próprio Blatter disse em entrevista A RTS, a TV pública suíça, essa indignação moral americana com os desmandos do futebol vem exatamente depois de os Estados Unidos terem perdido a disputa da sede da Copa de 2022. As prisões aconteceram um dia antes de uma votação em que Israel poderia ter sido suspenso das instâncias internacionais do futebol pelas graves violações de direitos humanos na Faixa de Gaza. E como sabemos, Israel e Estados Unidos são unha e carne. Em suma, esse afã de moralizar o futebol parece ser motivado pelo despeito dos perdedores e para criar uma cortina de fumaça em um dia em que Israel poderia ter se tornado um pária como foi outrora a África do Sul do apartheid. Mas claro que no Brasil a luta contra os desmandos no futebol, por mais que José Maria Marin e os outros presos sirvam como bodes expiatórios, será defendida tanto pela Veja quanto pela Carta Capital.

    Em suma leitores, posso até ser de centro-direita, mas non troppo. Em um mundo em que socialistas juntam-se a capitalistas para impor goela abaixo do povo estruturas transnacionais que não respondem a ninguém além delas mesmas, como a União Europeia e o TTIP, fica difícil estabelecer muito bem as fronteiras políticas. Fica a pergunta: o que é ser de direita e o que é ser de esquerda na nossa aldeia global?

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The Winner Takes it All

The winner takes it all
The loser has to fall
It’s simple and it’s plain
Why should I complain?

Trecho da letra da música “The Winner Takes it All”, do grupo Abba

O mensalão era a única forma de governar o Brasil

Palavras de Lula ao ex-presidente uruguaio José Mujica de acordo com os jornalistas Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz, autores do livro Uma ovelha negra no poder

     Prezados leitores, houve eleições na quinta-feira passada, dia 7 de maio na Grã Bretanha. Não há feriado, é um dia normal de trabalho e a única diferença perceptível é que há sinais em certos locais indicando ser ali local de votação. Afinal, o voto é facultativo, portanto não faz sentido que as pessoas parem suas atividades, como acontece no Brasil. O motivo de eu abordar as eleições não é para elogiar o fato de que o cidadão pode escolher votar ou não, ao contrário da obrigatoriedade de exercer nosso direito a que nós brasileiros estamos submetidos. O que chamou minha atenção foi o sistema de votação deles, que chamam de first-past-the post e a que denominarei para tropicalizar, Ao vencedor as batatas, o que chega primeiro leva tudo.

     Nessas últimas eleições isso significou na prática que os Conservadores mantiveram-se no poder porque foram os primeiros e derrotaram os Trabalhistas, apesar das previsões das pesquisas de opinião de que nenhum dos partidos conseguiria obter a maioria. Esse sistema de first-past-the-post fica claro quando analisamos os números. Os tories obtiveram 36,9% dos votos, o que lhes deu 331 cadeiras, o Partido Trabalhista obteve 30,4% dos votos, o que lhes deu 232 cadeiras, o Partido Nacionalista Escocês obteve 4,7% dos votos, o que lhes deu 56 cadeiras no Parlamento, os Liberais Democratas obtiveram 7,9% dos votos, conseguindo colocar oito representantes no Parlamento e o Partido Verde obteve 3,8% dos votos, elegendo 1 MP, como eles chamam. Agora aqui vem o dado espantoso: o UKIP, o partido polêmico que quer o Reino Unido fora da União Europeia e prega a imposição de limites à imigração, obteve 12,6% dos votos, muito mais do que todos os outros partidos pequenos e sabe quantos representantes terão em Westminster? Um único! 4 milhões de pessoas votaram no UKIP, ao passo que menos da metade desse número votou no SNP que quer a independência da Escócia, e no entanto estes ficaram com 56 das 59 vagas para aquele país no Parlamento do Reino Unido.

     Em suma, tal sistema faz com que os dois grandes partidos, que coincidentemente são o azul e o vermelho como no Brasil temos os tucanos e os petistas, fiquem com 87% das cadeiras tendo angariado somente dois terços dos votos. Digo somente porque em comparação com o desempenho deles na década de 1950, quando conseguiam mais de 95% dos votos, eles vêm tornando-se menos representativos a cada eleição que passa. É claro que essa pouca representatividade foi duramente criticada nas eleições, especialmente por aqueles que perderam. Hoje li um artigo no jornal em que a autora dizia que tal sistema está ultrapassado porque reflete um Reino Unido que votava de acordo com divisões de classe entre trabalhadores e capitalistas. Hoje, a sociedade está muito mais diferenciada e as pessoas querem ter mais opções de escolha política.

    Diante dos números acima, como negar que os britânicos estão sendo representados de maneira no mínimo distorcida e para os mais exaltados totalmente não democrática? Só que há um motivo por trás desse sistema que dá ao vencedor as batatas, que é muito legítimo e o motivo pelo qual estou aqui falando dele. Ele permite a formação de uma maioria no parlamento que forma um governo. A tal da corrida de cavalo entre conservadores e trabalhistas leva muitas vezes os eleitores a votarem útil para livrarem-se de um candidato, o que muitas pessoas que simpatizavam com as propostas do partido de Nigel Farage, o UKIP, fizeram, votando nos conservadores para evitar um governo de esquerda chefiado por Ed Miliband considerado muito radical porque queria, entre outras coisas, aumentar o imposto sobre imóveis a partir de uma determinado valor. Por outro lado, permite que haja um claro vencedor ao final, que terá força para executar determinadas políticas pois há votos garantidos pela maioria formada pela representação distorcida.

     Prezados leitores, há algumas semanas eu propus que copiássemos o modelo de Cingapura que pune com eficiência a delinquência juvenil como uma tentativa de coibir o cometimento de crimes mais graves por adolescentes e jovens no Brasil. Fiz essa proposta colocando as devidas ressalvas sobre as diferenças culturais, geográficas e econômicas entre uma cidade-Estado e um país de dimensões continentais. Repetirei a dose agora em relação a esse sistema de representação britânico e da mesma forma colocarei minha pitada de sal. O fato é que o Brasil tem 32 partidos atualmente, número que continua aumentando a cada novo recolhimento e validação de assinaturas pelo STF, prevendo-se que cheguem a 73.

      O resultado é que embora todas as opiniões, ou falta delas, tenham a possibilidade de encontrarem expressão no nosso Congresso, isso leva o ato de governar a ser um ato primordialmente de negociar, barganhar, criar ministérios e secretarias para ter cartas na mesa do pôquer de Brasília, esperar quem vai pagar para ver, quem vai blefar, quem vai jogar a toalha ou virar a mesa e sair bufando, com raiva de ter perdido. Vemos essa pantomima ocorrer no Brasil diariamente, as marchas e contramarchas do presidente para garantir apoio a seus projetos. Não chegarei a falar que o Lula ou o Fernando Henrique ou a Dilma são vítimas desse sistema do é dando que se recebe, porque afinal quando se elegeram sabiam quais as regras do jogo e as aceitaram e praticaram, cada um a seu modo. Mas não há como negar que a margem de manobra do Presidente da República Federativa do Brasil é muito pequena. Estamos em uma sinuca de bico, em que temos um sistema que dá muitas atribuições legislativas à União, em termos das áreas sobre as quais ela tem responsabilidade (29, para ser extaa, de acordo com o artigo 22 da Constituição) e ao mesmo tempo estabelece todo o trâmite de análise e aprovação de projetos de lei pelo Congresso, Congresso este que historicamente tem muito pouca iniciativa em termos de propostas. Copiamos o presidencialismo dos Estados Unidos, mas nos Estados Unidos o governo é muitíssimo mais descentralizado do que aqui, e o presidente acaba tendo como atribuição principal a política externa.

     Por isso é que contra o mensalão, petrolão e compras de votos proponho um parlamentarismo nos moldes britânicos, em que a representatividade é sacrificada em certa medida em prol da formação de uma sólida maioria e por tabela de um governo forte. Sei que é uma proposta que nunca será aceita, porque nossa democracia ainda é muito tenra, ao contrário da inglesa, cujo parlamentarismo está em vigor no mínimo desde 1688. Falar em calar a voz dos nanicos no Brasil seria um blasfêmia quando há pouco mais de 30 anos nem grandes nem pequenos partidos podiam se manifestar plenamente. No entanto, fica aqui registrada minha proposta para colocarmos um pouco de ordem neste templo cheio de vendilhões.

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