Quem se responsabiliza?

A inteligência artificial chegou a um ponto em que o emprego de tais sistemas será, materialmente se não legalmente, factível daqui a alguns anos, e não décadas, e o que está em jogo é importante: as armas autônomas foram descritas como a terceira revolução das técnicas bélicas, depois da pólvora e das armas nucleares

Carta aberta publicada em 27 de julho na Conferência Internacional sobre Inteligência Artificial que está sendo realizada em Buenos Aires de 25 a 31 de julho

    Prezados leitores, o ponto de inflexão parece ter chegado: os robôs tornaram-se capazes de pensar por si próprios! Não descerei a detalhes maçantes, mesmo porque tecnologia não é o meu forte, mas o fato é que inventaram um tal de deep learning baseado em conexões neurais, quepermitem aos robôs serem muito mais do que aquilo que os engenheiros programam, permitem que eles aprendam sozinhos, sem a ajuda de ninguém, só com a aajuda dos cálculos em que são muito mais rápidos e eficientes do que qualquer ser humano.

    A preocupação externada pelos signatários da carta, entre os quais o co-fundador da Apple, Steve Wozniak, o linguista americano Noam Chomsky e o astrofísico britânico Stephen Hawking, é que um robô que consiga reconhecer imagens e vozes possa transformar-se em arma de guerra capaz de selecionar e combater os alvos militares sem a intervenção humana, evitando a morte de soldados que teriam que ser mandados a campo. Tal capacidade letal cxoloca um dilema moral inédito para nós os inventores dessas máquinas: quem assumirá a responsabilidade pelas decisões tomadas pelas armas autônomas? De fato, usar esse termo não é exagero considerando que os robôs optarão por um modo de ação com base naquilo que conseguiram aprender pela análise dos dados proporcionada pelas tais das conexões neurais. Assim, nada mais natural do que perguntar: quando os robôs matarem a quem será imputada a culpa? Aos seus fabricantes? Aos seus utilizadores? Ou a ninguém, já que o agente é inimputável, porque não pode ser classificado como ser humano?

    Infelizmente, o problema do “quem se responsabiliza”não é algo novo, trazido pelos avanços da inteligência artificial, ele está cada vez mais posto na nossa sociedade sem que haja uma resposta clara, para infelicidade de todos. Vou dar-lhes alguns exemplos. Outro dia, conversando com uma amiga que é professora em uma escola de elite de São Paulo, contava-me spbre a celeuma causada por uma atividade desenvolvida pelos professores, que consistiu em organziar uma exposição com fotos dos alunos, que tinham a liberdade de esclher o tema e assim dar vazão a sua criatividade. Pois bem, muitos dos adolescentes tiraram fotos digamos despudoradas, em que as meninas mostravam seu sutiã, e claro as obras de arte foram publicadas na internet, o que causou um escândalo. A escola achou por bem convocar uma reunião para prestar esclarecimentos aos pais que caíram matando, como se a culpa toda fosse do colégio que incentivou prtáticas libertinas. Ora, de quem é a responsabilidade de ensinar boas maneiras aos adolescentes? Ao que consta, a tarefa de ensinar o que é certo e o que é errado, o que decoroso e o que é indecoroso é tarefa dos pais, que num mundo ideal, onde as famílias exercessem um papel importante,

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Apocalipse quando?

A revolução do fraqueamento não somente ajudou a estimular uma queda impressionante nos preços globais da gasolina, mas está diminuindo a influência da OPEP sobre os Estados Unidos e e o déficit comercial do país. Em novembro, os Estados Unidos importaram o menor número de barris de petróleo desde fevereiro de 2004, declarou o Gabinete de Análises Econômicas de Washington na quarta-feira. E as importações de países membros da OPEP caíram ao nível mais baixo desde 2009.

Notícia publicada no site de notícias Market Watch em 7 de janeiro de 2015

“Caso a Bolívia explore seus 1,5 trilhões de metros cúbicos de gás de xisto, 242 bilhões de litros de água serão contaminados para sempre e 2,6 bilhões de toneladas de gás carbônico serão emitidas, contribuindo para as mudanças climáticas”, afirma a Declaração contra o Fraqueamento na Bolívia.

Trecho do artigo “A Bolívia vai fraquear a Mãe Terra” publicado no jornal britânico The Guardian em 24 de fevereiro de 2015 sobre os planos do governo de Evo Morales de exploração do gás de xisto para incentivar a industrialização do país

    Prezados leitores, nunca fui uma ambientalista de primeira viagem e sempre achei que comportar-se de maneira ecologicamente correta é apenas uma maneira de a pessoa dar-se ares de superioridade moral. Porque no final das contas, comprar vegetais orgânicos, artigos feitos com material reciclável e não comer carne não vão diminuir o nível de consumo de recursos naturais, apenas criam um nicho específico de mercado que satisfaz as necessidades de um grupo de pessoas que querem usufruir dos mesmos confortos dos não ecológicos, mas de uma maneira que lhes apazigue a consciência. Neste quesito de meio ambiente, sigo o preceito católico de considerar todos pecadores, inclusive eu, que acho um horror ver pessoas viajando para os Estados Unidos com o único objetivo de comprar coisas baratas.

    Por outro lado, não há como negar que por mais que os ambientalistas sejam muitas vezes uns eco-chatos, seria estúpido negar que nossa interferência na Pachamama está ficando cada vez mais visível, levando-nos a nos perguntar se já não passamos dos limites do tolerável por nossa mamãe terra. O caso do fraqueamento hidráulico é emblemático nesse sentido, porque está ocorrendo em um país de Primeiro Mundo, os Estados Unidos, em que teoricamente todas as partes envolvidas têm voz nas discussões sobre o que fazer.

    Para quem não sabe, o fraqueamento hidráulico é uma técnica que consiste na extração de gás de rochas porosas por meio da injeção de água misturada a produtos químicos. A indústria do fraqueamento permitiu ao Estado de Dakota do Norte registrar a menor taxa de desemprego dos Estados Unidos, um supéravit orçamentário de um bilhão de dólares e um PIB per capita 29% maior do que a média nacional, desde 2006. Mas há um lado negro neste quadro de pleno emprego e crescimento econômico, representado pelos efeitos ambientais da extração de gás por meio do fraqueamento. Esses efeitos estão sendo sentidos pelos pobres moradores da zona rural dos Estados americanos como Utah, Colorado, Wyoming e Pensilvânia, além claro de Dakota do Norte, que convivem com um barulho ensurdecedor e ininterrupto dos equipamentos utilizados pelas empresas de energia, com a liberação de gás metano que escapa pela torneira da cozinha, e principalmente pela contaminação dos lençóis freáticos tornando a água retirada de poços não potável. A luta desse moradores que viviam idilicamente no campo até terem sua paz perturbada pelos “fraqueiros” é particularmente difícil e até mesmo inglória, considerando que nos Estados Unidos o subsolo é propriedade privada, do dono do terreno e não propriedade pública, como ocorre no Brasil, por exemplo. Assim, a exploração torna-se mais ou menos uma corrida do ouro que não precisa ser alvo de concessão, autorização ou qualquer restrição por parte do poder público.

    Os dilemas ambientais colocam-se de maneira clara nessa luta. Afinal, o que é mais importante para os Estados Unidos, garantir sua independência energética no futuro próximo ou garantir suas reservas de água? Até que ponto o fraqueamento significa o desperdício de um recurso precioso em um país que já sofre de estresse hídrico em Estados como a Califórnia? Até que ponto a riqueza criada pelo boom da exploração desse gás aprisionado nas rochas compensa a perda de recursos naturais? Por enquanto, os ganhadores têm mais influência que os perdedores, e as questões ambientais estão sendo minimizadas por aqueles que defendem que o processo é totalmente seguro.

    Dos Estados Unidos passo para a Bolívia, nosso vizinho pobre, sem acesso ao mar, cuja renda per capita em 2014 era de 6.200 dólares, ante os 54.800 dólares dos Estados Unidos. Se o dinheiro fala mais alto em um país rico como os Estados Unidos, o que dirá nos Andes, em que na semana passada houve protestos dos trabalhadores da região de Potosí que exigem investimentos na região para a criação de empregos. Como Evo Morales pode deixar de ver como tentadora a possibilidade de explorar o gás de xisto no país? O aumento do PIB e dos empregos aumentaria as receitas públicas e lhe permitiria proporcionar mais saúde e educação à população, garantindo-lhe popularidade para reeleger-se indefinidamente. Como exigir que líderes, mais ou menos democráticos, preocupem-se com os efeitos ambientais de longo prazo de atividades econômicas quando sua preocupação cotidiana é a de mostrar resultados para tornarem-se elegíveis ou ao menos tolerados?

    O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao Brasil e aos projetos de hidrelétricas na região amazônica. Belo Monte está 75% pronta e seus efeitos ambientais já se fazem sentir nas populações ribeirinhas do rio Xingu, por conta do assoreamento do rio, da diminuição da produção pesqueira, da remoção de milhares de pessoas de suas casas para dar lugar à barragem. Por outro lado, temos uma situação no Brasil de falta de oferta de energia que fez com que a conta subisse 75% desde dezembro do ano passado no Sul Maravilha. Há maneiras de conciliar os interesses das partes, como querem fazer-nos crer os ambientalistas, pelo investimento em fontes alternativas de energia como o bagaço da cana, o sol e os ventos? Será que considerando nossa capacidade atual de gerenciamento, planejamento, honestidade e conhecimento técnico não é uma quimera acharmos que poderemos fazer algo melhor do que hidrelétricas faraônicas para minimizarmos os males infligidos a brasileiros que tradicionalmente nunca tiveram uma voz muito ativa nos destinos nacionais?

    Prezados leitores, para tentarmos resolver a questão do meio ambiente ou pelo menos fazer dele uma preocupação social onipresente, seria preciso que tivéssemos um tal nível de coesão social que conseguiríamos acomodar os diferentes interesses pelas concessões recíprocas. Em um mundo cada vez mais tecnológico e cada vez mais individualista, essa visão do todo está cada vez mais difícil, mesmo nos países desenvolvidos. No final das contas, Pachamama vai resolver ela própria o problema, seja causando uma diminuição considerável da presença humana na Terra por alguma catástrofe natural, seja de forma radical, causando a extinção do homo sapiens. O apocalipse está aí, ao menos para as populações mais vulneráveis, só não sabemos quando.

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A dívida contra-ataca

Seguindo o historiador Norberto Galasso, damos conta dos feitos, sucessos e processos que fizeram do endividamento público um verdadeiro compêndio do que não deve ser feito, se o que se busca é a felicidade do povo e a grandeza da Nação. Porque em torno dessa dívida configurou-se um modelo baseado na fraude, na corrupção e no delito econômico constantes, que postergaram o bem-estar da maioria e a justa aspiração a um desenvolvimento autônomo, equitativo e em paz.

Trecho escrito por Federico Saraiva da introdução à história em quadrinhos “Em Dívida Dois – Os Impérios Contra-atacam, Um Desenho Argentino” publicada pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires

Primeiro desarmar essa bomba fiscal, que é ótima, a gente gerou um processo inclusivo espetacular neste País (com os gastos sociais), mas está na hora de olhar os programas sob a ótica de atender a quem de fato precisa. Essa discussão está bem antes do investimento público. Não conte com ele nos próximos vinte anos.

Trecho de entrevista dada por Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre FGV dada ao jornal O Estado de São Paulo em 12 de julho

As parcerias público-privadas podem ser vistas como outra forma de livrar-se de dívidas – e o preço amargo será pago pela próxima geração de cidadãos.

Peter Waldorff, secretário-geral da Federação Global de Sindicatos Public Services International

    Prezados leitores, há uma atração turística em Buenos Aires que não está nos guias, mas que abordo nesta semana porque impressionou-me muito quando lá estive em 2012. Chama-se Museo de la Deuda Externa (Museu da Dívida Externa) que não passa de uma sala no campus da Universidade de Buenos Aires com vários painéis explicativos contendo a história da dívida argentina desde as negociações com os banqueiros Baring Brothers em 1824 até a época atual. Como presente pela visita recebemos uma história em quadrinhos, cujos personagens incluem José Alfredo Martinéz de Hoz e Domingo Felipe Cavallo, para ficar somente naqueles que me eram mais ou menos conhecidos, levando em consideração que enquanto estive sentada nos bancos escolares ouvi muito pouco sobre a história dos hermanos.

    Muitos reparos podem ser feitos ao modo como esse drama é relatado, pois de um lado há os mocinhos que lutaram pelo desenvolvimento da Argentina como nação soberana, e os bandidos, que sempre estiveram dispostos a entregar o país de bandeja aos gringos contraindo empréstimos no exterior. Não há como negar, entretanto, que uma iniciativa como essa de explicar como a dívida foi criada ao longo da vida independente da Argentina toca em questões fundamentais cujos efeitos são sentidos diariamente pela população, como enfatizou Federico Saraiva em sua exposição de motivos sobre o porquê da preparação da cartilha.

    Infelizmente no Brasil não tenho conhecimento de alguma instituição acadêmica ter problematizado o assunto dívida para chamar a atenção dos cidadãos. O resultado é que mesmo nossas cabeças pensantes consideram certas coisas naturais, fatos que não podem ser mudados porque estão aí, pedindo providências. Não pude deixar de pensar nos bandidos de “Deuda 2, Los Imperios Contraatacan” ao ler a entrevista deste Doutor em Economia pela FGV e pós-doutor pela Universidade da Pensilvânia citado acima que propõe uma fórmula mágica para desatar o nó da infraestrutura “vexatória” do Brasil. A fórmula é fazer das agências reguladoras meras fiscalizadoras e deixar a elaboração das regras de investimentos a cargo dos ministérios para que não haja ingerências políticas, corrupção e assim o tal do marco regulatório possa ser claro e garantir a segurança para os investidores.

    Não vou aqui discutir se a ideia dele é boa ou ruim, pois não tenho capacidade técnica de fazê-lo. A única agência reguladora com a qual tive contato em meus 43 anos de vida foi a ANATEL, que acionei quando tive que cancelar o celular da minha finada mãe, pois a operadora fazia corpo mole. Seria temerário eu dizer que todas elas são boas com base em minha experiência bem-sucedida com a reguladora da telefonia. O ponto sobre o qual quero chamar a atenção é Luiz Guilherme Schymura pressupor que não haverá investimento público nas próximas décadas porque o único dinheiro que vai sobrar no caixa do governo, depois de pagas as despesas fixas de pessoal, aposentadoria, custeio da máquina, é o dos programas sociais, intocáveis porque atendem uma parcela extremamente vulnerável da população.

    Ora, por que devemos aceitar isso como incontestável? Por acaso será porque sempre estaremos fazendo esforços hercúleos para gerar superávits primários e alocá-los para a amortização da dívida, sobrando nada para investimentos produtivos? Será que é razoável que nos conformemos com essa situação e possamos esperar que estabelecendo as sacrossantas regras claras, projetos bem definidos, resolvendo os pepinos ambientais e indígenas antes, os investidores acorrerão para financiar as tão necessárias obras de infraestrutura? Tenho lá minhas dúvidas, aliás confirmadas pelo próprio economista, que reconhece o papel que o BNDES tem desempenhado nos tais dos investimentos privados, feitos na prática de empréstimos de um órgão público. Não nos esqueçamos que a Copa de 2014 não teria acontecido sem o dinheiro da Viúva, como diz o jornalista Elio Gaspari, e o mesmo está ocorrendo com as Olimpíadas do ano que vem.

    Discutir a dívida seria um bom ponto de partida para falarmos sobre as PPPs que todos prometem ser a salvação da lavoura por tornarem a opção pelo tal do investimento privado ainda mais radical do que agora no regime das concessões tradicionais de serviços públicos. As PPPs foram bastante utilizadas no Reino Unido para projetos de estradas, ferrovias, pontes e túneis. Houve muitos resultados desastrosos, a começar pela PPP para o metrô de Londres, que gerou um custo aos cofres públicos de 410 milhões de libras esterlinas. As operações não foram interrompidas graças ao forte aumento do preço das viagens (para saber mais, consulte www.epsu.org). Se em um país de primeiro mundo há problemas, por que tantas cabeças coroadas no Brasil com diplomas e títulos tecem tantas loas a elas? Será que é por que estão na moda na Europa e nós seguimos nossa vocação de macaquitos?

    Prezados leitores, neste fim de semana Alexis Tsipras, o primeiro-ministro grego, aceitou leiloar a Grécia para pagar a dívida do país que chega a 170% do PIB, de acordo com as últimas estimativas. Um fundo de 50 bilhões de euros será constituído com o fruto da privatização de portos, aeroportos e ferrovias gregos, sendo que 75% dos recursos serão destinados a reestruturar os bancos gregos e ao serviço da dívida. Provavelmente não saberemos nunca os reais motivos de um líder que se diz de esquerda ter aceitado condições mais draconianas do que aquelas que seriam negociadas por um governo de direita. Medo de ser mais um tribuno da plebe assassinado? Ter ficado sem apoio de outros países europeus endividados, como Itália e Espanha? Terá sido o referendo uma mera cortina de fumaça de Tsipras? O fato é que se os gregos não forem às ruas e protestarem a dívida monstruosa cairá inteiramente no colo deles, mais do que já tem caído. Por isso, a lição da Argentina, que já deu vários calotes e continua aí bem ou mal virando-se como pode,°merece ser lembrada: quando a divída ataca o melhor é olhá-la de frente para perder o medo e impedir que ela nos devore.

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A Centelha e a Chama

O desenvolvimento significa que a personalidade ou civilização em crescimento tende a tornar-se seu próprio meio, seu próprio desafio e seu próprio campo de ação. Em outras palavras, o critério do desenvolvimento é um progresso na direção da autodeterminação. […] Se a autodeterminação é o critério do desenvolvimento e significa auto-articulação, podemos analisar o processo pelo qual as civilizações realmente crescem se investigarmos a maneira pela qual as civilizações se articulam progressivamente.

Trecho retirado do livro “Um Estudo da História”, de Arnold Toynbee historiador inglês (1889-1975).

A deusa contra a qual temos de batalhar não é Saeva Necessitas, com sua armadilha letal, senão apenas a probabilidade […] a qual poderá ser ignominiosamente derrotada pelo valor humano, dotado de armas mortais. […] As civilizações que já morreram não foram mortas pelo destino […]. A centelha divina do poder criador é o instinto dentro de nós mesmos; e se tivermos a graça de a transformar em chama, então “as estrela em suas órbitas” não poderão derrotar nossos esforços por atingira meta dos empreendimentos humanos.

Idem

Deixe a Grécia ir embora

Manchete do editorial de 20 de junho de 2015 da revista britânica Spectator defendendo a saída da Grécia da zona do euro

    Prezados leitores, é tentador, como eu mesma fiz neste espaço, comparar a trajetória do partido de esquerda do primeiro-ministro grego Alexis Tsipras e a trajetória do Partido dos Trabalhadores no Brasil que está no comando do país com Dilma Rousseff. Não vou aborrecer-lhes repetindo essas comparações, mesmo porque se é certo que a vitória do não no referendo de domingo, dia 5 de julho fortalece a posição do Syriza nas negociações com os credores europeus, nenhum dos membros do governo grego nega que tudo está para ser feito. Uma proposta de reescalonamento da dívida do país será colocada à mesa e deverá haver compromissos de parte a parte, em uma queda de braço que poderá durar dias ou semanas. Tanto Alexis Tsipras está consciente de que o mais difícil está por vir que aceitou desfazer-se do Ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, que renunciou na segunda-feira de manhã, num gesto de boa vontade para com os dirigentes da União Europeia que não suportavam o professor de economia de 54 anos.

    Portanto, fazer julgamentos de valor sobre uma esquerda autêntica e outra traidora das utopias é temerário e eu mesma faço um mea culpa. O fato é que tudo depende dos resultados concretos que serão obtidos, estabelecer uma direção prévia dos rumos positivos ou negativos é simplesmente imposssível. Como disse Júlio César ao cruzar o Rio Rubicão rumo à conquista da Gália, Alia jacta est. Mas tenho certeza que ao pronunciar essa frase, Júlio César, apesar de estar tão perplexo ante o futuro como qualquer ser humano normal estaria, sabia que desejava deixar sua marca no mundo e que faria tudo para conseguir, imbuído da centelha criadora de que fala Arnold Toynbee em sua tentativa de entender os caminhos da história.

    No final das contas, trata-se de abrir um caminho e fazer sua própria trilha. Os gregos precisam perguntar-se a si mesmos: vale a pena continuar fazendo parte do euro? Para que um país como a Grécia tenha a mesma moeda que um país como a Alemanha seria preciso que os meridionais tivessem mais ou menos a mesma capacidade de recolher impostos dos alemães, a mesma maneira de lidar com a corrupção, a mesma aplicação rigorosa do orçamento dos setentrionais. Será que os gregos algum dia vão confiar mais em si mesmos e no governo para não quererem sonegar impostos, para não desconfiarem uns dos outros e quererem levar vantagem nas suas relações? Vou dar-lhes um exemplo de como os gregos podem ser: tenho um amigo que contratou um engenheiro grego, que havia estudado na Inglaterra, para desenvolver uma ideia pagando-lhe salário, e o tal do George foi capaz de enrolá-lo durante meses fingindo que trabalhava enquanto curtia os euros enviados religiosamente pelo meu amigo setentrional que confiava que o seu contratado estava quebrando a cabeça para colocar sua ideia em prática.

    Arnold Toynbee depois de ter estudado o nascimento, desenvolvimento e morte das civilizações de 1934 a 1961 concluiu que desenvolvimento é a capacidade de auto-determinar-se, isto é de criar soluções próprias para desafios particulares. Uma vez que os gregos coletivamente respondam à pergunta sobre se um dia conseguirão ser tão eficientes, corretos e sérios como os alemães poderão responder sim ou não à pergunta se vale a pena continuar no euro. Se os sacrifícios forem maiores do que aquilo que são capazes de suportar, ou que acham justo suportar, talvez seja o caso tentar uma rota alternativa de inserção no cenário internacional. Quem sabe possam fazer como o Reino Unido e fazer parte da União Europeia, mas mantendo sua própria moeda? Ou então adotar o caminho suíço e manter apenas tratados de livre comércio com a Europa?

    Apesar das incertezas atuais, uma coisa pode ser dita, cabe aos gregos decidirem o que querem da vida. Muitos acusaram Alexis Tsipras de populismo por ter proposto um referendo em um prazo tão curto, sem ter havido tempo hábil para esclarecer a população, por ter insuflado os ânimos acusando os credores de serem chantagistas e quererem pilhar o berço da democracia. Ora, se quem vai pagar a conta dos empréstimos irresponsáveis à Grécia é o povo, na forma de estagflação, de desemprego, de piora da qualidade de vida, nada mais justo do que ser chamado a opinar sobre o que deve ser feito. Talvez o ponto positivo desse referendo tenha sido não tanto uma decisão sobre os rumos do país, afinal os detalhes sobre as condições de uma nova ajuda econômica serão decididos em Bruxelas, não em Atenas. O importante foi ter chamado a atenção para o fato de que como está não dá mais: há cinco anos os credores dão dinheiro à Grécia para que ela consiga rolar a dívida por mais tempo, não para que ela invista produtivamente. O resultado de 240 bilhões de dólares de socorro financeiro foi enfiar o país ainda mais no desemprego, que está em 27%, e na recessão econômica, com a economia tendo encolhido 25% desde 2010.

    Prezados leitores, finalizo dizendo que Tsipras terá cumprido seu papel se conseguir levar os gregos a uma reflexão sobre o que querem ser quando crescerem e o que estão dispostos a fazer para tanto. Querem ser bons meninos e obedecerem à rigorosa Madre Superiora Fraulein Angela Merkel que está cobrando os 400 milhões de euros devidos ao Commerzbank e os 298 milhões devidos ao Deutsche Bank? Querem jogar tudo para o alto e cair nos braços da Rússia, que pode desejar mostrar-se grata àqueles que lhe deram a Igreja Ortodoxa e o alfabeto cirílico? Só torço para que os gregos consigam transformar a centelha em chama.

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Me engana que eu gosto

[…] os designers de moda Dolce e Gabbana, agora vítimas de um boicote organizado depois de uma entrevista dada a um programa italiano em que Domenico Dolce disse que a procriação “deveria ser um ato de amor”. O siciliano de 56 anos pronunciou-se contra a inseminação artificial, afirmando: “Você nasce e tem um pai e uma mãe. Pelo menos deveria ser assim. É por isso que não estou convencido pelo que eu chamo de bebês químicos, sintéticos. São barrigas de aluguel, sêmen escolhido por catálogo. E depois você tem que explicar à criança quem é a mãe dela.” Quando perguntado se gostaria de ser pai, Dolce respondeu: “Eu sou gay. Eu não posso ter filhos. Não acredito que possamos ter tudo na vida.”

Trecho retirado do artigo “Católicos: cuidado com os boicotes” publicado na revista Catholic Herald de 20 de março de 2015

“Se puder salvar a União sem libertar nenhum escravo, farei isso. Se puder salvar a União libertando alguns e não tocando em outros, farei isso.” O que aconteceu é que no terceiro ano de sua administração, ele libertou todos os escravos nos estados que se haviam rebelado, mas manteve a escravatura nos estados fronteiriços que haviam permanecido leais à União.

Trecho do ensaio “Uma nota sobre Abraham Lincoln” de Gore Vidal (1925-2012), publicado em 8 de fevereiro de 1981

    Prezados leitores, nesta semana vou entrar em um campo minado, abordando dois assuntos já surrados de tanto serem explorados, mas que me causam muita indignação. Falo da acusação tão frequentemente lançada por muitos de homofobia e de racismo. Isso começou ao norte do Equador, mas por aqui chegou e veio para ficar. Não pretendo aqui mudar as convicções morais de ninguém, apenas realçar as premissas dos argumentos dos que lutam contra esses dois males para mostrar que não são tão neutros e objetivos como querem fazer crer.

    Nestas duas últimas semanas, quando desço a escada rolante do metrô tenho deparado-me com cartazes com declarações de celebridades, que atualmente ocupam o pael de formadores d eopinião que ocupavam os intelectuais franceses na década de 60. Todas elas denunciavam a homofobia como algo “demodê” e de acordo com Adriane Galisteu, a única personagem que eu conhecia, era “uma ignorância na acepção plena da palavra”. De fato, o discurso politicamente correto pelos direitos dos homossexuais sempre bate na mesma tecla, a de que tal postura é atual, reflete a modernidade. Tanto é assim que Elton John, cantor britânico que têm dois filhos fruto de inseminação artificial, liderou a ação de boicote dos dois sicilianos gays por meio da hashtag #BoycottDolceGabban declarando no Instagram que “O seu pensamento arcaico está fora de sintonia com os tempos, assim como a sua moda. Nunca mais vou usar roupas do Dolce e Gabanna.”

    Assim, veem-se dois gays que se atrevem a ter uma concepção religiosa da família e da concepção, serem tachados de antiquados. Agora pergunto: por que ater-se a determinados val,ores tradicionais é necessariamente ruim? por que devemos pressupor que tudo que é moderno é bom, que o mundo está sempre progredindo? Será que é um anátema pensar que há coisas louváveis na modernidade mas também coisas criticáveis? Por que os defensores dos direitos das minorias fazem questão de colocar no mesmo saco, como homofóbicos execráveis, aqueles que por problemas psicológicos sérios fazem dos gays bodes expiatórios e os atacam e matam, e aqueles que simplesmente são contra inseminação artificial, contra o casamento gay por cultivarem certos valores? O resultado é que pessoas decentes como Dolce e Gabanna que por sua carreira bem-sucedida até promovem a causa gay por mostrarem o talento dos homossexuais em determinadas áreas são ostracizados da mesma maneira que os que na Turquia jogam gás lacrimogêneo em participantes de uma parada gay, como ocorreu nesta segunda-feira.

    Condena-se assim pelas palavras pronunciadas por quem tem coragem de expor suas opiniões tão inapelávelmente quanto pelos atos de violência perpetrados covardemente contra homossexuais. Uma lástima que nossa sociedade não queira diferenciar entre uns e outros, mas algo que não surpreende,a final o objetivo aqui é simplesmente impor uma determinada visão de mundo mais moderna e portanto, melhor, o que não necessariamente contribuirá para uma mlehor convivência entre os diferentes na sociedade.

    Quanto ao racismo, ele esteve em voga recentemente nos Estados Unidos por um prisma trágico: o assassinato em 17 de junho de 2015 de nove negros na cidade de Charleston por Dylan Roof de 21 anos. Seria mais um caso de um louco que precisa de bodes expiatórios se não tivesse trazido consequências para pessoas que jamais pensariam em matar alguém. Por ter sido flagrado brandindo a bandeira dos Estados Confederados que em 1861 quiseram separar-se dos Estados Unidos da América isso levou a uma condenação da própria exibição da bandeira vermelha e preta como um símbolo de racismo. Os Estados de Virgínia e Maryland decidiram retirar o símbolo da bandeira das placas de carros e o Estado de Alabama retirou-a do capitólio. A Apple anunciou que tirará de linha jogos da Appstore que tenham a bandeira confederada, e Walmart, eBay, Seras, Target, Etsy e Amazon também a baniram.

    Na mesma linha do que aventei a respeito da homofobia, lanço as seguintes perguntas: por que considerar que toda pessoa que use a bandeira dos Estados americanos secessionistas porter orgulho de suas raízes seja tão digna de opróbio quanto um assassino? Será que ao colocar psicopatas e tradicionlaistas no mesmo saco dos racistas não há uma intenção subrrepitícia, qual seja a de impor a versão dos vencedores da Guerra Civil? O presidente americano Abraham Lincoln (1809-1865) ficou na história como o herói libertador dos escravos quando na verdade ele só o fez para enfraquecer os Estados do Sul e ganhar a guerra preservando assim a União. Lincoln era um homem do seu tempo e acalentou o projeto de mandar os escravos libertos de volta à África, porque considerava que a convivência entre pretos e brancos seria impossível.

    Nesse sentido, achar de racistas retrógrados todos os descendentes dos sulistas que morreram na guerra e que usam a bandeira confederada para honrar seus antepassados, sua cultura e seus valores próprios é uma maneira esperta de impor a versão edulcorada da história pela qual a vitória do Norte sobre o Sul preservou a União e deu direitos aos escravos, quando uma versão apócrifa coincidentemente partilhada por muitos sulistas, diz que desde o fim da Guerra Civil o poder federal só fez aumentar às custas da autonomia dos Estados o que viola a ideia original da Constituição dos Estados Unidos da América.

    Prezados leitores, num mundo pós-religioso o politicamente correto é a nova religião, com seus rituais de execração, suas proibições, seus papas e suas bruxas. Ela está sendo imposta goela abaixo a todos os recalcitrantes como algo progressivo e portanto necessariamente bom. Me engana que eu gosto.

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