Botando muita pressão

[…] Em 1845, [o Secretário das Relações Exteriores britânico] declarou que os navios negreiros brasileiros eram piratas e 400 foram capturados em cinco anos. Em 1850 a marinha britânica até entrou à força em portos brasileiros para capturar ou destruir centenas de navios usados para o tráfico de escravos — o que foi decisivo para forçar o Brasil, o maior comprador de escravos de todos, a acabar com a maior emigração forçada da história.

Trecho retirado do livro “The English and their History” do Professor de História na Universidade de Cambridge Robert Tombs

Para que o Brasil possa reconquistar credibilidade rapidamente, precisará do apoio da comunidade internacional. O Brasil não tem o equivalente institucional do Banco Central Europeu para fazer “o que for preciso” para manter acesso ao crédito a taxas de juros razoáveis enquanto realiza um ajuste fiscal e estrutural. O mais próximo disso que o país tem é o Fundo Monetário Internacional (FMI), com o qual deveria negociar um programa de ajuste. Tal programa deveria incluir um aumento no superávit primário para 2-3% do PIB no médio prazo, o corte das despesas governamentais (a carga tributária já está nas alturas), e a eliminação das regras de indexação que causam a extrema rigidez dos gastos. Além do mais, o Brasil teria que desvincular as receitas das despesas — uma característica do orçamento do país que torna difícil seu gerenciamento adequado em tempos difíceis. E teria que acabar gradualmente com os subsídios do Tesouro ao BNDES e aumentar o uso de taxas de mercado nos empréstimos feitos pelo banco, ajudando assim a restaurar a saúde fiscal e eliminar distorções na intermediação financeira.

Trecho do artigo intitulado “Terapia do FMI para o Brasil” de Monica Bolle do Peterson Institute of International Economics e de Ernesto Talvi, do Brookings Institution

    Prezados leitores, para refrescar a memória daqueles que tiveram contato com a história do Brasil nos bancos escolares, a citação que abre este humilde artigo lembra-nos que só acabamos com a escravidão porque a Inglaterra botou muita pressão, como dizem os funkeiros. A Lei Eusébio de Queirós de 1850, faz do tráfico negreiro ato ilícito, a Lei do Ventre Livre de 1871 liberta os filhos nascidos de mães escravas, a Lei Saraiva Cotegipe de 1885 concede liberdade aos escravos sexagenários, a Lei Áurea de 1888 torna livres os escravos no Brasil, o último país do Hemisfério Ocidental a tomar essa providência. Sem a Inglaterra fungando no nosso cangote talvez tivéssemos adentrado o século XX com uma economia baseada no trabalho escravo. Digo talvez porque seria tolo de minha parte pretender ter certeza sobre o que teria ocorrido, afinal nem eu nem nenhum historiador tem o poder de realizar experimentos como fazem os físicos, que mudam algumas variáveis, deixam outros fatores constantes e assim podem tirar conclusões.

    De qualquer forma, o Brasil sempre parece um grande paquiderme que prefere refastelar-se ao sol e só levanta quando alguém o cutuca com vara até tornar sua soneca impossível e obrigá-lo a colocar-se sobre as quatro patas e caminhar. Avançando para o final do século XX, e vemos que de 1978 a 1987 a inflação média anual no Brasil foi de 166% e às vésperas do Plano Real, em junho de 1994, ela havia acumulado nos últimos doze meses uma taxa estratosférica de 4.922,60%. E como debelamos a inflação? Será que foi obra da genialidade econômica de Rubens Ricúpero, o então Ministro da Fazenda de Itamar Franco, que elaborou um plano à prova de erros como haviam sido todos os outros lançados como a salvação da lavoura? (Só para lembrar: Plano Cruzado de fevereiro de 1996, Plano Cruzado II de novembro de 1986, Plano Bresser de junho de 1987, Plano Verão de janeiro de 1989, Plano Collor de março de 1990, Plano Collor II de fevereiro de 1991, Fundo Social de Emergência de dezembro de 1993 e finalmente Plano Real de julho de 1994)

    É tido e sabido que nossa maior inspiração para o Plano Real foram as dez regras básicas colocadas em um texto do economista John Williamson em novembro de 1989, que ficou conhecido como o Consenso de Washington, a receita oferecida aos países da América Latina para livrarem-se do jugo da inflação. E assim fizemos: disciplina fiscal e controle dos gastos públicos aparentemente consolidados por meio da Lei Complementar nº 101 de 2000 – que recentemente foi feita letra morta com as pedaladas do governo federal –, privatização de estatais, abertura comercial, já iniciada com Collor, respeito ao direito à propriedade intelectual por meio da Lei de Propriedade Industrial de 1996. É certo que no Brasil não colocamos em prática tudo o que os economistas do FMI, do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos preconizaram, por exemplo não fizemos reforma tributária e nem cortamos os gastos públicos a sério. Mas o IPMF criado em 1993 e pai da CPMF, criada em 1996 e o boom das commodities, que durou mais ou menos de 2000 a 2014, impediram a explosão do déficit público e garantiram a estabilidade da moeda, pois levaram a um aumento das receitas do governo.

    Os defensores do lulismo dirão que o Brasil soube ser dono do seu nariz durante os dois mandatos do ex-metalúrgico, tanto assim que ao Consenso de Washington executado por Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva contrapôs o Consenso de Brasília, de sua própria lavra, fundado em políticas distributivas. Melhor dizendo, para os maledicentes, como eu, fundado na aliança maquiavélica (maquiavélica no sentido de realizada para a manutenção no poder) que o 35º Presidente do Brasil estabeleceu entre os mais ricos, agraciados com empréstimos subsidiados do BNDES, contratos com empresas estatais e desonerações fiscais, e os muito pobres, agraciados com os programas de transferência de renda. Para os otimistas defensores do jeito de Lula de fazer amigos por onde quer que passe, basta que ele volte em 2018 com sua proverbial capacidade de negociação para que as coisas voltem aos eixos, depois da desastrada passagem de Dilma Rousseff, que não sabe tratar com as pessoas, como seu mentor sabe.

    Será? Será que uma versão atualizada do Consenso de Brasília é possível? Estamos com um déficit de R$536 bilhões, o equivalente a 9% do PIB, sendo que há 18 meses ele estava em 3% do PIB (dados do Bloomberg). Nossas reservas de 370 bilhões de dólares, que ancoraram o real, não cobrem mais a totalidade da dívida pública de curto prazo interna e externa, caso haja uma corrida contra nossa moeda. Os investimentos autorizados do governo federal, que em 2015 foram de 82 bilhões de reais serão de 45,4 bilhões para 2016 e estima-se que a dívida pública chegue a 70% do PIB no primeiro semestre de 2016 (dados do jornal Estado), o que diminui as perspectivas de crescimento econômico. Será que num cenário de deterioração das contas públicas como não conhecíamos desde a época da hiperinflação na década de 80, o sorriso fácil de um líder carismático conseguirá aparar as arestas? Ou será que a Lava-Jato mostrou que o tal do consenso era unicamente uma fórmula certeira para ganhar eleições? E se Lula não voltar, quem terá credibilidade para darmos marcha a ré na nossa disparada rumo ao precipício? Há algum político ou partido proeminente no Brasil que não faça uso das mesmas estratégias de financiamento de campanha de que Lula e o seu PT fazem?

    Prezados leitores, será que precisaremos de outro agente externo para nos enfiar goela abaixo um programa de ajustes, tal como esboçado por Monica Bolle e Ernesto Talvi? Será que teremos que ir de pires na mão ao FMI em 2016 e ouvir lições de moral de uma instituição presidida atualmente por uma mulher, Christine Lagarde, que está respondendo a processo na justiça francesa por favorecer um grande empresário, Bernard Tapie? Por que nunca conseguimos fazer as coisas no nosso ritmo durante um tempo razoável e no final sempre precisamos ser coagidos a agir na base do sufoco? Enquanto procuram as respostas para essas perguntas, tratem de preparar-se para a volta da CPMF, porque com certeza ela voltará.

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A Valsa

[…] a um príncipe é mister saber comportar-se como homem e como animal. […] Um príncipe sábio não pode, pois, nem deve manter-se fiel às suas promessas quando, extinta a causa que o levou a fazê-las, o cumprimento delas lhe traz prejuízo. […] Mas é preciso saber mascarar bem esta índole astuciosa, e ser grande dissimulador. […] Não é necessário a um príncipe ter todas as qualidades mencionadas, mas é indispensável que pareça tê-las. Direi, até, que, se as possuir, o uso constante delas resultará em detrimento seu, e que, ao contrário, se não as possuir, mas afetar possuí-las, colherá benefícios.

Trechos retirado do livro “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel (1469-1527), escritor florentino

Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção.

Trecho da carta enviada pelo vice-presidente Michel Temer à Dilma Rousseff em 7 de dezembro e “acidentalmente” vazada

    Prezados leitores, quem está mentindo na nossa Nova República? Por acaso Dilma mente quando diz que não houve nenhum tipo de barganha com Eduardo Cunha para livrá-la do processo de impeachment em troca de uma amaciada para o presidente da Câmara na Comissão de Ética? Ou é Cunha o mentiroso contumaz que mentiu sobre a existência das contas na Suíça e mente agora ao dizer-se vítima de coação pelo PT? Será Michel Temer pura falsidade ao mostrar sua mágoa em relação a uma presidente que nunca confiou nele? O que pensar sobre os quatro mosqueteiros tucanos FHC, Serra, Aécio Neves e Alckmin: será que estão sendo sinceros sobre seus reais motivos para defenderem o impeachment? E Lula, será que ele é um líder do povo cuja boa-fé foi manipulada por pessoas que queriam locupletar-se? Será que o legado de Lula é muito maior do que os desdobramentos do mensalão e da Operação Lava-Jato?

    Independentemente das convicções políticas de cada um, cada um de nós brasileiros intuir o que está acontecendo. Nossos políticos, para fazerem jus ao nome, dançam a valsa composta por Maquiavel no século XV no que depois viria ser a Itália. A coreografia foi bem elaborada, quem sabe lê-la consegue não só realizar os passos corretos, mas o faz com graça, causando a admiração geral. Não é meu propósito aqui fazer um resumo da obra do gênio florentino que inaugurou a ciência política moderna mostrando o caminho das pedras para um indivíduo manter-se no poder, uma vez conquistando-o. Basta dizer que um príncipe virtuoso não é aquele que fala a verdade, que age de maneira leal, que não deseja o mal de ninguém. O príncipe virtuoso é aquele que sabe que a natureza humana é intrinsecamente corrupta e age em duas frentes: de um lado protege-se da corrupção alheia, antecipando os passos dos inimigos que querem destruí-lo; de outro, como ele mesmo é corrupto, age para amealhar para si a maior quantidade de poder possível. A política não é o lugar para os inocentes e nem para os que têm verdadeiras convicções: é o lugar para aqueles cujo único objetivo é manter-se no poder. Maquiavel confiava que tal receita seria benéfica para sua Florença natal, que havia sido invadida por potências estrangeiras e perdido sua autonomia. Ter um príncipe consolidado como il signori permitiria fortalecer o próprio Estado e garantir a paz pela demonstração de força perante aqueles que cobiçassem a cidade que era um dos berços do Renascimento.

    Infelizmente essa valsa maquiavélica não cai muito bem para nós brasileiros. O entrincheiramento de um grupo no poder à custa de mentiras, meias-verdades e ganância definitivamente não está contribuindo para a prosperidade da sociedade, ou pelo menos, não da forma como gostaríamos que fosse. Essa Nova República, inaugurada em 1985 com a eleição de Tancredo Neves que nunca tomou posse está mais podre do que nunca. Para que não fiquemos falando de maneira abstrata, vou dar-lhes alguns exemplos de que falta fazer muita coisa neste Brasil lindo e trigueiro. O Brasil ocupa a 57a posição no ranking de produtividade que relaciona 62 países de acordo com o PIB produzido por hora (números de 2013 do Eurostat, o órgão de estatísticas da União Europeia). No exame PISA de 2012, nosso desempenho escolar foi o 58º melhor (391 pontos contra os 494 do primeiro colocado), em uma lista de 65 participantes. Os resultados de 2015 serão divulgados ainda neste mês de dezembro. O ranking de competitividade elaborado pelo Fórum Econômico Mundial põe o Brasil na 57a posição (de novo!) dentre 144 países. Por fim, o conhecimento da língua inglesa dos brasileiros, algo fundamental para qualquer pessoa que queira ter uma carreira em um mundo global, é considerado baixo pela EF, Education First, uma empresa do ramo educacional que elabora um Índice de Proficiência em Inglês reconhecido internacionalmente: somos o 41º colocado dentre 70 países. Não incluirei nesse rol de males o vírus zika porque não quero ser alarmista: pode ser que ele seja a talidomida do século XXI, causando danos irreversíveis em milhares de crianças brasileiras, ou pode ser que ele seja uma febre de verão que passará. Não sabemos ainda. De qualquer forma, o fato de ele ter chegado em nossas plagas tropicais há oito meses e só agora ele ter se tornado manchete mostra que nossas autoridades sanitárias não se anteciparam ao perigo.

    Sem zika ou com zika, a zica é geral. E o pior de tudo é que não temos ideia de quais devem ser nossas prioridades. Será que devemos continuar disputando o FLA X FLU para sabermos quem mete mais a mão no dinheiro público? Será que devemos esperar a conclusão da Operação Lava-Jato para passar o Brasil a limpo? Os deputados constituintes brasileiros em 1988 estipularam um processo legal para proteger réus do arbítrio de ditadores, não para a busca implacável de corruptos onde quer que estivessem. Esses enxertos que foram feitos no direito processual criminal posteriormente, como a delação premiada, e a reformulação do instituto das medidas cautelares e da prisão preventiva, ainda não estão bem encaixados no nosso sistema, que há quase 30 anos colocava a presunção da inocência como valor máximo. E se os indivíduos presos no âmbito da Operação Lava-Jato forem soltos para responderem às acusações em liberdade? Deveremos considerar que a justiça no Brasil está à venda para quem paga mais ou que simplesmente tivemos expectativas desmesuradas sobre o que o Judiciário pode fazer em termos de combate à roubalheira? Será que o tema da corrupção estará sempre onipresente e nunca conseguiremos, enquanto país, dedicarmo-nos a outro assunto? Será que o nosso critério de escolha de mandatários será sempre aquele que maquiavelicamente aparenta ser honesto, ou que rouba menos, ou conseguiremos ampliar nosso leque de critérios para incluir a coerência e viabilidade das propostas?

    Enquanto nós, eleitores, estamos ansiosos para assistir às cenas dos próximos capítulos, querendo saber quem será preso e quem será solto, quem será condenado e quem será inocentado, quem será impedido e quem será salvo, nossos eleitos continuam valsando no salão. Hoje o PT está dando uns passos em falso e provavelmente seus membros terão que dar lugar a outros dançarinos. Delcídio Amaral seguiu mal o roteiro do príncipe e suas malandragens deram muito na vista, daí o pito dado por Lula. Outros artistas entrarão em cena, mas eles continuarão executando o mesmo projeto de vida daqueles que estão saindo pela porta dos fundos, que é o de manter seus privilégios. Qual deve ser nosso papel nisso tudo? Continuar vaiando os maus dançarinos e exigindo sua substituição? Essa alta rotatividade permitirá que a sociedade brasileira enfrente os problemas refletidos em nosso mau desempenho em rankings internacionais?

    Prezados leitores, reflitam sozinhos e se decidirem voltar a assistir ao espetáculo dançante lembrem-se que os produtores não distribuem o lucro obtido com a venda dos ingressos.

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Uberizando-se

O trabalho que produz commodities é trabalho despido de qualquer qualidade. A individualidade do trabalho é perdida, e as formas específicas do trabalho são perdidas quando da sua abstração e transformação em dinheiro. O trabalho que produz commodities é o trabalho que cria valor de troca em vez do valor de uso para o trabalhador.

Trecho retirado do livro “Alienation and Central Planning in Marx escrito pelo economista americano Paul Craig Roberts

Antigamente a indústria da prostituição na Grécia era dominada pelas mulheres da Europa Central e do Leste Europeu, mas seis anos de austeridade financeira asfixiante forçaram as mulheres gregas a exercer uma profissão na qual agora elas oferecem alguns dos preços mais baixos do continente. A deprimente competição levou meninas e estudantes a cortar drasticamente os preços e oferecer encontros sexuais em troca de algo para comer.

Trecho de artigo publicado na versão eletrônica do jornal londrino The Times em 27 de novembro

    Prezados leitores, vocês sabem qual o valor de mercado da empresa americana Uber, fundada na Califórnia em 2009? 51 bilhões de dólares. A Uber revolucionou o transporte urbano de passageiros introduzindo o conceito de e-hailing que permite chamar um táxi pelo smartphone e pagar pela corrida usando informações do cartão de crédito armazenadas no próprio dispositivo móvel. Para o usuário, fica mais rápido e fácil ter acesso a um meio de transporte confortável na hora que quiser, e para a empresa que oferece o serviço o custo da operação é muito baixo, pois não é preciso montar uma estrutura física de recebimento de pedidos de táxi pelo telefone. Além disso, a alocação dos carros é muito mais eficiente, pois o usuário sempre tem acesso àquele que está mais perto, por meio da localização pelo GPS. Sem dúvida uma maravilhosa criação mercadológica.

    Maravilhosa para uns, infernal para outros. Pensem nas telefonistas que trabalham ou trabalhavam em empresas de rádio-taxi, pensem nos taxistas que pagam taxas de licenciamento à prefeitura e ficam esperando o cliente parados no ponto ou rodando pelas ruas às vezes ficando horas sem conseguir um passageiro. Para estes dois grupos o UBER é a besta do apocalipse, pois os tira do mercado oferecendo o mesmo produto a um preço infinitamente menor. Os taxistas estão lutando bravamente, tendo conseguido em São Paulo que fosse aprovada uma lei proibindo aplicativos para o transporte individual de passageiros em carros particulares. Recentemente em Porto Alegre, a mesma vedação foi aprovada pelos vereadores, enquanto no Rio de Janeiro a justiça suspendeu em outubro a lei proibidora que havia sido aprovada, e a coisa está indefinida na Cidade Maravilhosa. Mas sabemos que tais vitórias são pírricas, o jeito UBER de oferecer serviços de transporte irá comendo pelas beiradas até que a realidade seja tão gritante que o lobby do sindicato dos taxistas será inócuo.

    O objetivo de eu falar sobre a briga entre os representantes da velha guarda e os revolucionários motoristas particulares é que ela já deu ensejo a um conceito que retrata os dramas da vida no século XXI, a uberização. Se alguém perguntar-lhe: “você já se uberizou?” não se assuste e responda tranquilamente depois de analisar sua situação profissional. Uberizar-se é transformar-se em um produto ou mercadoria que pode ser oferecido a um preço menor alhures. Os taxistas foram uberizados por um aplicativo no smartphone, assim como os hotéis foram uberizados pelo Airbnb, “serviço online comunitário para as pessoas anunciarem, descobrirem e reservarem acomodações”, conforme informado na Wikipedia. A Airbnb é outra empresa californiana como a Uber, fundada em 2008 que revolucionou o serviço de hospedagem porque é capaz de oferecer um lugar limpo, seguro e confortável para ficar a preços infinitamente melhores do que o de hotéis. Eu mesma já fiquei hospedada em apartamentos ofertados no airbnb.com na Itália, Espanha, Grécia e Argentina, e nunca tive nenhum grande problema: o que foi prometido foi cumprido, o que permitiu a mim, pobre trabalhadora que ganha em reais, a economizar dinheiro não só na hospedagem como na comida, já que eu podia prepará-la em “casa” utilizando ingredientes comprados no Lidl, o supermercado frequentado pela plebe europeia. O airbnb também tem provocado reações, como era de se esperar, o procurador-geral de Nova York Eric Schneidermann classificou as acomodações airbnb como hotéis ilegais, porque são alugadas por menos de trinta dias enquanto os donos não estão ali. Enfim, fica difícil imaginar como alguns tipos de hospedagem poderão sobreviver à concorrência do airbnb, porque a lógica da uberização é implacável: o vencedor é aquele que oferece a melhor relação custo-benefício. Portanto rezemos uma missa de réquiem para os donos de modestas pousadas e hóteis de até três estrelas, pois seu serviço transformou-se em uma commodity: algo que não tem nada de especial, que não agrega valor, e a única maneira de ganhar dinheiro acaba sendo pela oferta de grandes volumes a preços baixos.

    Uber e Airbnb são só dois exemplos dessa commoditização, que também foi obtida pela Amazon, com suas vendas de livros on-line. Quem ainda visita livrarias para folhear as páginas e escolher nas prateleiras de madeira o que comprar? O que um estabelecimento físico oferece a mais do que uma loja eletrônica? Conselhos do livreiro? Por acaso o Amazon não dá estrelas aos livros de acordo com a crítica de pessoas que já o compraram? Por acaso os softwares de CRM não oferecem produtos aos clientes que se encaixam à perfeição nos seus gostos, cujo padrão foi obtido pela análise do histórico de compras? Para que ter uma pessoa no balcão dando palpites e conselhos sobre o que o cliente deveria ler se algoritmos leem nossa mente? Não posso também deixar de citar as farmácias on-line, em que basta anexar a receita do médico e pode-se comprar vários tipos de remédios ao clique do mouse. Em um país como o Brasil, em que o papel do farmacêutico sempre foi surrupiado pelo médico, o advento do comércio eletrônico de remédios pode ser a pá de cal na possibilidade de os “boticários” terem alguma relevância para a saúde dos brasileiros.

    Os gurus da administração e da economia dizem que a extinção de atividades não importa, o que importa é a capacidade de gerar novas funções. O conselho padrão é que se você passou pelo processo de uberização, mexa-se, adquira novos conhecimentos para agregar valor ao seu trabalho e assim voltar a tornar-se comercializável no mercado, afinal o velho Marx nos ensinou que o que distingue o capitalismo dos outros sistemas econômicos é que a produção sempre visa atender a necessidade dos invisíveis participantes da entidade chamada mercado. Portanto, aprender filosofia pode até aumentar o conhecimento do indivíduo, mas só vai torná-lo um produto comercializável se houver agentes dispostos a oferecer um preço por esse ser filosofante. Marco Rubio, pré-candidato republicano às eleições presidenciais americanas de 2016, resumiu bem esse imperativo ao dizer no quarto debate dos que disputarão as primárias a partir de fevereiro que “Os soldadores ganham mais dinheiro do que os filósofos. Precisamos de mais soldadores e menos filósofos.” O senador da Flórida quis dizer com isso que o ensino técnico deveria ser estimulado para que as pessoas pudessem ter um ofício demandável que lhes permita arranjar um emprego.

    O fato é que o fantasma da uberização está à espreita de todos e os políticos sempre oferecem uma solução mágica para garantir que as pessoas possam continuar tendo valor de troca: investimento em educação, diminuição da carga tributária, simplificação da burocracia para criação de empregos, etc. No final das contas, não há um método infalível. Quem haveria de imaginar que a Grécia, que investiu pesadamente na infraestrutura para sediar os Jogos Olímpicos em 2004 (pude andar no metrô de Atenas e garanto que é novíssimo em folha) e é membro da União Europeia está em uma tal situação que as estudantes mulheres estão vendendo seu corpo? A prostituição pode ser considerada o paroxismo da commoditização, já que qualquer um pode dedicar-se a ela, independentemente de qualquer habilidade intelectual ou qualidade física. E no entanto, assim está acontecendo no berço da civilização ocidental em pleno século XXI.

    Prezados leitores, uberizar-se talvez seja uma questão de sobrevivência, mas não exageremos. Desejo-lhes que se isso acontecer com vocês, livrem-se logo da maldição e transmutem-se em uma nova marca no mercado que atraia os consumidores.

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Convite à fogueira

Além dos conflitos religiosos, é óbvio que o conjunto do sistema político e social da região é determinado e fragilizado pela concentração de recursos petrolíferos em pequenos territórios despovoados. Examinando a zona que vai do Egito ao Irã, passando pela Síria, Iraque e Península Arábica, o que totaliza mais ou menos 300 milhões de habitantes, constata-se que as monarquias petrolíferas respondem por 60 % a 70 % do PIB regional e têm menos de 10 % da população, o que faz da região [Oriente Médio] a mais desigual do planeta.

Trecho retirado do artigo “A ênfase total na segurança não será suficiente” publicado na edição eletrônica do jornal Le Monde de 24 de novembro e de autoria do economista francês Thomas Piketty

Uma vez mais assistimos a uma tentativa revoltante de aterrorizar civis inocentes. Este não é um ataque somente a Paris, não somente ao povo francês, mas um ataque a toda a humanidade e aos valores que compartilhamos.

Declaração do Presidente Barack Obama sobre o s atentados terroristas ocorridos em Paris em 13 de novembro

    Prezados leitores, vocês sabem qual a origem da expressão “fogueira das vaidades”? Se hoje ela é metafórica, no ano de 1497 ele teve um sentido muito literal em Florença, no norte do que hoje é a Itália. Naquela data, o pregador dominicano Girolamo Savonarola (1452-1498) convidou os florentinos, na época do carnaval, a regenerarem-se pela expiação dos seus pecados para que a terra dos Médici pudesse tornar-se a Cidade de Deus na Terra. Para tanto, Savonarola convidou todos à fogueira, isto é, incitou seus concidadãos a queimar tudo aquilo que fosse símbolo das fraquezas humanas, entre as quais uma das mais conspícuas era a vaidade. E assim foi feito: ornamentos pessoais, figuras libidinosas, cartas de baralho e tábuas de jogo foram queimados na grande fogueira montada por Savonarola, que acabou ele mesmo virando brasa depois de ser barbaramente torturado e enforcado um ano depois. Mas o destino de Savonarola e o porquê do seu fracasso não interessam aos propósitos deste artigo. Fiquemos com o fogo, pois meu propósito aqui é imitar o pregador e incitar meu pequeno séquito a lançar ao fogo certos símbolos dos pecados que assolam o espírito humano.

    Eu começaria humildemente colocando para queimar os grandes óculos modernos e escuros da jornalista Cláudia Cruz, mulher do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, pois denotam tanto a ganância do casal, detentor de contas na Suíça, quanto a tendência a escamotear a realidade mostrada pela dupla, que se nega a enxergar a realidade: a realidade de que o mínimo de decência teria levado o deputado carioca a renunciar há muito tempo, quando a mentira deslavada que ele contou a respeito da não existência de dinheiro seu em terras helvéticas foi descoberta na Operação Lava-Jato. Cultivo a esperança de que se dona Cláudia jogasse esses óculos fora ela veria a luz e convenceria o marido a finalmente largar o osso. Mas temo que Cunha seja peça por demais importante para os partidários do impeachment a qualquer custo de forma que os indignados políticos que denunciam a improbidade administrativa de Dona Dilma estarão dispostos a fechar os olhos para as derrapadas daquele que é o instrumento para tirá-la do poder, o evangélico Cunha. Afinal, como ensinou (ou dizem que ensinou) um outro florentino famoso, Niccolò Machiavelli, “os fins justificam os meios”.

    Livrar-se da cupidez de “novos-ricos” e da cara de pau do primeiro-casal do Legislativo brasileiro seria um avanço, mas pretendo ir além. Convido o presidente americano a expiar sua sua bazófia e hipocrisia jogando na fogueira o seu Prêmio Nobel da Paz. Do alto da sua superioridade moral, o presidente-professor ou professor-presidente denuncia aqueles que não compartilham os tais dos valores ocidentais. Quais são eles? Será que ele quer dizer democracia? Mas então, se os Estados Unidos defendem a democracia no Oriente Médio, porque Mohamad Morsi eleito em 2012 pelo povo egípcio para o cargo de presidente foi defenestrado pelos militares em 2013, sem que os Estados Unidos intervisse? E por que os Estados Unidos apóiam incondicionalmente a Arábia Saudita que trata trabalhadores imigrantes e mulheres como semi-escravos? Será que para o Prêmio Nobel da Paz os valores ocidentais incluem a solução pacífica de conflitos? E por que os países ocidentais instigaram a guerra civil na Líbia para depor Muammar Al-Kaddafi em 2011, na Síria para depor Bashar Al-Assad e na Ucrânia para depor Viktor Yanukovytch em 2014? Por acaso esses países estão em uma situação melhor depois das intervenções benevolentes, tenham sido elas abertas, como na Líbia e Síria, ou pelo apoio a grupos internos como na Ucrânia? Será que a destruição do patrimônio cultural da Síria, um dos países mais antigos do mundo, de rica história, valeu a pena em nome da vitória final da democracia contra um ditador sanguinário? Será que a morte de 500.000 iraquianos desde a intervenção americana no país serviu para a defesa dos valores ocidentais?

   Em suma, admitindo que os ataques terroristas em Paris tenham sido autênticos e não, conforme é minha suspeita, trabalho de inocentes úteis manipulados sorrateiramente por forças de segurança que querem semear o medo para aumentar seu poder, faz sentido que os Estados Unidos e a própria França adotem essa postura de virgens impolutas diante dos bárbaros que querem destruir a civilização? Como mostra Thomas Piketty em seu artigo, o buraco no Oriente Médio é muito mais embaixo e descer o cacete nos terroristas islâmicos não vai contribuir para que o Oriente Médio tenha sociedades mais justas e prósperas que não levem homens jovens sem perspectivas a perseguir o sonho da jihad para preencher o vácuo existencial.

    Finalmente, proponho jogar na fogueira das vaidades todas essas revistas de negócios e economia que nos oferecem o modelo do capitalista do século XXI. Elas já haviam nos enfiado goela abaixo Eike Batista como paradigma de criador de riquezas e este André Esteves, que acaba de ser preso por participar de negociações escusas envolvendo a Petrobrás, é celebridade há anos. Afinal, o homem tem apenas 46 anos e já tem fortuna de 2 bilhões de dólares, e em 2012 foi considerado uma das 50 pessoas mais influentes pela agência de notícias Bloomberg. Mas que tipo de influência? Benigna ou maligna? A capacidade de fazer seu dinheiro multiplicar exponencialmente é necessariamente boa para a sociedade? Quantos empregos o senhor André Esteves criou ao longo de sua meteórica carreira? Quantos ele fez desaparecer? Será que ser banqueiro em um país como o Brasil, cujo governo é cronicamente deficitário e precisa tomar empréstimos sempre, requer tantas habilidades assim? Empresário por empresário prefiro o finado Antônio Ermírio, cuja Votorantim fazia parte do cartel do cimento, é verdade, mas que ao menos deixou obras concretas, como fábricas, escolas e hospitais. Entre o capitalismo industrial de um e o capitalismo financeiro do outro, prefiro o primeiro, pois o legado não são só algoritmos de computador que permitem transferências de dinheiro em tempo real. Não nego a perspicácia financeira, a capacidade de assumir riscos do senhor Esteves, mas como estamos vendo pelos desdobramentos da Operação Lava-Jato, essas qualidades parecem estar sendo usadas para fins não muito dignos. Jogar todas essas publicações que tecem loas aos homens de negócio brasileiros no lixo é uma forma de expiar o pecado do açodamento destes jornalistas cujo único critério de avaliação parece ser o do tamanho da conta bancária do indivíduo, independentemente dos efeitos da sua atuação sobre a vida dos brasileiros comuns.

    Prezados leitores, o final de ano é uma época propícia a realizar uma queima total de estoques. Façam o mesmo que eu e joguem na fogueira tudo o que é inútil, vão e pernicioso. Se depois disso o Brasil não transformar-se na concretização do plano divino vislumbrado por Savonarola para sua Florença natal ao menos vocês terão desopilado o fígado.

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Fantástico, o show da vida

As crônicas da conquista formam uma literatura incrivelmente rica – uma literatura ao mesmo tempo fantástica e verdadeira. Por meio desses livros podemos redescobrir um período e um lugar, da mesma forma que os leitores da ficção latino-americana contemporânea descobrem a vida contemporânea de um continente. Do seu próprio modo, os primeiros cronistas foram os primeiros realistas fantásticos.

Trecho retirado do artigo “What Columbus wrought, and what he did not”, escrito por Mario Vargas Llosa a respeito da conquista da América Espanhola para a revista Harper’s e publicado na edição de dezembro de 1990

O Presidente Vladimir Putin afirma ter compartilhado dados dos serviços de inteligência russos sobre o financiamento do Estado Islâmico com seus colegas do G-20: os terroristas parecem ser financiados por 40 países, incluindo alguns Estados-membro do grupo. […] “Eu mostrei aos nossos colegas fotos tiradas do espaço e de aviões que demonstram claramente a escala do comércio ilegal de petróleo e seus derivados.”

Trecho retirado de um artigo publicado no site Russia Today sobre a coletiva de imprensa dada pelo presidente russo na cúpula dos países do G-20 em Antalya, na Turquia

    Prezados leitores, eu que tenho uma atitude sempre rabugenta em relação à tecnologia, devo dar a mão à palmatória: sem ela não teria descoberto este maravilhoso texto escrito pelo escrito peruano Mario Vargas Llosa na época em que tentava vender-se como candidato a presidente para dar um choque de capitalismo no Peru e assim contribuir concretamente para a prosperidade do seu país natal. Bem, sabemos que ele deu com os burros n’água e perdeu para Alberto Fujimori. Como bom intelectual que é, Mario Vargas Llosa aproveitou sua fugaz experiência política para refletir sobre a América Latina em geral e sobre as raízes do nosso subdesenvolvimento secular e nesse artigo ele o fez com maestria. Tanto que confesso-lhes que tive vontade de chorar, pois as palavras dele calaram-me fundo.

    Para aguçar a curiosidade de quem me lê, não me deterei sobre suas conclusões, mesmo porque elas não me interessam para os fins deste artigo, mas sobre os prolegômenos do ensaio, em que Llosa comenta sobre aqueles que testemunharam em primeira mão a conquista dos impérios inca e easteca pelos espanhóis e presenciaram o choque das diferentes culturas. Cronistas como o Frei Bartolomeu de Las Casas, Gaspar de Carvajal, o Padre Calancha e tantos outros ficaram tão estupefatos com aquele maravilhoso mundo novo que se lhes apresentava que seus relatos são eivados de exageros e fantasias. No entanto, para o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2010, como defensor apaixonado da ficção que é, os exageros e fantasias “frequentemente revelam mais sobre a realidada da época do que suas verdades factuais”. Isso porque um leitor atento dessas fantásticas crônicas, tal como o professor de Mario Vargas Llosa na Universidade de San Marco, o historiador Raúl Porras Barrenechea, perceberá o que os autores escondem, o que distorcem e o que revelam, e assim fazendo ele perscrutará os motivos que levaram os primeiros cronistas da América a serem tão pouco científicos em suas descrições. Descobrindo o duplo sentido da história da conquista, isto é, o sentido que o autor quis dar ao seu texto, e o sentido que o leitor consegue depreender, este chega à verdade ficcional, muito mais poderosa que a verdade objetiva dos fatos.

    Seguindo a lição do mestre da literatura peruano, é este exercício que tenho humildemente tentado fazer a respeito dos atentados terroristas perpetrados em Paris na famigerada sexta-feira 13, em que 129 pessoas morreram e 352 ficaram feridas. Parto do pressuposto de que nós, pobres mortais, jamais teremos acesso à verdade dos fatos, tal como ocorreram. Os cronistas do século XVI criavam realidades fantásticas em parte porque não entendiam aquela cultura, aqueles povos, aquela natureza que se apresentava a seus olhos inocentes, e em parte porque tinham seus próprios valores cristãos que determinavam seu olhar. Os cronistas do século XXI, digo aqueles que nos contam aquilo que ocorre atualmente no mundo, têm a seu alcance dados de satélite, imagens televisivas, fotos de celulares, o que teoricamente lhes permitiria apresentar uma narrativa mais objetiva. No entanto, esses neo-cronistas também têm seus próprios valores, seus próprios interesses, e por isso escondem, distorcem e revelam aquilo que lhes convêm. Darei alguns pequenos exemplos desse comportamento digno do “realismo fantástico”.

    Tal como ocorreu no episódio Charles Hebdo, um dos tais terroristas carregava identificação consigo, neste caso um passaporte sírio. Muito estranho tal comportamento: será desejo de revelar-se como um nacional em protesto contra uma guerra que já ceifou mais de 250.000 vidas? Por que carregar um documento que facilita a identificação dos perpetradores pelas forças de segurança e portanto da rede de apoio aos terroristas, que poderia ajudar na concretização dos próximos ataques? E por que o passaporte sírio é aparentemente uma duas únicas provas da participação do Estado Islâmico, a outra sendo um vídeo de confissão de autoria? Matar todos os terroristas, como fizeram os policias franceses é a melhor maneira de obter a verdade dos fatos? Um detalhe pouco divulgado na imprensa, quase escondido, é que na manhã do dia 13 foi realizada uma simulação de múltiplos ataques terroristas simultâneos, na qual tomaram parte paramédicos, policiais e bombeiros. Será mera coincidência? Além disso, o chefe dos serviços de inteligência da França esteve em Washington para reuniões com o chefe da CIA, John Brennan, duas semanas antes do ataques (minha fonte: Professor de Economia da Universidade de Ottawa, Michael Chossudovsky, escrevendo em 15 de novembro).

    O passaporte sírio ajudou nossos fantásticos cronistas a elaborar o enredo: o culpado dos atos bárbaros é o Estado Islâmico e com isso, o Presidente Hollande decretou guerra ao ISIS, despachando para a Síria aviões de combate, declarando estado de emergência e propondo medidas para reforçar a segurança dos cidadãos. As cenas dos próximos capítulos envolveram capturas na Bélgica de participantes da rede terrorista. Como a França é membro da OTAN, estando em guerra ela pode pedir ajuda dos outros países para destruir o grupo. Mais um motivo para os pesos-pesados da geopolítica interferirem ainda mais em um país em que Paulo de Tarso, considerado um dos fundadores da igreja de Roma, teve, a caminho de Damasco, a visão de Jesus que o fez converter-se do judaísmo para o cristianismo. Se o que Putin diz é verdade e o ISIS financia suas operações contrabandeando petróleo para países da Europa, a indignação do Ocidente em relação aos famigerados e sanguinolentos islâmicos é de uma hipocrisia exemplar, tal qual aquela dos conquistadores espanhóis que, à guisa de ensinar aos nativos a verdadeira religião diminuíram a população indígena de vinte milhões para seis milhões ao cabo de trezentos anos de esforços civilizatórios.

    Prezados leitores, ao longo das próximas semanas teremos mais desdobramentos espetaculares, dignos dos filmes de James Bond. Só lhes peço uma coisa: assistam aos próximos episódios do fantástico show da vida com o ceticismo de um historiador da conquista da América que ao checar as fontes pergunta a si mesmo: para quem o cronista escreveu e por que ele escreveu?

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