Outrora um bastião de indústrias de fundição, de aço e de produtos mais sofisticados produzidos em várias etapas (produtos utilizados em centros de boliche, por exemplo), tubos de perfuração, produtos de latão, bicicletas, montagem de caminhões, design, produção e montagem das máquinas de lavar e secar da White Westinghouse, e muito, muito mais, tudo foi embora. […] Nenhuma dessas fábricas existe agora e todos os formados no ensino médio têm que deixar o lugar para ganhar a vida. Engenheiros e enfermeiras formados não conseguem arranjar emprego.
Depoimento por e-mail de um americano sobre a situação no norte do Estado de Ohio, nos Estados Unidos
Todos nós sabemos que as eleições são uma piada inútil, que nossos governantes não dão a mínima para nós, que a dissidência política é vista com maus olhos quando ela é real, que as rebeliões são esmagadas de maneira violenta, que o pluralismo é reprimido de maneira viciosa pela ideologia predominante, que as escolas fazem lavagem cerebral e tornam as crianças estúpidas e as fazem virar-se contra nós, que os dispositivos domésticos de lavagem cerebral como o Tubo Idiota, o rádio ou os jornais existem somente para fazer três coisas:, divertir-nos, tomar nosso dinheiro e fazer de nós zumbis.
Trecho retirado do livro “The Essential Saker: From the Trenches of the Global Information War”
Prezados leitores, o trecho citado acima é de um blogueiro americano de ascendência russa que escreve anonimamente por medo de represálias do governo do seu país para o qual já trabalhou. Uma das coisas sobre as quais ele reclama, é o politicamente correto, que está entranhado na cultura estadunidense de uma maneira inimaginável no Brasil. O motivo aparente de Donald Trump, o pré-candidato às eleições presidenciais ao norte do rio Grande, ser condenado de maneira unânime por toda a mídia e por todos os bens pensantes, inclusive o papa – que na semana passada questionou a cristandade do bilionário –, é que ele ousou falar da necessidade de controlar o fluxo de imigrantes ilegais para os Estados Unidos. Por isso, ele foi tachado de racista, acusação esta que é a pior possível na unanimidade multicultural do século XXI.
O motivo real de Trump ser considerado persona non grata é que ele se coloca contra a ideologia globalista predominante que levou as grandes corporações americanas a terceirizar a produção para países com mão de obra mais barata. O resultado, denunciado pelo homem da cabeleira vermelha (?), foi privar o país de sua base industrial e fazer o desemprego real chegar a 23%, de acordo com o estatístico John Williams, a despeito dos números oficiais edulcorados, que não levam em conta os trabalhadores que já desistiram há mais de ano de procurar por trabalho. A principal medida defendida pelo candidato que já ganhou duas das três primárias republicanas é a imposição de uma tarifa de importação de 35% sobre produtos vendidos por empresas como Apple, Ford, Nabisco, dentre outras que desejam vender nos Estados Unidos produtos fabricados alhures, que criaram empregos, geraram renda e consumo em outros países.
Em suma, Trump é um nacionalista econômico, na linha de Patrick Buchanan que foi pré-candidato às eleições presidenciais pelo Partido Republicano em 1992 e 1996. E é por isso que ele faz sucesso, porque ele fala dos problemas reais que afligem a classe média americana. Mas de maneira interesseira, aqueles que querem manter tudo como está em termos econômicos, globalistas que tem domicílio fiscal na Irlanda para pagar menos impostos, produzem na China e fazem design de produtos nos Estados Unidos utilizando engenheiros indianos para dar um exemplo, fazem questão de enfatizar o lado mais polêmico de Donald Trump, sua proposta de muro, de controle da imigração, pintando-o como monstro racista.
Nesse sentido minha citação do livro do blogueiro Saker é um tanto irrelevante para nós brasileiros que somos vítimas da globalização de outras maneiras, pois nunca estivemos no pedestal, como os Estados Unidos estiveram especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, ao consolidarem sua posição de fábrica do mundo. Aos cidadãos americanos é repetido o mantra que o livre comércio é bom para todo mundo, pois de um lado os trabalhadores do outrora Terceiro Mundo conseguem empregos industriais e melhoram seu padrão de vida que era baixíssimo, e de outro lado os trabalhadores do Primeiro Mundo conseguem empregos na Nova Economia, que agrega mais valor por ser ligada à tecnologia. Quem duvida do mantra é considerado anacrônico e racista, independentemente dos efeitos da desindustrialização que saltam aos olhos em várias partes dos Estados Unidos.
Apesar de nós no lado de baixo do Equador, não estarmos submetidos à ideologia globalista, não posso deixar de constatar que a falta de comprometimento dos governantes com o interesse público denunciada por Saker aplica-se aqui com a mesma intensidade. Darei aqui um único exemplo de como os que estão no poder no Brasil zelam pela sua própria preservação e nada mais. No dia 18 de fevereiro de 2016 o STF julgou a ADI 2859 impetrada em março de 2003 pelo PTB que pretendia impugnar alguns trechos da Lei Complementar 105 de 2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. De acordo com essa lei, cabe exclusivamente ao Poder Executivo, de acordo com seus próprios critérios, estabelecer como e quando as instituições financeiras prestarão informações sobre a movimentação bancária de seus clientes (artigo 5º). Tais informações poderão ser utilizadas pela administração tributária para identificar ilícitos fiscais, em miúdos sonegação de tributos, e tomar as devidas providências em termos de autuação e imposição de multa. Isso significa que o leão da receita poderá, a partir de movimentações mensais no valor de 5.000 reais para pessoas físicas e sempre que sentir cheiro de carniça, dar o bote, independentemente de autorização do Poder Judiciário para ter acesso às informações bancárias do cidadão. O PTB alegou infração às garantias constitucionais da propriedade e do devido processo legal, afinal o contribuinte pode ser surpreendido com uma notificação de autuação sem nem saber que estava sendo investigado.
Pois bem, o STF, chegou a um meio termo, que mais beneficia a Fazenda do que nós que temos 5.000 reais para movimentar na conta. Não será preciso que o fisco obtenha autorização judicial para vasculhar sua conta bancária, mas ao menos ele deverá fazê-lo no âmbito de um processo administrativo e deverá notificar a vítima do pente fino. De qualquer forma, o fato é que o sigilo bancário e fiscal neste país foi ferido de morte pela Lei Complementar 105, especialmente se consideramos que o artigo 198 do Código Tributário Nacional permite que o fisco das diferentes unidades da federação troque informações entre si. Alguns dirão que isso é bom para que o Estado pegue de maneira mais fácil os corruptos. Pode até ser, mas para pegar alguns peixes graúdos sonegando impostos, a administração tributária brasileira terá muito mais facilidades para fazer cobranças confiscatórias de cidadãos de boa fé, sendo que os incautos só poderão ter chance de defesa no Judiciário quando o mal já estiver feito e ele já tiver um lançamento de débito nas suas costas e até inscrição na dívida ativa. A mim parece que o que importa aos três poderes da república é dar mais oportunidades de o Estado tirar dinheiro de nós para cobrir os descalabros da má administração.
Pequenas grandes maldades, feitas por quem precisa faturar a qualquer custo para que nós brasileiros não vejamos que o rei está nu. Enquanto isso, assistimos embasbacados à disputa acirradíssima entre FHC, o príncipe dos sociólogos, e Lula, o príncipe dos trabalhadores, para ver quem tem mais esqueletos no armário. Quem será o último a dar um tiro neste pastiche de filme de Ennio Morricone? Ou todos os nossos políticos-atores ou atores-políticos estarão mortos ao final, crivados de balas? Talvez seja melhor que não sobre ninguém e que comecemos a rodar uma nova película, não mais no Far West, mas na Pasárgada mítica onde as aves gorjeiam e a vida tem mais amores. Manuel Bandeira, velai por nós, otários brasileiros!