O Idiota

De minha parte, eu observo que quase toda a realidade, embora tenha suas leis imutáveis, quase sempre é improvável e inverossímil. E inclusive quanto mais real ainda mais inverossímil.

Trecho retirado do livro O Idiota, de Fiódor Dostoiévski (1821-1881)

Nesses treze anos, o PT e o PMDB ganharam juntos, se beneficiaram juntos do poder e tomaram decisões políticas juntos, no Executivo e no Congresso. Não consigo compreender como uma parte será subtraída e a outra será ungida como o bastião da moralidade.

Trecho da entrevista da ex-senadora Marina Silva publicada na edição de Veja de 30 de março de 2016

    Prezados leitores, permitam-lhes que lhes apresente, para quem não conhece, o Príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin, o personagem principal do livro O Idiota, do qual tirei a citação que abre este artigo. A alcunha lhe é dada por todos que o conhecem por causa da sua sinceridade, transparência, da sua boa vontade em relação às pessoas, da sua infinita capacidade de perdoar as fraquezas alheias. Seus amigos irritam-se com seu jeito de ser, xingando-lhe de idiota, porque no final das contas eles percebem que o príncipe epiléptico é superior a eles tanto intelectual quanto moralmente, o que provoca inveja, raiva, rancor. Míchkin, herdeiro de uma polpuda herança, costuma fazer benesses a torto e a direito, mesmo a quem flagrantemente está aproveitando-se de sua generosidade porque espera que os beneficiários percebam seus erros e da próxima vez comportem-se melhor.

    Faço menção a um dos grandes personagens da literatura mundial porque considero que neste momento estamos às voltas com um Idiota no cenário político nacional. Ele não tem linhagem aristocrática como o príncipe de Dostoiévski, nem morou em uma pequena aldeia na Suíça para tratar-se de um mal incurável. Seu nome bem poderia ser Marina Silva ou qualquer Santos, Oliveira, Pereira pelo Brasil afora e se for doente provavelmente terá sido infectado pelo vírus da zika. Um idiota típico parte do pressuposto que as pessoas realmente querem dizer o que falam, leva a sério tudo o que ouvem e começa a desconfiar das palavras apenas quando elas desmentem os atos das pessoas que as proferem. É nesse momento que o idiota começa a fazer perguntas desconcertantes que refletem sua perplexidade ante as inconsistências dos que não são parvos como ele e estão sempre dissimulando suas intenções.

    Pois bem, os procedimentos para o impeachment da Presidente foram iniciados e nós, os idiotas brasileiros, estamos ouvindo o que nossa veneranda classe política está a nos dizer e o que ela está fazendo. Há um fosso muito grande entre os atos e as palavras, tão grande que mesmo com toda a paciência que sempre demonstramos ao longo de nossa história com as fraquezas morais e intelectuais dos nossos dirigentes, não conseguimos entender muitas coisas. Porque não entendemos pedimos esclarecimentos e eu humildemente, na qualidade de mulher pertencente ao grupo dos néscios tropicais, assumo aqui, por decisão própria, o papel de porta-voz das suas perguntas, dirigidas a alguns dos envolvidos nesse imbróglio político.

    Eminente engenheiro civil Marcelo Odebrecht, Mestre pelo International Institute for Management Development da Suíça, é verdade mesmo que o vice-presidente Michel Temer não estava no rol de beneficiários de propina paga pela organização do qual o senhor até antes de ser preso era o presidente? Ou a delação premiada que o senhor negociou com o Ministério Público não o incluiu na famigerada lista para permitir que a Odebrecht não seja vítima de vinganças políticas em um governo chefiado pelo mordomo de filme de terror, como o chamava Antônio Carlos Magalhães? Será que a manutenção da continuidade operacional da maior construtora do Brasil lhe é muito mais importante do que falar TODA a verdade?

    Eminente constitucionalista Michel Temer, advogado formado pela veneranda Faculdade de Direito do Largo São Francisco, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Vice-Presidente da República Federativa do Brasil desde 1º de janeiro de 2011, o senhor está a me dizer que não tinha conhecimento de nada a respeito das contribuições ilícitas à campanha de Dilma Rousseff, sua companheira de chapa? O senhor, membro do governo, não sabia de nenhuma troca de favores que ocorria entre empreiteiras e a Petrobrás? O senhor, um dos maiores juristas do Brasil, não via que a Presidente infringia o artigo 85 da Constituição Federal e os artigos nove e dez da Lei 1.079/1950 que tratam, respectivamente, dos crimes contra a probidade na administração e dos crimes contra a lei orçamentária de autoria do Presidente da República? O que ocorreu? Tinha medo de terminar seus dias como terminou Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André pelo PT, assassinado em circunstâncias pouco claras e por isso não denunciou? Senhor Michel Temer, seu partido acaba de lançar um plano, “Uma Ponte para o Futuro”, preparado por especialistas reunidos para esse fim. Se Dona Dilma estava no rumo errado em termos de políticas econômicas e sociais, porque o PMDB, que oficialmente faz parte do governo, não lhe ofereceu sugestões para combater os males da disparada da dívida pública e da estagflação que rondam o Brasil? Por que o projeto da ponte para o futuro só ficou pronto agora, quando o governo do qual o senhor faz parte tem pouquíssimas chances de colocá-lo em prática? Será que a ponte para o futuro tem entrada exclusiva para determinadas pessoas, que não incluem membros do PT? Por que os petistas devem ficar de fora, olhando o senhor fazer a travessia para um futuro mais próspero? Por acaso não foram aliados durante 13 anos?

    Respeitáveis membros do governo pertencentes ao PMDB, por acaso acham que saindo do governo às vésperas do impedimento da Presidente serão redimidos? Por acaso caindo fora do barco que está indo a pique preservarão sua reputação? Por acaso ainda têm reputação membros de um governo corrupto, cuja chefe está sendo acusada de crimes de responsabilidade? Por acaso renunciando a seus cargos darão mostras de apreço à coisa pública? Será apreço ou ganância por voltar a gozar das mesmas prebendas daqui a alguns meses quando Dilma tiver saído do Palácio do Planalto? Vocês acham que estão sendo íntegros zelando unicamente pelo seu interesse pessoal, sem pensar nas consequências do desmanche repentino do governo federal?

    Finos membros do PSDB, de onde vem tanta indignação moral ante a corrupção do PT e o linguajar chulo de Lula, tão execrado por Fernando Henrique Cardoso em uma entrevista ao jornal Estado de São Paulo? Por que tanta insistência em correr com o impeachment, por que tantas exortações dirigidas à Presidente para que ela facilite as coisas renunciando? Será que é uma genuína preocupação com os destinos do país ou o medo de que a Operação Lava Jato adentre em seara tucana? Será que vocês, veneráveis tucanos, consideram que o povo brasileiro dar-se-á por satisfeito com a imolação do PT e não dará muita bola se as investigações não mais avançarem? Será que menosprezam tanto nossa inteligência a ponto de acharem-se capazes de nos convencer que a corrupção começa e para no partido de Lula?

    Prezados leitores, em última análise, o impeachment é um julgamento político, e se Dona Dilma perdeu apoio, independentemente da justeza dos motivos que a fizeram tornar-se órfã política, não há muito o que fazer além de aguardar o desfecho melancólico para a primeira presidente mulher do Brasil. A nós, os idiotas brasileiros, que sabemos há algum tempo do descaramento, da desfaçatez de grande parte dos nossos políticos, que se reciclam de um governo para o outro simplesmente trocando de uniforme, só nos resta uma solução: ir para as ruas exigir eleições já para a Presidência da República. Michel Temer, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, os protagonistas do impeachment: é verdade que somos todos idiotas, mas saibam que nossa compreensão profunda de quão débeis são suas justificativas, de quão inconsistentes são suas ações pode lhes trazer surpresas desagradáveis.

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carta aberta

Nunca odeie seus inimigos, isso afetará seu julgamento.

Michael Corleone (1920-1997), personagem fictício do filme O Poderoso Chefão

A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.

Artigos oito e nove da Lei 9.296 de 24 de julho de 1996, que regulamenta o inciso XII, parte final, do artigo 5º da Constituição, com grifo meu

    Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal Sérgio Moro, permita que eu me apresente. Sou uma cidadã preocupada com o clima de Fla x Flu em que o Brasil se encontra desde que a disputa entre PT e PSDB em nível nacional começou a partir da eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994. Tal disputa foi exacerbada nas últimas eleições presidenciais, em que Dilma Rousseff teve uma vitória apertada que deixou um gosto amargo na boca dos derrotados. Gosto de fel, para sermos mais precisos, pelo fato de que o mundo maravilhoso que o marqueteiro de Dilma, João Santana, pintou para vender o peixe do PT era enganoso, para dizer o mínimo. Conquistada a reeleição, o céu desabou sobre a cabeça de nós pobres brasileiros: recessão, desemprego, vírus zika, disparada da dívida pública, rebaixamento da nota do Brasil pelas agências internacionais de crédito, colocando em xeque as conquistas tão apregoadas pela máquina de ganhar eleições que funcionava perfeitamente desde 2002, pois a inflação ficou em 10,67% em 2015, corroendo o poder de compra dos beneficiários do Bolsa Família.

    Ao mesmo tempo, desenrolava-se a Operação Lava Jato, do qual o senhor é protagonista. Mais do que isso, excelentíssimo juiz, o senhor é a alma das investigações, pois os resultados mais espetaculares conseguidos até agora, condenação de ex-diretores da Petrobrás, de Marcelo Odebrecht, só foram conseguidos graças à sua criatividade jurídica, que alguns chamam de pedaladas jurídicas, para traçar um paralelo com as pedaladas fiscais de Dona Dilma. O senhor deu nova interpretação ao artigo 312 do Código de Processo Penal, que trata da prisão preventiva, tornando-a regra e não exceção. Trata-se de algo polêmico, obviamente contestado pelos advogados de defesa, mas faz parte do ofício do defensor do acusado limitar ao máximo a aplicação das hipóteses de prisão antes de sentença definitiva de mérito, e o senhor, de maneira louvável, colocou-se como objetivo alargar ao máximo as hipóteses de aplicação do instituto da prisão preventiva para acabar com o clima de impunidade que sempre reinou entre os criminosos de colarinho branco. Afinal os réus sempre contaram com o advento da prescrição do crime ou do direito do Estado de processar para não sofrerem sanção nenhuma, a não ser a de arcar com os honorários advocatícios de competentes profissionais que conseguiam ir empurrando uma condenação com a barriga da primeira instância ao STF.

    Como não louvar a pedalada que o senhor deu, quando o que mais nós brasileiros presenciávamos, impotentes, eram maganos serem presos num dia e soltos no outro porque era praxe no Judiciário considerar que executivos bem falantes, cheirosos e bem vestidos não eram ameaça à ordem pública e nem prejudicavam a instrução criminal se permanecessem soltos? Juiz Sérgio Moro, o senhor quebrou esse paradigma e como bem apontou o linguista e filósofo Thomas Kuhn (1922-1996), é disso que são feitas as revoluções na maneira de pensar. Não há dúvida de que o Judiciário brasileiro, independentemente de o senhor ser promovido a desembargador ou não, nunca mais será o mesmo, e os advogados de defesa terão que reformular totalmente suas estratégias. Parabéns, Sérgio Moro, por lavar a alma dos brasileiros!

    E no entanto, não posso deixar de dizer que o senhor cometeu um erro grave, que macula sua atuação. Na quarta-feira, dia 16 de março, às 16:19, o senhor suspendeu o sigilo das interceptações telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como o senhor bem sabe, era seu direito e dever aprovar a escuta dos telefonemas de Lula se isso contribuísse para a apuração dos crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica que o senhor tem fundadas suspeitas que o ex-presidente cometeu. Mas o senhor também sabe, apesar de todo o seu palavrório sobre o escrutínio público benéfico à democracia que tal divulgação ensejou, que o senhor agiu de maneira ilegal, violando a lei 9.296.

    Violou de duas maneiras, não só divulgando provas que deveriam ter permanecido em sigilo, mas divulgando trechos das conversas que Lula teve que são totalmente irrelevantes à investigação. Pior, o senhor fez uma edição do conteúdo, divulgando os trechos mais desairosos e dando sua interpretação deles. O senhor como juiz tem o dever de valorar as provas, mas deve fazê-lo quando for elaborar sua sentença, depois de a parte contrária ter sido ouvida e tido a oportunidade de apresentar suas próprias provas e sua interpretação das provas da parte contrária. Este é o devido processo legal, que o senhor com certeza conhece bem.

    Juiz Sérgio Moro, qual a contribuição para a democracia brasileira sabermos que Lula refere-se às petistas como mulheres de grelo duro? Saber que Lula usa na intimidade palavras como trucar, porra, filho da p###a, f###o etc.? Certamente fere os ouvidos sensíveis e as sensibilidades feministas daqueles que tiveram educação universitária como o senhor. Eu particularmente detesto ouvir o Lula falar, os atentados que ele comete contra a língua portuguesa são frequentes e não há muito o que fazer, afinal ele não é afeito à leitura. Mas pergunto ao senhor: o fato de as conversas telefônicas revelarem um sujeito grosso e machista contribuem para caracterizar os crimes pelos quais Lula foi indiciado pelo Ministério Público? Será que o seu objetivo foi meramente informar os brasileiros para o bem da democracia ou compor um personagem desprezível? Juiz Moro, o direito penal pune a pessoa ou os atos que ela pratica?

    Juiz Moro, sua equivocada divulgação da escuta telefônica só fez acirrar os ânimos em um país cuja democracia ainda é muito verde para ser considerada consolidada. Deu argumentos aos petistas fervorosos para que vejam o Lula como vítima de perseguição política e o impeachment como golpe. Na sexta-feira, dia 18 de março, 95.000 pessoas estiveram na Avenida Paulista e gritaram “Não Vai Ter Golpe!”. A lisura do processo de impeachment exige que os denunciados tenham direito à defesa e não sejam condenados de antemão por causa de trechos de conversas telefônicas realizadas por um homem que está sob intensa pressão, não só do Judiciário, mas da mídia brasileira, que claramente em sua esmagadora maioria é a favor do impeachment de Dilma Rousseff e da prisão de Lula.

    Sérgio Moro, o senhor não é político, não é jornalista, não é agitador profissional. Por favor, não é porque foi capa da Veja que vai dar-se ares de celebridade e querer passar um fim de semana no Castelo de Caras. Cumpra seu dever de maneira metódica e imparcial sem ficar manifestando sua opinião sobre seu investigado no Facebook e sem mostrar envolvimento emocional com a matéria, como cabe a um magistrado. E principalmente, siga o conselho do grande Michael Corleone: não odeie o Lula, e a Operação Lava Jato terá frutos ainda mais espetaculares. A democracia brasileira agradece.

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Vidas quase paralelas

O tipo de transição que ocorreu ao longo de cinquenta anos no Ocidente chegará à China de repente daqui a cerca de 15 anos, quando um em cada quatro habitantes será um trabalhador sem qualificações, sem futuro, sem filhos e com pouco ou nenhum dinheiro guardado para a aposentadoria.

Trecho retirado do artigo “One for all” escrito por Hilary Spurling, resenhando um livro que conta a história da política do filho único na China

O Brasil ainda vivia sob a ditadura militar quando o Partido dos Trabalhadores (PT) foi fundado. Em 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion (SP), o PT surgiu com a necessidade de promover mudanças na vida de trabalhadores da cidade e do campo, militantes de esquerda, intelectuais e artistas.

Trecho retirado do site oficial do Partido dos Trabalhadores, fundado entre outros por Luiz Inácio Lula da Silva

    Prezados leitores, 1980 é um ano em que os destinos de Brasil e China começam a correr de maneira paralela, sob um certo aspecto. Explico-me, antes de acharem que estou a falar de milagre econômico. No Brasil era fundado o PT, que catapultou Lula ao cenário político nacional, de tal maneira que ele foi eleito Presidente do Brasil em 2002 e 2006.Na China tornou-se lei a política do filho único, elaborada por um grupo de militares que haviam sobrevivido aos expurgos de Mao Zedong realizados durante a Revolução Cultural (1966-1976). O objetivo era evitar a explosão populacional no país e para isso foram criados estímulos monetários para os funcionários do governo fiscalizarem as mães e pais recalcitrantes.

    Havia uma verdadeira caçada a mulheres grávidas do segundo filho ou grávidas com menos de 24 anos, idade estabelecida como a mínima para a procriação. A mulher quando encontrada era arrastada para lhe arrancarem o filho do ventre, independentemente do estágio da gravidez, e quando não encontrada pelos zelosos burocratas, cujo salário era atrelado ao cumprimento de quotas de aborto, estes prendiam os pais da infeliz para fazer extorsões, chantagens e ameaças. Além disso, dada a preferência por um filho homem que carregue o nome da família e cuide dos pais idosos, a política inflexível do filho único levou ao assassinato de milhares de bebês do sexo feminino, seja por estrangulamento, ou ainda antes de nascerem.

    O plano estatal funcionou razoavelmente bem, e o resultado é que por volta de 2020 a China terá entre 30 e 40 milhões de homens supérfluos, o equivalente à população total do Canadá. Essa montanha de homens solteiros, sem possibilidade de fazer sexo por meios legítimos e razoáveis, está levando ao rapto e tráfico de mulheres de países asiáticos vizinhos. Estima-se que 100.000 mulheres da Coreia do Norte já tenham sido vendidas a chineses carentes, por 1.500 dólares per capita. Uma alternativa é a compra de bonecas de tamanho natural com cabelo verdadeiro, cílios e bicos de seio indestrutíveis. Além dessa geração de homens desajustados e solitários que não terão chance de ter relacionamento com mulheres de verdade, a política demográfica chinesa provavelmente minará as chances de o país entrar para o clube do Primeiro Mundo: estima-se que dez milhões de pessoas irão aposentar-se a cada ano, ao passo que o número de trabalhadores diminuirá sete milhões. Isso significará que dois adultos terão que cuidar de um filho único e quatro idosos, o que convenhamos, é um fardo pesado demais para ser carregado.

    Será praticamente impossível à China, que envelhecerá da noite para o dia, manter o ritmo alucinante de expansão econômica que conseguiu desde a abertura econômica de Deng Xiaoping em 1979. Esse frenesi foi possibilitado em parte por uma força de trabalho predominantemente masculina, o que mostra que no curto e médio prazo o déficit de mulheres foi um bônus para o país, antes de transformar-se na sua perdição no longo prazo. É nesse ponto que quero lhes mostrar como a trajetória do Império do Meio e do filho único corre paralela à ascensão fulgurante do PT e seu líder. Os milhares de trabalhadores de fábricas chinesas, que se transformaram no centro manufatureiro mundial, criaram a demanda pelas commodities produzidas entre outros países pelo nosso Brasil lindo e trigueiro. O ciclo das commodities que foi mais ou menos de 2000 a 2014 coincide com o ápice da trajetória de Luiz Inácio Lula da Silva e sua decadência, simbolizada pelo suspense em torno de sua prisão.

    Não percamos o foco: se a China tivesse conseguido manter seu crescimento de dois dígitos e sua voracidade por minério de ferro e soja, o Brasil ainda estaria em uma situação econômica relativamente confortável e o PT poderia continuar aplicando a receita infalível para ganhar eleições, afagando os muito pobres com o Bolsa Família, distribuindo bolsas de estudo à classe C e concedendo empréstimos subsidiados do BNDES aos grandes grupos nacionais, financiadores de campanhas. Mas o caldo entornou na China, e o seu perfil demográfico futuro não lhe permitirá continuar sendo the “powerhouse of the world”. Agradar gregos e troianos, como Lula fez em seus áureos dias de Presidente, será impossível. O cobertor do Estado brasileiro ficou de repente curto para cobrir todo mundo e precisamos de um bode expiatório para execrar: a corrupção do PT no poder é o bandido da vez e o Sérgio Moro o mocinho. Se nos livrarmos da corrupção sobrará dinheiro para investir em saúde e educação, não é mesmo?

    No entanto, para pegar os ladrões do dinheiro público precisaremos dar poderes extraordinários ao Judiciário e ao Ministério Público, poderes que juízes e procuradores utilizarão ora de maneira benéfica, ora de maneira maléfica, e sempre para proveito deles mesmos, como é próprio do ser humano. E quem garante que se prendermos todos os grandes sócios do Estado brasileiro depois de muita pressão à base de delações premiadas e prisões preventivas moralizaremos a política brasileira? Como o juiz Antonio Di Pietro, principal magistrado da Operação Mãos Limpas na Itália dos anos 1990 admitiu em entrevista ao jornal Estado de São Paulo em 13 de março, o país não mudou depois da grande investida judiciária, afinal os italianos elegeram depois Silvio Berlusconi.

    Prezados leitores, indignação é sempre bem-vinda, pois a apatia é a antessala da morte. Mas para além do mal da corrupção temos uma ordem social, econômica e jurídica no Brasil que faz com que nem todos possam ter direito a banho de sol, pois além de não produzirmos o suficiente, não priorizamos de maneira sensata. Qual a saída? Os chineses terão que lidar com o problema do envelhecimento repentino, nós com o problema da chamada à realidade repentina: fomos dormir achando que éramos potência emergente, acordamos no Terceiro Mundo, com o vírus zika, estagflação e com um sistema político totalmente disfuncional. Mais ou cedo ou mais tarde, por bem ou por mal, teremos que tomar uma decisão sobre como sair desse beco. Só espero que os mesmos maganos de sempre não decidam por nós.

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Não custa perguntar

Uma coisa que o Brasil não está fazendo bem é gerenciar suas finanças com cuidado. Cinco institutos econômicos alertaram que há o risco de a dívida pública sair do controle. Ítalo Lombardi do Standard Chartered, disse que a porcentagem da dívida pública em relação ao PIB está aumentando 10% a cada ano, à medida que a recessão mina a base tributária, e está caminhando para atingir a marca de 80% em 2017. Esse é um nível perigoso para um país da América Latina cujos mercados de títulos ainda são pouco desenvolvidos. “É uma bomba relógio,” ele disse. […] Ao mesmo tempo o Brasil é um dos poucos países em que o coeficiente GINI de desigualdade caiu nos últimos quinze anos, em que pese ainda ser alto, 52,9. A mortalidade infantil caiu para 15 por 1,000 crianças nascidas vivas, sendo que em 1990 esse número era de 51.

Trechos retirados do artigo “Downfall of Brazil’s Lula marks the end of the BRICS fantasy”, de autoria do jornalista econômico Ambrose Evans-Pritchard e publicado na versão eletrônica do jornal Daily Telegraph de 7 de março

    Prezados leitores, tantas emoções nestes últimos dias, tantos desdobramentos dessa lavagem de Brasílias amarelas, peruas Elbas e fuscões pretos que está sendo feita pela tal da força-tarefa do Ministério Público Federal. Quem não se regozijaria com tantos resultados até o momento, a revelação da rede de propinas montada às expensas da Petrobrás, a colocação de magnatas atrás das grades, e para cúmulo da nossa ânsia de justiça, a convocação de Lula para prestar esclarecimentos à polícia judiciária federal? E no entanto, permito-me aqui neste meu obscuro espaço virtual enumerar uma série de perguntas que me veem à cabeça. Eu como adepta da maiêutica de Sócrates não tentarei respondê-las, minha tarefa é apenas lançá-las na rede mundial:

    Por que há tantos vazamentos a respeito da Operação Lava Jato? Por que há indivíduos na Polícia Federal e no Ministério Público que sempre dão com a língua nos dentes? Serão esses vazamentos fruto do heróico labor dos nossos jornalistas investigativos, ansiosos por revelar a podridão de parte da nossa classe política? Ou será que há um esforço voluntário de certos grupos de destruir a reputação dos seus desafetos para proveito próprio?
Terá sido mera coincidência que a revista Istoé revelou na quinta-feira dia 3 de março parte do conteúdo da delação premiada do senador Delcídio Amaral e que no outro dia Lula foi conduzido coercitivamente para prestar esclarecimentos? Será que já havia um script pronto a ser seguido para criar um fato consumado, o de que a hora de Lula havia chegado?

    Aliás, a respeito da delação premiada por que a imprensa tem tratado tudo o que é dito como revelações, quando na verdade são alegações, ou para sermos mais técnicos, um dos elementos de prova reunidos pelo Ministério Público para convencer o juiz a condenar o réu denunciado? Afinal, de acordo com as regras do processo criminal brasileiro, o juiz tem direito a formar sua convicção livremente e pode inclusive desconsiderar determinadas provas. Além disso, uma das partes pode conseguir a anulação de uma prova obtida por meios considerados ilícitos. Por que num dia o vazamento ocorre e no outro somos levados a acreditar que tudo aquilo é a pura expressão de toda a verdade e suficiente para embasar uma condenação? Em suma, por que somos levados a crer que a delação premiada é a Excalibur que vai permitir ao Judiciário vencer os dragões da maldade, os inimigos do povo brasileiro que roubam o dinheiro público? Por que os formadores de opinião não expressam uma visão mais desassombrada da delação: um instrumento processual introduzido em 1990 no nosso ordenamento pela Lei 8.072 sobre crimes hediondos que era previsto em determinadas leis e que agora é usado a torto e a direito com a sofreguidão dos recém-convertidos?

    Será que a luta contra a corrupção justifica todas as inovações jurídicas do juiz Sérgio Moro? Para o bem e para o mal, ele é o trendsetter do momento no Judiciário e o STF está apenas seguindo o caminho das pedras por ele jogadas. Prisão preventiva, que antes era exceção por questões de política criminal e pela presunção da inocência, agora é a regra para os acusados no âmbito da Lava-Jato. A prisão preventiva faz os brasileiros felizes e ainda coage o preso a negociar uma delação premiada para ele livrar-se da cadeia. É pressão total tanto de Moro, que homologa as delações, como dos membros do MPF que a negociam. Se antes a delação premiada protegia testemunhas, no cenário atual de vassouradas contra a corrupção ela é instrumento de intimidação. Nesse sentido, os promotores públicos brasileiros tornar-se-ão cada vez mais parecidos com os public prosecutors americanos, que são eleitos e cujo objetivo é sempre o de aumentar suas taxas de condenação.

    Supondo que o objetivo maior de desbaratar as organizações criminosas que tomaram de assalto o Estado brasileiro seja de tal maneira importante que justifique o enxerto de vários americanismos no processo criminal brasileiro. Qual será o efeito a longo prazo dessas novidades? Elas acabarão sendo incorporadas definitivamente por aqui, ou serão esquecidas tão logo os bandidos do enredo atual sejam pegos e condenados? A delação premiada e a prisão preventiva, para que não haja agravamento do quadro criminoso, como diz Sérgio Moro, serão no futuro sonhos de uma noite de verão? Caso contrário, qual será o efeito sobre os cidadãos brasileiros comuns? Haverá um aumento nos índices de encarceramento? Haverá uma maior desconfiança sobre todo e qualquer investigado/acusado/indiciado/réu, como se todos fôssemos possíveis receptores de propina?

    E se colocarmos muitos magnatas na prisão ao fim da Lava-Jato, isso transformará o Judiciário brasileiro no árbitro supremo da Nação? Se não sobrar nenhum político digno de nossa estima, transformar-nos-emos em uma República governada pelos juízes? Será esse o fruto mais doce da nossa democracia, termos a vida regulada por indivíduos não eleitos? Será melhor sermos governados por uma oligarquia de juízes do que sermos governados por uma oligarquia de políticos que precisam arranjar dinheiro para financiar suas campanhas?

    Finalmente, considerando o estado calamitoso das contas públicas, é preciso admitir que o ciclo da Constituição Cidadã de 1988 parece estar chegando ao fim, devido a nossa impossibilidade material de financiar tantos direitos. O bilhete da loteria premiado, representado pelo boom das commodities e que permitiu tirar 30 milhões de brasileiros da pobreza, está gasto e puído. Nesse sentido, será essa luta contra a corrupção uma mera fachada de uma luta feroz entre os grupos organizados para ver quem vai pagar a conta da ressaca pós-boom que o Brasil está apenas começando a enfrentar? O governo do PT tomou diversas iniciativas para cumprir as diretrizes constitucionais, entre elas a Lei 12.382 de reajuste nominal do salário mínimo, com impactos sobre os benefícios previdenciários e claro, sobre o sucesso do PT nas quatro últimas eleições presidenciais. Quem vai estabelecer as prioridades? Aqueles que foram beneficiados pela Constituição de 1988 serão obrigados a voltar ao seu status anterior? Ou os que eram beneficiados antes farão sacrifícios? Como será resolvida a distribuição dos ônus e dos bônus? Pelas urnas, nas ruas na base da luta livre ou no Judiciário?

    Prezados leitores, não pensem, ante minha perplexidade, que estou aqui a defender que o PT passou 13 anos no poder de maneira impoluta ou que a mudança de paradigmas realizada pelo MPF pela PF e por Sérgio Moro não fará nossos trapaceiros irem com menos sede ao pote da próxima vez. O que me assusta é que essa politização do Judiciário e a judicialização da política podem fazer com que fiquemos enredados em disputas sem fim e que fiquemos sem saber que rumo tomar. Oxalá todas as minhas perguntas possam ser facilmente respondidas e prontamente descartadas.

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Dona Xepa

Vocês realmente creem que os países da zona do euro lutaram até o fim para que a Grécia permanecesse na zona do euro para um ano depois, no final das contas, deixar o país mergulhar no caos?

Trecho de discurso pronunciado na rede pública de televisão da Alemanha pela primeira-ministra, Angela Merkel em 28 de fevereiro, conclamando seus compatriotas a não abandonar a Grécia à própria sorte

O Lula paz e amor vai ser outra coisa daqui para frente. […] Eu queria dizer para eles: vocês não vão me destruir, vamos sair mais fortes desta luta.

Trecho de discurso feito por Luiz Inácio Lula da Silva a uma plateia de 1.500 pessoas na festa de 34 anos do PT no Rio de Janeiro

    Prezados leitores, imaginem a cena: indivíduos pobres, mal-vestidos e encapuzados jogando pedras na polícia que está lá para desalojá-los, se for necessário na marra. Reintegração de posse em alguma favela em São Paulo? Não, de maneira nenhuma, isso aconteceu hoje em Calais, no norte da França, no local conhecido como selva que abriga os imigrantes da Ásia e da África que têm invadido a Europa em busca de uma vida melhor. A razão do confronto é que depois de uma disputa na Justiça o governo francês finalmente obteve autorização para começar a desmantelar le jungle, como os franceses a ela se referem e transferir os habitantes para contêineres que foram montados em local de segurança máxima. E por que os imigrantes concentraram-se em Calais? Ora, o desejo deles é partir rumo à Grã-Bretanha, que é infinitamente preferível à França por duas razões: a mais importante é que no momento em que o sírio, líbio, paquistanês ou chadiano pisa nas Ilhas Britânicas ele já tem direito a assistência médica no Serviço Nacional de Saúde, o NHS e a outros benefícios sociais, ao passo que na França é preciso ter contribuído alguns anos para fazer jus. Mas há também uma questão cultural: em tempo de ascendência de Marine Le Pen, a França é vista como um país que não quer muçulmanos, ao passo que os britânicos são mais tolerantes, pois o multiculturalismo é política de Estado.

    As boas vindas do país governado por David Cameron têm limites, no entanto, manifestados no fato de que está sendo praticamente impossível aos imigrantes cruzarem o Canal da Mancha pelo Eurotúnel, dada a vigilância cerrada sobre eles, daí terem favelizado-se em Calais. E não é só França e Grã-Bretanha que estão com má vontade. Eslovênia, Croácia, Sérbia e macedônia limitaram a 500 pessoas que aceitarão que entrem nos respectivos territórios. A Áustria

    estçaoé sempre um conforto para mim relativizar meus dissabores quer seja como indivíduo, quer seja como cidadã brasileira

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