Os taumaturgos

Porque até o Socialismo é criação do Catolicismo e da essência católica! Ele, como seu irmão o ateísmo, também foi gerado pelo desespero, em contraposição ao Catolicismo no sentido moral, para substituir o poder moral perdido da religião, para saciar a sede espiritual da humanidade sequiosa e salvá-la não por intermédio de Cristo, mas igualmente da violência! Isso também é liberdade por meio da violência, isso também é unificação por meio da espada e do sangue! “ Não ouses acreditar em Deus, não ouses ter propriedade, não ouses ter personalidade, fraternité ou la mort, dois milhões de cabeças!” É pelos atos deles que os conhecereis – está escrito! E não pensem que isso tudo seja para nós coisa tão inocente e corajosa; oh, precisamos de uma reação, e logo, e logo!

Trecho de um discurso do Príncipe Míchkin, personagem de O Idiota de Fiódor Dostoiévski

No fim, o autor organizou a sua apuração em oito ideias centrais, como a capacidade de manter o foco nos objetivos, cumprir metas estabelecidas, saber inovar e também tomar decisões, além de navegar com segurança no oceano de informações e distrações do mundo moderno.

Trecho de resenha publicada na revista Veja de 4 de maio sobre o livro Mais Rápido e Melhor – Os Segredos da Produtividade na Vida e nos Negócios, escrito por Charles Duhigg

    Prezados leitores, nesta semana refugio-me na ficção. Não tenho mais nada a falar sobre o impeachment, sobre as disputas políticas, sobre a crise econômica, muito menos tenho capacidade de prever o que ocorrerá com o Brasil, se já atingimos o fundo do poço ou se ainda temos margem para afundar ainda mais, se os Jogos Olímpicos vão ser um sucesso ou vão ser uma nova versão do 7 x 1. Nas ciências exatas a capacidade que uma teoria tem de prever fenômenos naturais atesta sua validade, isto é sua capacidade de salvar as aparências, de fornecer explicações consistentes para a realidade. Nas ciências humanas, as previsões são mais difíceis porque o comportamento dos seres humanos está sujeito a uma variedade tão grande de influências que nossa mente não dá conta. Ao mesmo tempo que confesso minha incapacidade de dizer algo relevante sobre nosso Brasil, admiro aqueles poucos indivíduos que, para utilizar o jargão moderno, tal qual reproduzido por Charles Duhigg no livro citado acima, são produtivos e inovadores. Prefiro chamá-los de taumaturgos, porque eles fazem milagres. Um desse milagreiros é Dostoiévski e vou explicar-lhes o porquê de eu achar que o autor russo que viveu de 1831 a 1878, aos 18 anos já era órfão de pai e mãe, pobre e epiléptico cabe nessa definição, tratando do personagem principal de Idiót, cujas inspirações principais foram Jesus Cristo e Dom Quixote.

    Quem não há de concordar que em 1868, quando O Idiota foi publicado, não havia ali, na fala do príncipe Liev Nikoláievitch que abre este artigo, uma premonição sobre o que iria acontecer na Rússia a partir de 1917 em nome do comunismo? Claro, não se pode exigir a precisão de hora e local do eclipse solar de 29 de maio de 1919 que foi observado em Sobral, no Ceará e que permitiu uma das primeiras verificações experimentais da Teoria da Relatividade. Dostoievski não previu exatamente que uma revolução eclodiria no seu país no século XX em São Petersburgo, comandada a princípio por Vladimir Ilitch Lênin, financiado pelos alemães, que queriam ver o país mergulhar no caos e assim facilitar sua derrota na 1ª Guerra Mundial. No entanto, um alerta sobre o vácuo espiritual que a descrença na religião acarretaria e sua substituição pela ideologia socialista a ser imposta pela violência, custasse o que custasse está ali, sem necessidade de grandes esforços de interpretação.

    Como explicar a presciência de um epiléptico? Charles Duhigg talvez dissesse que ele tem foco, eu diria, para usar um vocabulário mais antigo, que Dostoievski tinha uma visão moral muito clara, respaldada no cristianismo. Sem fazer nenhum julgamento de valor aqui, é forçoso constatar que para um verdadeiro cristão a vida, o amor e a fé têm preeminência sobre tudo e levam à vida bela, ao passo que o ódio, a violência, a descrença são o mal a ser combatido. O Príncipe da obra-prima de Dostoiévski ama verdadeiramente, sem julgar ninguém, sem condenar, apenas imbuído da disposição infinita de tentar compreender as pessoas e ter compaixão pelo sofrimento alheio. Essa sua boa vontade em relação à humanidade o faz ser visto como um idiota por aqueles que só zelam por seus interesses, para quem o egoísmo é a única realidade possível. Ao mesmo tempo em que é mal interpretado e ridicularizado pelos que estão à sua volta, que o veem como um ser facilmente enganável e explorável, Liev Nikoláievitch, pela sua própria posição marginal, tem um ponto de vista privilegiado sobre a realidade. Na qualidade de ovelhinha ridiculamente inocente, ridiculamente boa, ridiculamente paciente, o príncipe é o primeiro a ver seus próprios defeitos, apontados por todos a sua volta, e por isso consegue penetrar no interior das pessoas com uma profundidade que só quem olha para dentro de si mesmo é capaz de ter. Sim, ele é o primeiro a admitir que é um epiléptico meio sonso, que não sabe se comportar em sociedade, que não sabe se expressar corretamente, e é essa tendência de desprender-se de sua subjetividade, fruto da boa vontade que têm por todos, que o dota da sua extraordinária capacidade de descobrir os sentimentos das pessoas, suas motivações.

    Assim é que tudo o que o Idiota fala é tão desconcertante pela sua verdade que os mais lídimos representantes da boa sociedade o ignoram por completo, ou melhor varrem suas afirmações para debaixo do tapete, pela inconveniência. Quando Míchkin termina seu discurso sobre os perigos de substituir a fé na religião pela fé na falta de fé, os generais e altos funcionários a sua volta o tratam com condescendência, pedindo-lhe que modere sua exaltação. Afinal, ideias originais são supérfluas em um mundo em que as pessoas comportam-se e sentem de acordo com um roteiro pré-estabelecido: o que vale na sociedade burguesa é ter coisas para si, pessoas para si. O amor, o dinheiro, a reputação, o casamento são exclusivos, oponíveis erga omnes: o que temos para nós mesmos temos em nosso favor e contra todos os que não participam dessa propriedade.

    Ao final do livro, o príncipe volta ao lugar de onde tinha partido, uma pequena vila na Suíça, onde fica aos cuidados de um médico que o diagnostica como irremediavelmente fora de si. O refúgio dele na loucura o torna imune às mesquinharias, à velhacaria, às paixões irrefreadas que ele encontrou em sua estadia na Rússia. Prezados leitores, guardadas as devidas proporções entre o príncipe que só falava verdades e esta pobre blogueira que vos dirige suas humildes palavras, tirarei férias a partir da próxima semana para refugiar-me nas coisas belas. Ficarei longe da contagem dos votos do impeachment, do cálculo do rombo nas contas públicas, das novas revelações sobre quem pagou propinas a quem, das denúncias contra os malvados de sempre, e principalmente dos planos bombásticos do governo Temer sobre ajuste fiscal, choque de eficiência e privatização, que são sempre a fonte dos milagres no imaginário político nacional. Tenho há tantas semanas escrito sobre a novela do impeachment que faço um exame de consciência e admito à presença de todos, tal como Lev Nikoláievitch, que sou uma tremenda idiota, que fala muito, exalta-se muito e vai acabar tendo um ataque epiléptico como o príncipe teve depois de seu discurso contra o ateísmo. Considero que o melhor neste momento de tantas fofocas, maledicências e intrigas é refugiarmo-nos na beleza, e se eu escrever algo nas próximas semanas será inspirada pelas caminhadas que pretendo fazer pela Cidade Eterna. Oxalá que quando eu volte ao Brasil eu me sinta menos parva e menos confusa sobre a realidade, mantenha o foco e consiga ser produtiva e criadora como as receitas de Charles Druhigg prometem.

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Pedalando, pedalando…

Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.

Artigo 18 da Lei Complementar 101 de 2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal

“A Suíça é um país muito, muito democrático”, ele afirma cuidadosamente. “Então as pessoas querem saber o que o Estado está fazendo com o dinheiro dos impostos, e aos estrangeiros parece que os suíços votam a respeito de tudo, o que não é o caso. […] Eles não votam contra ou a favor de uma ideia, mas contra ou a favor de um projeto específico, que foi elaborado de forma que possa ser executado nas próximas quarto semanas.”

Trecho de entrevista de Christoph Becker, diretor do Kunsthaus Zurich, o principal museu da cidade de Zurique, a respeito da construção da nova ala, que foi objeto de plebiscito em 2012

    Prezados leitores, lembro do primeiro estelionato eleitoral que senti na pele. Foi em 1986, ano em que vigia o Plano Cruzado e vivíamos a euforia do seu aparente sucesso em acabar com a famigerada inflação que comia nossas carnes e nosso dinheiro. No dia 15 de novembro daquele ano elegemos 22 governadores, 49 senadores e 487 deputados federais do PMDB, o partido do governo do Presidente José Sarney. Em 21 de novembro de 1986, foi lançado o Plano Cruzado II, que descongelou os preços, aumentou os impostos e as tarifas de serviços públicos e estabeleceu um método de cálculo da inflação, usado como base para reajustes salariais, que só considerava o preço dos produtos consumidos por famílias que ganhavam até cinco salários mínimos. A população havia sido enganada e reagiu em 27 de novembro saqueando supermercados, realizando depredações e causando incêndios em Brasília. Em maio de 1987 o fracasso do Plano Cruzado foi oficialmente constatado com a substituição do Ministro da Fazenda, Dilson Funaro, por Luís Carlos Bresser Pereira.

    30 anos depois e continuamos sendo enganados pelos nossos líderes, apesar de as eleições ocorrerem a cada dois anos, o que teoricamente permitiria a nós, brasileiros, substituir os incompetentes por pessoas mais competentes e ir tentando até chegarmos ao bom governo, que hoje é expresso pelo conceito importado do inglês, governança. Como já manifestei ad nauseam neste meu humilde espaço, sou contra o impeachment de Dona Dilma Rousseff porque acho que a indignação popular contra a corrupção está sendo explorada por certos grupos que têm sua própria agenda de interesses, a qual não necessariamente é menos corrupta e mais transparente do que a agenda do PT.

    No entanto, não há como negar que assim como José Sarney fez em 1986 para ganhar as eleições, em 2014 Dilma escamoteou a real situação das contas públicas que só agora está vindo à tona na sua cruel dimensão. Sabemos hoje que a dívida pública está em 66% do PIB e pode ultrapassar 85% do PIB em 2018. Dilma pode não ter contas na Suíça como Eduardo Cunha, seu algoz, mas em 2014 levianamente rebateu as críticas da oposição ao cenário róseo dizendo que eram meras tentativas de privar os trabalhadores das conquistas sociais da era do PT no governo.

    Em suma, os debates eleitorais não esclarecem nada para nós, pobres eleitores, porque baseados na lógica da propaganda do pegar ou largar o produto, não dão oportunidade a que os candidatos admitam que a parte adversária levantou questões merecedoras de atenção. Diante de tal quadro, como podemos controlar melhor a qualidade da atuação dos líderes políticos se tudo o que falam nas campanhas é tão verdadeiro quanto o discurso de um operador de call center que começa dizendo que “você foi escolhido para ganhar…”? Se quase nada do que falam nos palanques é para valer e quase tudo para vender, como comparar a atuação com o discurso? Em um país de doutores, o governo das leis que submetem os homens será que é a solução? Dois exemplos vão mostrar a vocês que o governo das leis também é enganador.

    A Lei de Responsabilidade Fiscal teve por objetivo “estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”. Em pleno governo de Fernando Henrique Cardoso foi saudada como divisor de águas. Pois bem, 16 anos depois de sua promulgação é forçoso constatar como o faz Marcos Lisboa, presidente do Insper, que nossos governadores, do Oiapoque ao Chuí, aprenderam espertamente truques para burlar a lei. O mais conspícuo foi não considerar despesas com pessoal terceirizado como despesas de pessoal. Nisso respeitaram a letra do artigo 18 da LRF, embora certamente não seu espírito. O resultado foi que houve aumento de gastos com pessoal em TODOS os Estados brasileiros, e no Rio de Janeiro o aumento foi de quase 70%. Assim, não foi só Dona Dilma quem pedalou, os governadores andaram pedalando muito, e alguns chegaram ao cúmulo de fazerem uso de depósitos judiciais em bancos públicos, praticando a apropriação indébita. O pior é que as gambiarras continuam sob as vestes da legalidade: foram impetrados três mandados de segurança no STF (34023, 34110 e 34122) respectivamente por Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que questionam a indexação da dívida estadual e pleiteiam a aplicação de juros simples e não compostos. O julgamento do mérito está marcado para dia 27 próximo, e se vingar a proposta, os Estados poderão, sob amparo jurídico, dar um calote de R$ 300 bilhões de reais na União.

    Uma outra lei que prometeu mundos e fundos e só levou a pedaladas foi a Lei 8.666 de 1993, que instituiu “normas para licitações e contratos da Administração Pública. O objetivo era impedir superfaturamento das obras e para isso estabeleceu que a escolha do vencedor seria basicamente pelo melhor preço, isto é o preço menor, limitando o critério de melhor técnica a projetos de cunho intelectual, como consultoria (artigo 46). O resultado prático disso é que o Administrador é obrigado por lei a escolher o licitante que cobra mais barato e quando os custos da obra ultrapassam a estimativa inicial a lei estabelece a gambiarra dos aditivos (artigo 65), que permitem toda sorte de abusos sob o manto da “manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato”. A ciclovia que acaba de desabar no Rio de Janeiro foi regida por um contrato que teve 8 aditivos e custou 10 milhões a mais do que o previsto. Tudo legal e no entanto…

    Prezados leitores, se as eleições e as leis não melhoram nossa governança, o que fazer? Mobilização total permanente, isto é, o povo nas ruas a cada dois meses? Como fazer para atrair as massas se não houver um pixuleco como bode expiatório? Feliz de um pequeno país de pouco mais de 8 milhões de habitantes como a Suíça que consegue manter pressão sobre os governantes na base dos referendos. Mas eles já fazem isso há 800 anos… O jeito é nós brasileiros continuarmos pedalando até aprendermos como praticar a democracia. Oxalá que a história nos dê esse tempo antes que cheguemos à beira do abismo e precisemos nos desfazer de certas coisas para dar o salto mortal…

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Tchau Querida

Os gregos faziam uma distinção clara entre logos/ (‘relato, cálculo, explicação, história, razão, debate, discurso’, compare com ‘lógica’ e todas aquelas palavras terminadas em -logia’) e ergon (‘trabalho, feito, ação’). Para um grego, rejeitar o logos era rejeitar a expressão do pensamento; e assim acabar com qualquer possibilidade de as pessoas explicarem ou darem um motivo por que estavam pensando e agindo daquele modo; e assim impedir qualquer maneira de combatê-las – exceto, claro, pela força.

Trecho retirado do artigo “Espaço seguro na Atenas antiga”, escrito por Peter Jones, ex-professor de Estudos Clássicos na Universidade de Newcastle na Inglaterra

Em declamações frequentemente teatrais, alguns deputados fizeram uso da tribuna para aproveitar o tempo e as luzes da ribalta para enviar mensagens pessoais sem muita ligação com as manobras fiscais da Sra. Dilma Rousseff oficialmente censuradas.

Trecho retirado do artigo “Os 10 segundos de celebridade dos deputados brasileiros” publicado na versão eletrônica dojornal francês Le Monde em 18 de abril

    Prezados leitores, quando eu era adolescente eu costumava passar minhas férias de verão em Saquarema, na região dos Lagos do Rio de Janeiro. O casal que nos hospedava tinha uma linda filha loira de 8 anos, que tinha um hábito que me irritava, mas do qual eu não podia reclamar, afinal estava hospedada na casa da menina. Às oito horas Danielle, era este seu nome, ligava a televisão para assistir ao desembarque de Xuxa da sua nave cantando BOM DIA AMIGUINHOS, JÁ ESTOU AQUI, TENHO TANTAS COISAS PARA NOS DIVERTIR QUERO OUVIR TODOS VOCÊS CONTAR ATÉ TRÊS… Danielle sempre dançava em frente à televisão ao som da música de abertura do Show da Xuxa e sempre me acordava. Talvez minha birra com a Xuxa venha daí, da lembrança das botas brancas da apresentadora pisando depois de “aterrissar” nos lares de milhares ou milhões de crianças que acompanhavam o ídolo todos os dias.

    No dia 17 de abril de 2016 o programa da Xuxa veio-me à cabeça enquanto eu acompanhava o desenrolar da votação sobre a admissibilidade do impeachment da Presidente da República. Devo confessar que minha versão dos fatos está prejudicada porque eu apenas ouvi os deputados darem suas razões para o sim ou para o não. O sinal da TV a cabo em meu apartamento foi interrompido por volta das 8 da noite e fiquei sem televisão e sem internet. De qualquer forma, a razão pela qual relacionei o programa da Xuxa à votação do segundo processo de impedimento em menos de 30 anos em nossa Nova República foi porque ouvi tantos e tantos deputados agradecendo pais, ou votando em nome de filhos, filhas, netos nascidos e vindouros que não pude deixar de lembrar das crianças a quem Xuxa dava o microfone para mandar beijos a alguém. As crianças aproveitavam a oportunidade e desembestavam a enumerar rapidamente os recipientes dos seus beijos. A pressa era porque “tia” Xuxa cortava a fala das crianças já que precisava seguir o roteiro do programa.

    Ontem, ao contrário, não havia um roteiro, afinal era a festa da democracia e os deputados puderam falar à vontade, apesar de que oficialmente tinham só 10 segundos para fazê-lo. Tanto falaram à vontade que o resultado saiu ao menos duas horas mais tarde do que o esperado. A princípio é louvável que os congressistas tenham se estendido tanto, o que mostra que explicaram seu voto exaustivamente. Será? Será que houve o exercício do logos grego de que fala Peter Jones, além dos beijinhos aos amiguinhos que estavam assistindo pela TV ou pelo I -phone ou ouvindo pelo radinho de pilha como esta que vos fala?

    Houve a cuspida de Jean Wyllys do PSOL do Rio de Janeiro em Jair Bolsonaro, houve vociferações contra Eduardo Cunha, que foi chamado de gângster, e contra Michel Temer, que foi chamado de traidor. Houve até um deputado que se disse contra a Rede Globo e que por isso votou pelo impeachment, algo totalmente incongruente visto que a Vênus Platinada fez questão de transmitir a sessão do Congresso e para garantir audiência obrigou os times de futebol a reagendarem os jogos dos campeonatos estaduais. A Globo com certeza tinha certeza da vitória do sim, se não tivesse teria ignorado o evento, como ignorou os comícios pelas Diretas Já no longínquo 1984 e como ignorou a manifestação pró-Lula que aconteceu em São Paulo em 18 de março deste ano.

    Muitos motivos, menos rocambolescos do que ser contra a Rede Globo, foram dados para o voto a favor do impeachment: os 10 milhões de desempregados, o fechamento de empresas devido à crise econômica, a fidelidade às diretrizes do partido, a necessidade de virar a página, a defesa dos trabalhadores de tal região ou cidade, a luta contra a tentativa de tornar o Brasil uma república bolivariana, evitar ofensas a Israel. Não lembro de nenhum dos deputados que tiveram seus 10 segundos ou mais de fama que usaram o microfone para expor o motivo de Dona Dilma Vana Rousseff ter cometido o crime de responsabilidade de que é acusada. Um dos deputados chegou a mencionar o artigo 85 da Constituição Federal, mas não foi além disso. Alguns dirão que a acusação específica já havia sido tratada por Janaina Conceição Pascoal e Miguel Reale, que certamente mencionaram em seu pedido de impeachment o artigo 10 da Lei 1.079. E além disso dirão que a acusação foi corroborada pelo relator do processo, Jovair Arantes, que da tribuna do Parlamento denunciou o atraso nos repasses do governo ao Banco do Brasil, ao BNDES e à Caixa, os quais tiveram que usar recursos próprios para pagar o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e o Plano Safra, significando na prática um empréstimo ao governo não previsto na lei orçamentária.

    Tudo isso é verdade, mas permanece o fato de que pouquíssimos brasileiros acompanharam a acusação de Miguel Reale, a defesa de José Eduardo Cardoso ou a explanação de Jovair Arantes. O que a maioria de nós realmente acompanhou foi a votação propriamente dita, e o que ficou patente foi que as razões jurídicas, que certamente existem, eram irrelevantes para os 504 deputados que expressaram sua opinião ao microfone na frente do “titio” Eduardo Cunha. A própria frase Tchau Querida estampada nos cartazes dos favoráveis ao impeachment mostra que há uma antipatia pessoal à Presidente, ao seu jeito mandão, explosivo, à sua falta de capacidade de negociar. Em suma, explicações consistentes, com premissa maior, premissa menor e conclusão ficaram a cargo dos especialistas, que não decidiram nada, apenas deram a largada à corrida.

    Quem decidiu foram deputados que, tanto no lado do sim quanto do não, mostraram que a nossa democracia, reiniciada em 1989 com as eleições diretas para Presidente, ainda é perigosamente frágil: vive não do diálogo entre partes que de boa fé tentam chegar a um consenso, após concordarem sobre aquilo que é motivo de discórdia, mas dos beijinhos, das frases de efeito, dos insultos regados a “Vossa Excelência”, das gozações pessoais, da maldade embutida no “Querida”, da ameaça explícita do “Estou de olho em você, Cunha!” ou da ameaça velada do próprio Cunha sorrindo com o canto da boca. Enfim, na nossa democracia tupiniquim, é tudo pessoal, nada é objetivo, tudo é ergon, nada é logos: neste 2016 uma das partes agiu com determinação e persistência e conseguiu derrotar a outra, atropelada pela velocidade dos acontecimentos e pela união cerrada dos seus oponentes. E claro, tudo regado a violações sistemáticas à nossa pobre língua, assediada e estuprada por nobres deputados que não sabem pronunciar as palavras e esquecem de usar o plural no calor da contenda.

    Prezados leitores, oxalá que Dilma seja defenestrada em menos de seis meses. Não porque eu acredite na legitimidade ou na oportunidade do processo, longe disso. Mas porque quero varrer da minha memória até 2018 as provas irrefutáveis da qualidade sofrível da nossa representação política, motivo de chacota internacional. É este o estado da nossa democracia: tudo se resume a um “O Lula é um vagabundo, f.d.p.” como disse a mim uma amiga, e o mesmo certamente foi dito sobre Eduardo Cunha pela parte adversária. O único alívio da minha angústia existencial na noite de domingo foi que o Tiririca foi comedido e só disse sim ao microfone.

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Um dia…

Para os hedge funds a operação foi como tirar a sorte grande: NML, o fundo pertencente ao bilionário americano Paul  Singer, deve assim embolsar perto de 2 bilhões de dólares em troca de títulos comprados por 80 milhões de dólares nos anos 2000. Um valor agregado de mais de … 2.500%! Isso fez com que Roberto Lavagna, Ministro da Economia no momento da reestruturação da dívida argentina em 2005, afirmasse que o acordo assinado por Macri é “ruim e extremamente oneroso” para o país.

Trecho do artigo “A Argentina finalmente livra-se dos fundos-abutre”, publicado na edição eletrônica do jornal francês Le Monde em 31 de março de 2016 a respeito do acordo aprovado pelo Congresso da Argentina pelo qual o país concorda em pagar aos fundos especulativos o valor de 4,65 bilhões de dólares em troca da emissão de novos títulos de dívida no valor de 12,5 bilhões de dólares.

A Islândia raramente é manchete na imprensa mundial e para a maioria das pessoas provavelmente é a primeira vez que ouviram falar do Primeiro-Ministro do país. Há um bom motivo para a obstinada falta de interesse da mídia global a respeito da Islândia nos últimos anos: o país recuperou-se da crise financeira colocando na cadeia 29 banqueiros corruptos e recusou-se a pagar credores estrangeiros desde quando a crise financeira devastou sua economia em 2008.

Trecho do artigo “Os Documentos do Panamá: por que a Islândia?” do jornalista Gearóid Ó Colmáin, a respeito da revelação de que o primeiro-ministro da Islândia, Sigmundur Davíð Gunnlaugsson, tem uma empresa offshore, a Witris

    Prezados leitores, devo confessar-lhes uma coisa, que talvez já tenha se mostrado óbvia em meus artigos. Tenho um fraco por teorias da conspiração e tento estabelecer conexões entre fatos isolados. Como não tenho ferramentas investigativas, já que não sou jornalista nem espiã, não tenho condições de provar minhas conjecturas, e por isso elas serão totalmente despretensiosas, a tal ponto que apenas relacionarei abaixo algumas perplexidades sobre fatos que me intrigam, mas para os quais talvez jamais terei resposta satisfatória.

    Um dia talvez saberemos por que o juiz Sérgio Moro fez a divulgação ilegal das conversas telefônicas entre Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. Ele disse que não foi um ato político, mas certamente não foi um ato jurídico, porque desculpou-se pela bêtise ao STF. Claro, a preocupação com um ato ilícito cometido por um juiz federal é uma mera “aflição das classes intelectuais” como disse J. R. Guzzo na Veja de 13 de abril. De qualquer forma, fica aqui registrada minha curiosidade.

    Um dia talvez saberemos por que Sérgio Moro foi alçado à condição de formador de opinião, com direito a manifestar-se sobre a Operação Lava-Jato na meca do Ocidente, onde as ideias que realmente prevalecem se formam, os Estados Unidos, onde nosso herói-magistrado ou magistrado-herói falou por uma hora em Chicago, convidado pela Associação de Estudantes Brasileiros. Os outros palestrantes foram um banqueiro, Pérsio Árida, do BTG Pactual, o banco do senhor André Esteves, preso há alguns meses por suas operações obscuras, e Marina Silva, fortíssima candidata nas próximas eleições presidenciais. Um dia talvez saberemos que foi neste encontro entre Marina e Sérgio que surgiu o convite para um cargo em um futuro governo sustentável e convergente positivo da REDE. Afinal Marina sempre enfatiza que se um dia for presidente vai escolher os melhores para compor o Ministério.

    Um dia talvez saberemos se as revelações trazidas pelos documentos do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca foram selecionadas para sujar ainda mais a reputação daqueles que fazem parte do eixo do mal do Ocidente, ou melhor da “comunidade internacional”. Afinal, as velhas bêtes noires estão na lista dos sonegadores de impostos: Vladimir Putin, presidente da Rússia na verdade, amigos dele, o que tem o mesmo efeito de manchar ainda mais a reputação deste novo Hitler, como o denominou Hillary Clinton; Bashar Assad, na verdade, primos dele, deste homem que jogou gás em seu próprio povo, como acusou os Estados Unidos; Xi Jinping, presidente da China, na verdade oito parentes e amigos de Xi, líder de um país que ousa defender seus próprios interesses, na arena internacional, doa a quem doer; Jean-Marie e Marine Le Pen, políticos franceses que criticam a União Europeia e a ordem global de que a EU é um dos símbolos mais gritantes; Sigmundur Gunnlaugsson, primeiro-ministro da Islândia, país que preferiu dar calote nos credores internacionais a fazer seus 300.000 habitantes pagarem a conta da orgia financeira. Um dia talvez saberemos que a inclusão de David Cameron, um dos líderes do eixo do bem, na lista negra do Mossack Fonseca, como detentor de ações em empresas abertas em paraísos fiscais, foi apenas para dar uma disfarçada nos reais objetivos da divulgação.

    Um dia saberemos se o tango dançado por Obama na Argentina em sua visita oficial ao país em 23 de março e sua afirmação de que vai ajudar a Argentina “a recuperar seu papel de liderança global” foram afagos ou gentis pressões que acabaram convencendo o presidente argentino Mauricio Macri a entrar em acordo com os fundos-abutre que compraram títulos da dívida argentina a preço de banana e receberão o valor de face, algo que Cristina Kirchner (aliás, outra sonegadora de impostos na lista panamenha) recusava-se a fazer.

    Um dia saberemos se é ou não mera coincidência ter havido impeachment do Presidente do Paraguai, Fernando Lugo em 22 de junho de 2012, após um rito que durou um pouco mais de 24 horas, e ter havido impeachment de Dilma Rousseff no Brasil em 2016. Talvez saberemos com certeza se há uma tendência nesse sentido se algum outro líder latino-americano for destituído do cargo no futuro próximo com base em acusações polêmicas.

    Um dia saberemos se uma das razões por que Dilma Rousseff caiu em desgraça na comunidade internacional foi porque não aceitou o embaixador que Binjamin Netanyahu havia indicado em agosto de 2015, Dani Daya, líder de 2007 a 2013 do conselho Yesha (representante dos 500 mil colonos israelenses na Cisjordânia em Jerusalém Oriental). Na queda de braço entre Dilma e Bibi, o primeiro-ministro israelense acabou cedendo e mandou Dani Daya para Nova York como cônsul-geral e o embaixador voltou a ser Reda Mansour.

    Prezados leitores, reitero que minhas perplexidades são de uma pessoa que tende a achar, como colocou Tolstói em Guerra e Paz, que os atos realizados pelos homens acabam tornando-se irrevogáveis e entram para a história, na qual deixam de ser livres e acabam adquirindo um significado predestinado. São as tais das correntes invisíveis de que ele falava. Vivemos momentos interessantes na cena mundial, a crise da União Europeia causada pela migração em massa, o Oriente Médio em chamas, o terrorismo, os desdobramentos da crise financeira em termos de desemprego, as disputas geopolíticas entre os Estados Unidos e seus rivais asiáticos, China e Rússia. E no Brasil esta crise política que tudo leva a crer nos encherá cada vez mais de ódio uns contra os outros. Ninguém tem condições de saber para onde caminhamos, simplesmente porque não sabemos quais correntes invisíveis nos carregam. Quais têm mais força? Quais são fracas a ponto de serem irrelevantes? Todas as minhas perplexidades podem ser fantasias de quem aflita, quer saber o que lhe passa pelos pés, e quer tentar adivinhar atirando em todas as direções. Um dia talvez, daqui a alguns anos, eu saberei. Ou, pode ser que o primeiro-ministro da China em 1972 Zhou Enlai estivesse certo quando foi perguntado sobre o efeito da Revolução Francesa, e ele simplesmente disse: muito cedo para dizer.

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Fratura do Brasil

As ideologias chocam-se até mesmo nos tribunais, e aqueles cujas objeções a uma decisão são motivadas pela ideologia provavelmente não tentarão tornar mais fácil a fruição do conteúdo da decisão para aqueles que foram favorecidos por ela. […] No final das contas, tentar usar a lei para resolver disputas motivadas pela ideologia pode ser comparado a aplainar águas revoltas usando lixa, cujo único efeito é irritar os protagonistas.

Trecho retirado do artigo “Os tribunais americanos estimulam o conflito social” escrito pelo professor aposentado de filosofia e lógica John Kozy

O Brasil sempre foi um país intolerante e, de vários modos, autoritário. Construímos um conjunto de disfarces formais e meramente rituais para enfrentar o desconforto da intolerância e das injustiças que dela decorrem. Mas, nos momentos de crise e de tensão sociais, os disfarces derretem-se sob o calor da hora e ficamos nus diante do espelho. Nunca conseguimos construir uma verdadeira identidade nacional.

Trecho retirado do artigo “Pequena injustiças no calor da hora” escrito pelo sociólogo José de Souza Martins

    Prezados três leitores que acompanham meu humilde blogue. Há algumas semanas eu falei de um livro “Three Felonies a Day” em que o autor fazia duras críticas às transações penais típicas do direito estadunidense, a começar pela confissão espontânea pela qual o acusado concorda em admitir a autoria de determinado crime e em fornecer informações às autoridades para que prossigam as investigações em troca de uma pena menor. Como nosso judiciário têm usado muito esse instituto para caçar os corruptos brasileiros, achei relevante mostrar o lado negro da delação premiada que, se é novidade para nós, para os americanos já é prática consagrada. Nesta semana, meu alvo é outro instituto, o direito baseado na jurisprudência, que está tornando-se prevalente no Brasil. Meu objetivo não é deter-me sobre ele em detalhes, mas explicar a crítica feita a ele para ilustrar um ponto.

    No ensaio de John Kozy citado na abertura deste artigo, o alvo do filósofo americano não é a plea bargaining mas a tal da common law, isto é a utilização de decisões precedentes a respeito de casos semelhantes como respaldo para o juiz dizer o direito, em outras palavras dizer quem tem razão. Para Kozy, na prática o que o juiz faz é escolher aquele caso anterior que mais bem se adequa à sua própria ideologia, num processo que o autor chama de arbitrário e subjetivo. Em última análise, os Estados Unidos são um país “fraturado ideologicamente”, o que se reflete no Judiciário, que para o ensaísta acaba transformando-se em uma oligarquia travestida de “democracia esclarecida”. Oligarquia porque os valores que determinam as decisões acabam sendo os valores de um determinado grupo.

    O ponto que quero abordar ao apresentar o lado negro da tomada de decisões com base em casos precedentes conforme visto por John Kozy é que ao importarmos institutos do direito americano para nosso direito acabamos importando tanto a eficácia e a celeridade da delação premiada para obter condenações, quanto o seu potencial para tornar-se arma de vingança política. De maneira análoga, ao importarmos a ideia da common law de que a fonte do direito não é somente a lei escrita, mas interpretações passadas dos juízes, podemos até conseguir uma maior estabilidade e uma maior celeridade nas decisões, já que casos semelhantes serão enquadrados em um padrão já estabelecido, mas ao mesmo tempo estamos escolhendo um determinado caminho decidido por um determinado grupo de juízes nas cortes superiores que tem lá seus valores. Esse modo de decidir, longe de transformar-se em unanimidade, acaba sujeito a disputas. Vou dar-lhes um exemplo prático para tornar meu palavrório teórico mais palatável.

    Em 19 de março de 2016, Gilmar Mendes concedeu liminar suspendendo a nomeação de Lula para a Casa Civil, porque entendeu que isso era simplesmente uma manobra para atrapalhar as investigações sobre as atividades do ex-presidente a cargo da Justiça Federal e para conseguir foro privilegiado. Mendes inclusive ordenou a remessa dos autos do processo contra Lula, já denunciado pelo Ministério Público, de volta a Moro, que com certeza decretaria prisão preventiva se tivesse a oportunidade de fazê-lo. Pois bem, a Advocacia-Geral da União recorreu e o Ministro Teori Zavascki em 23 de março decidiu de maneira diferente, mandando que o processo fique com o STF e denunciando a divulgação dos grampos telefônicos feita por Sérgio Moro, juiz de primeira instância, como ilegal (aliás, meu trio de leitores deve lembrar-se que em 21 de março eu denunciei a besteira de Moro aqui neste meu obscuro blogue).

    Os dois egrégios ministros alegaram em seus relatórios que se basearam na jurisprudência anterior do STF e no entanto decidiram de maneira diametralmente oposta: um queria o Lula nas mãos do Moro, o outro livrou o ex-futuro Chefe da Casa Civil das garras do juiz com fama de justiceiro que condena todos os que passam por seu crivo. Como lidar com tais diferenças? Será que elas ilustram à perfeição o aspecto negativo da jurisprudência apontado por John Kozy, que é ser uma ferramenta para o juiz dar um verniz de juridicidade e respeitabilidade a uma decisão que é exclusivamente baseada em suas predileções? Afinal, na mesma semana em que Gilmar decidiu contra Lula ele almoçou com José Serra e Armínio Fraga, dois dos mais autênticos representantes do tucanato. Seu “inimigo” na Corte Suprema, Teori Zavascki, acaba de rejeitar em 4 de abril duas ações impetradas pelo PSB e PSDB que alegam inconstitucional a nomeação de Lula para a Casa Civil. Teori valeu-se novamente da jurisprudência para embasar sua decisão favorável ao petista.

    A impressão que fica para nós brasileiros é que a fratura ideológica que existe na sociedade brasileira também acaba ocorrendo no Judiciário, por mais que a argumentação jurídica tente esconder isso. Tanto é verdade que os favoráveis ao impeachment penduraram uma faixa no prédio do juiz catarinense com os dizeres “deixe o Moro trabalhar”. E é por isso que sob essa perspectiva, dizer que o impeachment é golpe não parece assim tão absurdo como quer fazer crer a maior parte da imprensa que vê todo esse processo como o exercício pleno da democracia, a prova cabal de que as instituições estão funcionando. É verdade que estamos seguindo todos os ritos ordenados pela Constituição e serão os representantes do povo e não os generais, como foi em 1964, quem decidirão. Por outro lado, aqueles que são favoráveis ao PT ficarão, caso o impeachment passe, com um gosto amargo na boca: gosto de termos presenciado, como afirmou o sociólogo Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT entrevistado pelo Globo em 3 de abril, um “jogo pesado” que não chegará a ser a tomada de poder à força pelos militares que ocorreu há 52 anos, mas será uma demonstração de que aqueles que sempre tiveram má vontade em relação ao PT agarraram-se à primeira oportunidade para derrubá-lo sem dó nem piedade, sem se importar com as consequências para o país de ter um governo federal sem ação, totalmente focado em sobreviver, e sem se importar com a incongruência de ter um processo de impeachment liderado entre outros por um indivíduo como Eduardo Cunha.

    Prezados leitores, no final das contas, com impeachment ou sem impeachment, não teremos paz neste país, teremos protagonistas ainda mais irritados porque perderam a disputa e não se conformarão. As consequências de longo prazo para essa falta de consenso no Brasil, veremos nas eleições de 2018 e no sucesso ou não de alguma tentativa de reforma de envergadura, seja política, tributária ou outra, que porventura um novo governo tente fazer.

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