Mea culpa

O que surpreende não é que a esmagadora maioria da mídia de qualidade esteja rejeitando Trump. Afinal, do meu ponto de vista, ele merece a descrição que dele fez “The Atlantic” (o mais ostensivamente desqualificado candidato de um grande partido em 227 anos de história da Presidência americana), ao optar por Hillary. O que surpreende é que o republicano ainda tenha chances de vitória, mesmo que as mais recentes pesquisas indiquem vantagem para a candidata democrata

Trecho de artigo publicado pelo jornalista Clóvis Rossi em 9 de outubro intitulado “Trump contra a mídia”

Por fim, a mídia não pode ser culpada por não endossar a agenda de Trump. Fazê-lo equivaleria a jogar no lixo posições que jornais como o “Washington Post” e o “New York Times” defendem historicamente. A maioria dos americanos, aliás, tampouco a endossou. Ele ganhou pelo esdrúxulo modelo de Colégio Eleitoral. É um presidente legítimo, mas é uma agenda levemente minoritária, insisto.

Trecho de artigo publicado pelo mesmo jornalista em 14 de novembro intitulado “A mídia não tem culpa”

    Prezados leitores, é minha obrigação pedir-lhes desculpas por duas grandes bobagens que falei a respeito das eleições americanas. Em primeiro lugar, eu disse que a linguagem crassa utilizada por Trump para falar das mulheres faria com que ele não tivesse o voto das mulheres com educação superior, o que lhe seria fatal. Tal previsão provou ser uma meia-verdade. Hillary Clinton teve o voto de 54% das americanas com nível superior, contra 45% de Donald Trump, mas por outro lado, Donald Trump obteve 62% dos votos de mulheres sem diploma universitário, enquanto Hillary Clinton obteve 34%, de acordo com a CNN. Isso significa que os votos que Trump perdeu entre as mulheres educadas por revelar-se machista foram compensados pelos votos das mulheres pertencentes à famigerada classe dos deploráveis, os quais compõem 95% da população para a qual a renda e o patrimônio diminuíram, de acordo com as estatísticas do Federal Reserve e da Renda Nacional., pois o crescimento econômico só beneficiou os 5% mais ricos. No frigir dos ovos, o Aprendiz teve 42% dos votos femininos contra 54% de Hillary, cujo desempenho entre suas companheiras de sexo foi pior do que o de Obama em 2012 (55%) e 2008 (56%), de acordo com o Pew Research Center.

    Minha segunda bobagem foi na semana passada ter condenado à extinção os brancos que perderam postos de trabalho em fábricas com a globalização e estão tendo que obter renda prestando serviços, o que no geral, não se revela tão seguro quanto os antigos empregos de operário. Afinal, há serviços e serviços: uma coisa é ser programador no Vale do Silício, na Califórnia, que aliás votou por Hillary Clinton, outra coisa é ser caixa de supermercado no Walmart, ou garçom ou cuidador de idosos. Todos prestam serviços, mas uns tem benefícios indiretos e trabalham em tempo integral, outros têm poucos benefícios ou nenhum, recebendo por hora e trabalhando parcialmente em atividades que podem ser bem estressantes. Pois bem, 52% dos perdedores ressentidos com a situação econômica, aqueles sem formação universitária, votaram em Donald Trump, ao passo que 44% apoiaram Hillary, a maior discrepância já verificada desde a década de 1980, de acordo com o Pew Research Center. Considerando só a população branca, independentemente da escolaridade, Trump obteve 58% dos votos contra 37% de Hillary.

    Feito meu mea culpa com base no que de fato aconteceu, peço a jornalistas renomados como Clóvis Rossi calçaem as sandálias da humildade, o que obviamente ele não fez, como mostra em seu artigo depois da eleição, e nem vai fazer, porque não há chance nenhuma de ele ler meu humilde artigo, escondido num canto obscuro da internet. Para luminares como Rossi, se Donald Trump foi eleito contra todas as previsões das pesquisas, a mídia não tem nada a explicar. Em primeiro lugar, a culpa é dos institutos de pesquisa, sobre cujas atividades os jornais e revistas não têm e nem podem ter a mínima responsabilidade. Em segundo lugar, quem é culpado são os deploráveis que votaram em Trump contra o conselho mais sábio dos reputados órgãos de imprensa que apontaram o aprendiz como um bufão, falastrão e despreparado para o cargo. A tarefa dos jornalistas da grande imprensa é simplesmente lamentar o que ocorreu e minimizar a importância do descontentamento que levou o “fascista” ao poder, baseando-se no fato de que Hillary Clinton ganhou no voto popular, já que ela teve muitos votos em Estados de grande população, como Califórnia e Nova York, apesar de Trump ter ganho na maioria dos Estados, naquilo que os americanos chamam de fly-over country. A outra tarefa dos jornalistas da grande imprensa é manterem-se fiéis aos princípios e ética de vetustos veículos como o Washington Post e o New York Times, o que inclui o apoio à tolerância, à diversidade, à igualdade de gênero.

    Essa auto complacência é de amargar. Uma coisa é errar previsões e todos erram, outra coisa é deixar de relatar fatos que não respaldam aquilo que os órgãos de imprensa querem que aconteça e isso aconteceu sobejamente durante as eleições de 2016 nos Estados Unidos. Para quem via nas mídias sociais as imagens das pessoas esperando horas sob a neve para entrar nos comícios de Trump e para quem soube pelas notícias curtas divulgadas no Twitter que Hillary Clinton muitas vezes teve que cancelar comícios porque não tinham quórum, a vitória do falastrão não é nenhuma surpresa. Ao contrário, considerando que os comícios de Trump, divulgados no youtube, mostravam pessoas altamente motivadas por um indivíduo que falava dos problemas que essas pessoas enfrentam no seu cotidiano (falta de empregos, alto preço do seguro-saúde, vulgo Obamacare), não é de admirar que o candidato “bufão” tenha levado a melhor sobre uma candidata que fez muito menos comícios e preferia reunir-se com seus doadores de campanha. Estes lhe deram um bilhão de dólares para contratar especialistas em Big Data, realizar pesquisas de opinião com as ditas minorias e fazer anúncios mostrando como Trump era xenófobo, racista e machista.

    A grande imprensa e Hillary Clinton formaram uma simbiose perfeita. Há anos sobrestima-se a tal da recuperação econômica dos Estados Unidos depois da debacle de 2008 e minimizam-se os problemas. Fala-se que o desemprego está em 5,3%, de acordo com o CIA Factbook, uma estatística que não leva em conta as pessoas que já desistiram há muito de procurar um trabalho, fala-se que o Obamacare proporcionou cobertura de saúde a milhões de pessoas. Não há menção ao fato desagradável de que o preço do seguro-saúde do Obamacare está disparando para pessoas jovens e saudáveis como compensação às seguradoras para aceitarem indivíduos que certamente lhes darão prejuízo, de acordo com o professor da Universidade de Missouri, Michael Hudson.

    O quadro róseo pintado pela “mídia de qualidade” permitiu à Hillary vender-se como a candidata da continuidade, como se continuar como está fosse interessante aos americanos. Se tudo está bem, se basta seguir o curso, as pessoas podem dedicar-se a policiar-se para não adotarem discursos racistas, sexistas, xenófobos. Não admira que Hillary tenha enfocado tanto as gafes de Donald Trump e ignorado totalmente as angústias econômicas sentidas por uma parcela da população que não tem certeza sobre o futuro porque não conseguiu ainda um lugar ao sol na maravilhosa economia de serviços. A imprensa reforçava a noção de que votar em um dono de cassinos, em um galo de briga como Trump – que se tivesse nascido no Complexo da Maré no Rio de Janeiro certamente teria sido chefe dos traficantes, teria o apelido de Alemão ou Garfield e teria sido assassinado por policiais e sido carregado no Caveirão do BOPE –, era tão obviamente absurdo que não era preciso que a candidata oficial abordasse os reais problemas das pessoas, que incluem também a disputa das escassas vagas de trabalho com imigrantes legais e ilegais.

    Prezados leitores, esse grande desprezo da grande imprensa pelo homem comum coloca em perigo o debate equilibrado e a busca de consenso. Enquanto o quarto poder continuar minimizando os efeitos negativos da globalização e pior, estigmatizar os pessimistas e descontentes como racistas, xenófobos e sexistas, haverá cada vez mais votos de protesto e surpresas como Donald Trump. A caixa de pandora está aberta e em 2017 ela pode trazer à luz Marine Le Pen como a próxima presidente da França, outra que é fustigada pela mídia de seu país tanto quanto Trump foi e continua sendo. Se a grande imprensa continuar a olhar para o próprio umbigo jactando-se com a correção das suas ideias, sua credibilidade diminuirá cada vez mais, e ela vai tornar-se irrelevante frente aos tweets e memes das mídias sociais, que informam tanto quanto empobrecem o debate das ideias, transformando tudo em disputas entre partes irreconciliáveis. Clóvis Rossi e seus colegas, por favor, façam seu mea culpa e admitam que têm falhado em mostrar a vida como ela é. A democracia agradece.

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Tchau, queridos!

Quem desperdiça e consome em bebida o dinheiro do fundo comunitário, da escola, da igreja? O mujique. Quem rouba os vizinhos, provoca incêndios de propósito e presta falso testemunho na justiça, em troca de uma garrafa de vodca? Quem, na assembleia do conselho local e em outras reuniões, se pronuncia contra os mujiques? O mujique. Sim, viver com eles é horrível, mas também são gente, sofrem e choram feito gente, e na vida deles não existe nada que não possa encontrar uma justificação.

Trecho retirado do conto “Os Mujiques” do escritor russo Anton Tchekhov

Donald Trump. O que ele representa na psiquê americana e europeia? Ele representa o lixo branco americano, [que Hillary Clinton chamou] de ‘deploráveis e irredimíveis’. Isso significa que do ponto de vista do establishment ou de um cosmopolita educado, essas pessoas são como os caipiras, e não se pode jamais lidar com eles — por meio das suas palavras e ações e do tipo de pessoa que comparece a seus comícios — Trump representa as pessoas que não são da classe média e nem da classe média alta qualificada, há um medo de ver-se associado de alguma maneira a eles, uma fobia social que diminui o status de classe de qualquer pessoa acusada de uma maneira ou de outra de ajudar Trump de alguma forma, incluindo alguma crítica a Hillary Clinton.

Trecho de entrevista dada por Julian Assange a John Pilger, fundador do Wikileaks, que está refugiado na embaixada do Equador em Londres desde agosto de 2012

    Prezados leitores, o Sr. Julian Assange não vê a luz do dia há quatro anos. O aparato policial que impede que o programador e jornalista saia do cafofo proporcionado pelo governo do Equador, que aceitou seu pedido de asilo político, custa ao governo britânico 12,6 milhões de libras esterlinas. Julian não pode ver a luz do sol porque se abrir a janela ele será imediatamente preso e extraditado para os Estados Unidos. Provavelmente não mais para a Suécia, porque a acusação de estupro que pesava sobre Assange foi retirada pela promotora de Estocolmo, Eva Finne, que constatou que a polícia havia forjado a história do estupro, o que foi admitido pela suposta vítima. Em fevereiro de 2017 haverá eleições no Equador, e se o novo presidente for mais amigo do governo americano, o favor prestado a Julian será retirado e ele será enviado aos Estados Unidos.

    Julian Assange é um homem muito perigoso. O Wikileaks tem revelado várias coisas a respeito do Partido Democrata e de sua candidata à Presidência, Hillary Clinton. Os e-mails hackeados do coordenador da campanha de Hillary, John Podesta, mostram que pessoas eram pagas para provocar o público nos comícios de Donald Trump e causar confusão, de modo que pudesse ficar evidente o quanto os eleitores do fanfarrão fascista. Como ele normalmente é qualificado, são brutos. O toma lá dá cá entre Hillary Clinton como Secretária de Estado e os líderes de diferentes países também ficou evidente. Marrocos deu 12 milhões de dólares à Fundação Clinton, Catar deu um milhão de dólares e em troca o representante do país foi recebido pelo excelentíssimo fumador de charutos Bill. A Arábia Saudita é doadora de dinheiro para as atividades benemerentes de Hillary e Bill e em troca quando Secretária de Estado a candidata a Presidente aprovou o maior acordo de fornecimento de armas jamais assinado, de 80 bilhões de dólares. Aliás, em dólares as exportações de armas dos Estados Unidos duplicaram durante a permanência dela naquele cargo. O Wikileaks, ao mostrar os e-mails que a candidata democrata guardava em seu servidor pessoal também revelou o papel fundamental que ela teve na invasão da Líbia, que causou a morte de 40.000 pessoas no país e ao destituir e matar Gaddafi abriu caminho para o caos, já que enquanto havia um governo comando pelo famigerado ditador a Líbia policiava o Mediterrâneo. O resultado é o que vemos agora: as levas e levas de migrantes tanto da África quanto do Oriente Médio chegando às costas da Sicília e da Grécia.

    No entanto, o que Dona Hillary realmente fez ao longo de sua carreira política, sua venalidade e sua atuação como agente da expansão dos tentáculos do Império Americano no mundo, não é importante, é um mero detalhe. O importante é o que ela representa, ou quem ela representa, em oposição a Donald Trump. Hillary Clinton representa os americanos que são “abertos para a diversidade”, nas palavras da revista VEJA, mais escolarizados, mais novos, mais otimistas, mais femininos. Donald Trump representa os homens brancos, nostálgicos em relação aos Estados Unidos que não tinham tantos mexicanos e que não tinham tanta desigualdade, os que não têm diploma universitário, as pessoas com mais de 50 anos, a classe operária que perdeu emprego com a transferência de fábricas para outros locais fora dos Estados Unidos, em nome do princípio sagrado da globalização das cadeias globais de suprimento.

    Em suma, Donald Trump é o porta-voz do lixo branco racista, machista, xenófobo, Hillary Clinton é a porta-voz das pessoas tolerantes, daqueles que não temem a globalização e as mudanças profundas que ela trouxe ao país, seja porque conseguiram um lugar ao sol e não foram atingidos pelo desemprego estrutural, seja porque embora não tenham sido beneficiados pelo enxugamento da base manufatureira do país (responsável por aproximadamente 19,4% do PIB em 2015 de acordo com dados do World Factbook da CIA) e pela expansão do setor de serviços (responsável por 79,5% do PIB do país em 2015 de acordo com dados do World Factbook da CIA) fazem parte de alguma minoria ou grupo considerado em desvantagem que recebe benefícios sociais do Estado. Ao lixo branco simbolizado por Trump, na época em que os Estados Unidos viviam em grande prosperidade industrial, ofereciam-se empregos em número suficiente para que pudessem caminhar com suas próprias pernas. Atualmente, nem todos conseguem adequar-se ao perfil de prestadores de serviços. O resultado em termos de qualidade de vida já se faz sentir. Um relatório, preparado por David Squires e David Blumenthal do Commonwealth Fund revela que entre 1999 e 2014 as taxas de mortalidade de americanos brancos com 56 anos de idade aumentou, devido principalmente a suicídios, overdose de drogas e doenças do fígado causadas pelo álcool. Tal aumento da mortalidade verifica-se especialmente em sete Estados do Sul dos Estados Unidos, Virgínia Ocidental, Mississipi, Oklahoma, Tennessee, Kentucky, Alabama e Arkansas.

    É nesse sentido que a eleição de 8 de novembro representa um ponto de inflexão. Se a vitória de Hillary Clinton confirmar-se, será o dobrar dos sinos para aqueles desdenhados pela candidata como deploráveis. Nos debates com Donald, ela propôs um caminho para a cidadania americana, que na prática significa anistiar os imigrantes ilegais, o que obviamente vai incentivar os fluxos de pessoas. Em outras palavras, mais concorrência pelas vagas de emprego para os brancos americanos sem ensino superior que não mais têm a chance de ter uma vida digna como operários. O bilionário ao contrário, promete um alento para o lixo branco construindo na fronteira com o México um muro para coibir a imigração ilegal e promete impor sobretaxas nos produtos importados pelas multinacionais para incentivar a relocalização das fábricas nos Estados Unidos.

    Diante desse quadro que tentei abreviadamente descrever, não admira que os perdedores da globalização e da diversidade tenham se encantado pelo discurso incendiário de Donald Trump. Como não ter pena desses pobres coitados cujos avós sustentavam a família trabalhando na fábrica e que agora vivem mergulhados no álcool ou na heroína? Mas assim é a vida. Os índios foram exterminados impiedosamente por esses homens brancos para ocupar a massa de terá entre o Oceano Atlântico e o Pacífico, agora os brancos da classe baixa devem dar lugar aos não brancos para que a globalização possa consolidar-se sem atropelos. Só nos resta dizer a esse deploráveis: Tchau, queridos!

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Direitos para quê?

Policiais rompem corrente que trancava a porta do Colégio Estadual Tiradentes, na Praça 19 de Dezembro, centro de Curitiba. O local estava ocupado por estudantes em protesto contra a PEC 241 e a reforma do ensino médio. A escola é a primeira a ter ordem de reintegração de posse cumprida nesta terça-feira, na capital. Ontem, foram sete, desocupadas pacificamente pelos estudantes. Ao todo, 24 ordens de reintegração já emitidas pela Justiça devem ser cumpridas na cidade.

Manchete do sítio de notícias do UOL sobre os protestos de estudantes secundaristas que estão atrapalhando a realização do ENEM

A vida é concebida como uma extensão ilimitada das escolhas do consumidor, uma busca no supermercado existencial de cujas prateleiras estilos de vida podem ser escolhidos como marcas de alimento processado são escolhidas, sem consequências mais profundas ou significativas. […] Ao indivíduo é permitido viver sua vida conforme seus caprichos, mas o poder central aceita de bom grado a responsabilidade de protegê-lo das consequências de fazê-lo, o que por si gera poder.

Trecho retirado do ensaio “O Paradoxo do Individualismo Radical que Leva ao Autoritarismo”, de autoria do escritor britânico Theodore Dalrymple

    Prezados leitores, qual foi minha surpresa quando lendo o jornal de domingo soube que Theodore Dalrymple, que já apresentei anteriormente aos meus leitores, daria uma palestra no MASP. Lá fui eu assisti-lo, mesmo não tendo a mínima ideia sobre o que ele falaria, porque já tenho dois livros seus e leio seus artigos publicados semanalmente na internet. Havia sido convidado pela editora que publica seus livros no Brasil, e que já vendeu aqui mais de 70 mil volumes desde 2014, de acordo com o jornal O Estado de São Paulo.

    O tema foi “Como pensar sobre a pobreza”, e apesar de ele ter citado algumas estatísticas sobre a situação social do nosso país, Anthony Daniels, este é seu nome verdadeiro, foi muito reticente ao ser perguntado sobre o Brasil, porque ele confessou saber quase nada de nós. Independentemente de não estar a par da nossa atual situação política e econômica, suas ideias, inspiradas pelo efeito que o Estado do bem-estar social teve sobre sua Inglaterra natal, podem ajudar-nos a entender um pouco do que ocorre no lado de baixo do Equador. Vou tentar explicar-lhes o porquê.

    Estamos longe, muito longe de termos um Estado tão provedor quanto o de um país de Primeiro Mundo como a Inglaterra tem. Isso inclui um Sistema Nacional de Saúde que consegue atender às necessidades básicas da população, apesar de não ter sido capaz, como apontou Daniels em sua fala, de ter diminuído a discrepância entre a saúde dos ricos e dos pobres. É apontando essa particularidade que o médico-escritor ou escritor-médico revela sua face conservadora, de direita, digamos assim.

    No Brasil consideramos que ser de direita é simplesmente não querer distribuição de renda feita pelo Estado e ser de esquerda é incentivar a distribuição de renda por meio de tributação, transferências obrigatórias, programas de renda mínima mensal e por aí vai. Ou seja, os de direita pertencem à elite egoísta que não quer partilhar com os pobres e quer deixá-los na miséria e ignorância, roubá-los, torturá-los, humilhá-los, matá-los, ao passo que os de esquerda pertencem à turma ilustrada, humanista cujo objetivo é ver o maior número possível de pessoas de origem humilde com seu devido lugar ao sol. Ocorre que se ao sul do Equador temos como emblema da direita um aloprado como Jair Bolsonaro, o exterminador de comunistas, torná-lo equivalente a Theodore Darlymple é obviamente absurdo, pois o conservadorismo do palestrante de voz maviosa que sabe ouvir e que não tem uma visão maniqueísta do mundo é de outra cepa.

    A cepa a que o Senhor Daniels pertence é aquela que parte do pressuposto de que há desigualdades biológicas entre os seres humanos que não podem ser ignoradas. Há indivíduos menos e mais inteligentes, mais ou menos bonitos, mais ou menos éticos, e por aí vai. Isso não significa dizer que nosso comportamento é inteiramente determinado por nossos genes, mas simplesmente que eles desempenham um papel. Na palestra de segunda-feira, ele colocou-se contra a ideia de igualdade de oportunidade, que na sua opinião é totalitária. Considerando que as pessoas têm diferentes habilidades, como considerar possível que todos devam ter a chance de tornar-se médicos, por exemplo? Vale a pena o Estado investir na educação superior gratuita para todos? Será que todo e qualquer indivíduo conseguirá concluir uma faculdade de maneira a dar uma contribuição real à sociedade pelo seu trabalho?

    Nessa linha, Darlymple exprimiu dúvidas sobre a educação universal obrigatória. Antes que isso ocorresse as próprias pessoas tomavam a iniciativa e se educavam na Inglaterra, de tal maneira que na época napoleônica houve um salto no nível de alfabetização das pessoas (sinto muito, mas não consigo lembrar os números exatos, que ele citou). Por outro lado, Theodore contou várias anedotas sobre alguns de seus pacientes psiquiátricos, que a despeito de terem estado anos na escola pública, não sabiam multiplicar quatro por três e não conseguiam citar um único primeiro-ministro do país. Assim, estabelecer a educação como um direito das pessoas é uma ideia mais cara à esquerda, que parte do pressuposto de que tudo em nós é construção social, e portanto, pode ser aprimorado. Para um conservador, essa expansão infinita de direitos torna-se contraproducente, não só porque nem todos conseguirão auferir benefícios devido às suas características individuais, mas também porque cria-se uma cultura de que é obrigação do Estado prover tudo, independentemente do esforço de cada um.

    É nesse ponto que considero que este conservadorismo é pertinente à situação atual do Brasil. Há protestos no país sobre a PEC 241 e a reforma do ensino médio, o que é natural considerando que na prática a PEC fará letra morta da Constituição de 1988, a Constituição Cidadã do finado Ulysses Guimarães. De fato, repetindo o que já falei na semana passada, a colocação de um limite nos gastos públicos, se não for precedida de uma discussão honesta sobre a cota de sacrifícios dos diferentes grupos sociais, fará com que o ônus da contenção de despesas recaia sobre aqueles que não têm lobby no Congresso para defender seus direitos. Isso porque do ponto de vista jurídico, esses direitos, tutelados por “meros” princípios constitucionais do direito à educação, à saúde, à moradia, têm um grau infinitamente menor de proteção do que os direitos daqueles que gozam de leis estabelecendo seus salários, suas aposentadorias, suas indenizações e outras coisas mais.

    Em suma, quem não consegue ter leis aprovadas no Congresso não tem outra saída a não ser ir para a rua ou para as escolas e fazer barulho. Por outro lado, o que exatamente significa direito à educação para os estudantes que estão ocupando escolas? Significa escola gratuita dos 4 aos 24 anos? É interessante ao país ter como objetivo que todos frequentem a universidade? Será que a democratização da educação não leva necessariamente a uma diminuição da qualidade, dadas as diferentes habilidades inatas dos indivíduos? Será que no Brasil teremos maturidade suficiente para considerarmos a ideia de limitar direitos para o bem da sociedade como um todo, ou vamos continuar acreditando que o ideal é que todos os direitos estabelecidos na Constituição devam ser contemplados, mesmo que isso signifique estar sempre descobrindo um santo para cobrir o outro?

    Prezados leitores, enquanto não houver no Brasil espaço político para uma discussão honesta sobre em que medida o programa da Constituição deve ser de fato executado, continuaremos nos engalfinhando em disputas entre a direita e a esquerda que na verdade atuam sob o mesmo princípio: garantir benesses para si, em detrimento dos seus “inimigos de classe”. E enquanto rasgamos as roupas uns dos outros, o Judiciário decide por nós… Pífia democracia!

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Mais uma jaboticaba

Os planos de saúde populares resolvem o problema da área privada que está perdendo clientela, já que boa parte da população está desempregada e com pouco dinheiro para manter seus planos de saúde nos moldes atuais. Já ao congelar investimentos, o governo sinaliza ao mercado que os recursos da União serão usados para garantir o pagamento dos juros da dívida pública, o que certamente contará com os aplausos do mercado.

Trecho de entrevista dada por Sônia Fleury, professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape/FGV) à revista CAASP edição 25

O governo despendeu no ano passado 397 bilhões de reais com o pagamento de juros da dívida pública, quase o equivalente ao valor gasto com benefícios previdenciários (436 bilhões de reais). Por que não reduzir esse montante em vez de congelar o Orçamento? Seria necessário baixar as taxas de juros para que esse gasto também diminuísse, mas isso só será possível quando a inflação começar a ceder.

Trecho de artigo “Congelar para crescer” publicado na revista Veja de 19 de outubro

    Prezados leitores, acabamos de inventar mias uma versão da jaboticaba, produto genuinamente nacional. Trata-se da Proposta de Emenda Constitucional 241, a chamada PEC do Teto que acaba de ser aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados em Brasília e que pretende congelar os gastos públicos por um prazo de 20 anos. Ela tem características frutíferas porque, de acordo com estudo do FMI, a proposta de imposição de limite às despesas governamentais prevista na PEC do Teto é diferente de outras medidas adotadas alhures pelo mundo.

    Meu objetivo aqui é explicar aos meus leitores o objetivo da PEC, sem ataques pessoais à coitada como têm feito alguns sindicatos como a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação e a CUT, que lhe deram a alcunha de PEC da Morte. Dilma Rousseff, a presidente defenestrada, em entrevista à rádio Guaíba no dia 13 de outubro, chamou-lhe de PEC do mal, PEC contra os pobres e no dia 24 de outubro em evento na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, disse que a PEC 241 é grave. Paixões à parte, é possível determinar as metas pretendidas pelo governo e prever seus possíveis efeitos independentemente de inclinações à esquerda e à direita, com base no problema identificado pelas autoridades.

    O problema já foi tratado neste meu humilde espaço inúmeras vezes: o descalabro das contas públicas. O rombo (isto é, saldo negativo de receitas menos despesas) atualmente é de 170 bilhões de reais, e a dívida corresponde a 70% do PIB. O saldo primário, que é o resultado de todas as receitas menos despesas do governo, excetuando gastos com pagamento de juros, ficou em -0,57% do PIB em 2014 e em -1,88% do PIB em 2015, que foi o pior resultado da história. Prevê-se que em 2016 o déficit primário fique um pouco menor, em -1,7%, de acordo com o FMI, que considera que só voltaremos a ter superávit primário em 2020. Trocando em miúdos, não ter um saldo positivo nessa conta significa que não estamos economizando o suficiente para termos uma reserva que nos permita pagar os juros da dívida pública, e esse é o ponto fundamental nessa celeuma toda.

    É o ponto fundamental porque o governo coloca como meta para controlar o crescimento das despesas a um ritmo maior do que as receitas que em 2036 consigamos ter um superávit primário de 4,4% do PIB, portanto uma total reversão do quadro atual. De acordo com as projeções dos economistas José Márcio Camargo e André Gamerman, se não houver esse congelamento dos gastos proposto pela PEC 241, em 2036 teremos um déficit primário de -2,7% o que nos faria bater recorde atrás de recorde nesse quesito. Gerando um robusto saldo positivo estabilizaríamos a dívida em 81,9% do PIB em 2036, ao passo que se mantermos essa tendência de incapacidade de pouparmos para pagar os juros da dívida a relação desta com o PIB dispararia para 166% do PIB. A lógica por trás da PEC é a seguinte: se não fizermos reservas não teremos condições de pagar juros, se não pagarmos os juros teremos que contratar novos empréstimos para cobrir os juros não pagos em condições cada vez mais draconianas impostas pelos credores, leia-se, com juros cada vez mais altos. Fazendo a reserva, isto é, gerando superávits primários, poderemos pagar em dia os juros, e com o tempo conseguiremos melhorar o perfil da dívida, diminuindo-lhe o montante pela incidência de juros menores, já que teremos adquirido a confiança dos credores.

    O que distingue a PEC como uma genuína jaboticaba é o fato de que a proposta do governo não coloca limites à evolução da despesa nominal (que consiste na soma do resultado primário descrito acima e do resultado financeiro do governo, que inclui despesas com juros da dívida). A justificativa é que se houvesse tal limite poderia haver o não pagamento de juros quando tal pagamento acarretasse estouro do teto de resultado nominal. Não pagar juros é quebra de contrato e quebra de contrato aumenta a inflação e os juros cobrados pelos credores daqueles que dão calote. Portanto, coloca-se um torniquete no orçamento do governo para garantir que possamos honrar os pagamentos de nossas obrigações financeiras, mas tal torniquete, por sua própria natureza, implicará que à parte os credores da dívida não haverá garantia nenhuma de que outros serão contemplados com dinheiro do orçamento federal.

    Aí é que mora o perigo. Considerando que há os privilegiados de sempre, que têm direitos adquiridos, será que a corda não arrebentará do lado daqueles que não têm poder de pressão porque dependem da capacidade do governo de investir? De acordo com o jornal O Globo de 23 de outubro, 13.790 juízes brasileiros recebem acima do teto constitucional de R$33.763 pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Isso é conseguido por meio de indenizações, gratificações e outros estratagemas, todos perfeitamente legais, porque não ferem a letra da lei, e todos absolutamente imorais, porque ferem o espírito do artigo 37, inciso XI da Constituição.

    Nosso Congresso mostrou-se rápido em aprovar essa PEC para dar tranquilidade ao mercado, leia-se ao mercado financeiro. Terão nosso deputados e senadores coragem para coibir esses abusos dos privilegiados com direitos adquiridos? Considerando o desprezo velado que os membros do Judiciário claramente demonstram pelos membros do Legislativo, como a mostra a ilustríssima Cármen Lúcia recusando-se a encontrar com o Presidente do Senado Renan Calheiros, e o poder dos magistrados de mandar os congressistas para a cadeia, será que podemos ter esperança de que o Legislativo conseguirá convencer o Judiciário a dar sua parcela de contribuição ao esforço de economia? Isso para não falar dos privilégios dos próprios legisladores, para não ficarmos só no Judiciário.

    Prezados leitores, a PEC 241 tem boas intenções, mas na prática, ela corre o risco de resolver um descalabro e criar outro. Controlaremos o crescimento da dívida pública à custa de fazermos com que a atuação do Estado limite-se à realização das despesas obrigatórias. Na prática, as despesas discricionárias, cujo volume mostra a capacidade de investimento público em infraestrutura, no sentido amplo do termo, isto é física e imaterial, serão jogadas aos leões, no coliseu povoado pelos empresários das PPPs, pelas operadoras de planos que terão um papel cada vez maior e não necessariamente melhor na prestação de serviços de saúde, pelas universidades particulares que conseguem um mercado cativo de clientes por meio do FIES independentemente da qualidade do diploma que oferecem.

    A PEC 241 seria uma ótima ideia se houvesse um pacto social em que os diferentes grupos cedessem um pouco e chegassem a um consenso. Se ela for aprovada e incorporada à Constituição Federal sem que os beneficiários de direitos adquiridos e aqueles que têm poder econômico para influenciar políticas públicas sejam chamados à ordem, ela significará na prática a renúncia do Estado brasileiro de ter algum papel no estímulo ao nosso desenvolvimento.

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Morrendo pela boca

É melhor eu chupar umas balas Tic Tacs no caso de eu começar a beijar a mulher. Você sabe, eu me sinto automaticamente atraído por mulheres bonitas – eu simplesmente começo a beijá-las. É como se fosse um imã. Somente um beijo. Eu nem espero. E quando você é uma estrela, elas deixam você fazer isso. Você consegue fazer qualquer coisa. Agarrar a x****a da mulher. Você consegue fazer qualquer coisa.

Trecho de uma conversa que o candidato a presidente dos Estados Unidos, Donald Trump teve com Billy Bush em 2005 e tornada pública dois dias antes do debate com a candidata democrata, Hillary Clinton

Meses depois de Diana ter morrido em um acidente automobilístico em 1997, Trump disse a Stern que ele acha que poderia ter dormido com ela, afirmando que ela tinha “uma beleza de supermodelo.” Em uma outra entrevista em 2000, Trump disse que ele teria dormido com ela “sem pestanejar” e que ela tinha altura, beleza, pele.” Ele acrescentou, “Ela era louca, mas esse é um detalhe insignificante.”

Trecho retirado do artigo intitulado “Trump disse coisas muito grosseiras sobre as mulheres no programa de Howard Stern”, em que o jornalista relaciona as avaliações que o magnata americano fez de diferentes mulheres famosas

    Prezados leitores, o festival de baixarias nas eleições presidenciais dos Estados Unidos continua correndo solto. É E uma guerra suja em que os dois lados utilizam todas as armas de que dispõem. O clã Bush nunca perdoou Donald Trump por ter defenestrado Jeb Bush da candidatura republicana da maneira humilhante em que o dublê de Benito Mussolini fez, chamando o irmão de George de pessoa sem energia. A vingança veio a galope na sexta-feira, dia 7 de outubro, em que foram divulgadas fitas contendo comentários indecorosos de Trump sobre as mulheres em geral feitos a um primo de George e Jeb. O revide do aprendiz ocorreu um pouco antes do debate, quando ele realizou uma coletiva de imprensa ladeado por mulheres que alegam ter sido estupradas por Bill Clinton: Kathleen Willey, Paula Jones e Juanita Broaddrick, a qual afirmou aos jornalistas que “Trump pode ter tido coisas ruins sobre as mulheres, mas Bill Clinton me estuprou e Hillary Clinton me ameaçou”.

    Aliás, essa foi a linha de defesa adotada pelo próprio candidato republicano durante o debate realizado no domingo dia 9 de outubro, em que fez referência explícita às alegações de estuprador que correm contra Bill Clinton, e que até agora nenhum candidato do partido havia abordado. Nos últimos dias pessoas vestidas com uma camisa em que há a fotografia de Bill Clinton seguida da palavra estupro foram vistas gritando “Bill Clinton é um estuprador” em comícios de apoio a Hillary Clinton. Em suma, os ânimos estão acirrados, porque a eleição nos Estados Unidos transformou-se em uma disputa sobre quem tem mais esqueletos no armário. Qualquer que seja o resultado, os perdedores ficarão com um gosto amargo na boca.

    A essa altura é forçoso eu reconhecer que as chances de Donald diminuíram consideravelmente depois dessa demonstração clara que mulheres são para ele um objeto sexual e nada mais. Convencer mulheres com educação universitária a votarem em um homem que dá notas às representantes do sexo feminino e às partes do seu corpo como quem avalia uma égua reprodutora é uma tarefa impossível. Isso pode ser decisivo para estabelecer quem será o vencedor, considerando que em 2008 56% das mulheres votaram em Barack Obama contra 43% que votaram em John McCain, e que em 2012 55% das mulheres votaram em Barack Obama contra 44% em Mitt Romney. Se John McCain e Mitt Romney, que nunca fizeram um centésimo das observações machistas de Trump sobre as mulheres, não conquistaram o voto feminino, agora então haverá um massacre nas urnas.

    Quem acompanha minha humilde trajetória de blogueira sabe que gostaria de ver o porco sexista aprendiz de Mussolini na presidência dos Estados Unidos para o bem da paz mundial. O perigo de uma hecatombe nuclear está cada vez mais concreto diante dos acontecimentos na Síria, em que a Rússia apoia a manutenção de Assad no poder e os Estados Unidos querem Assad fora de qualquer jeito. No debate de domingo, o candidato republicano foi claro sobre sua intenção de unir esforços com a Rússia para destruir o grupo islâmico ISIS. A candidata democrata, por sua vez, nunca deixa de atacar a Rússia e Putin, a quem acusa de fazer espionagem no seu partido e de estar mexendo os pauzinhos para eleger Donald Trump. A escalada de confrontações a cada dia torna-se mais séria. Francois Hollande, o presidente da França, num rasgo de perfeita hipocrisia anunciou no dia 10 de outubro que vai denunciar os russos por crimes de guerra em Aleppo à Corte Internacional de Justiça, como se houvesse mocinhos em um conflito em que grandes interesses geopolíticos das potências mundiais estão em jogo, dos quais tratei há algum tempo aqui e por isso não repetirei minhas próprias palavras.

    Infelizmente a coisa está preta para o aprendiz. Ele tem a mídia toda contra ele, aliás em nível mundial, pois todos os grandes veículos de comunicação que se prezam enfatizam seus defeitos e não veem nele nenhuma qualidade. Nos dois debates que já foram realizados a preferência dos mediadores por Hillary Clinton fica óbvia: as perguntas embaraçosas são para Donald, que é alvo igualmente de contestações das suas respostas de maneira fulminante. Esse viés a favor da candidata democrata afetou o desempenho no primeiro debate realizado em 26 de setembro em Nova York de ambos os candidatos. Hillary, sentia-se bastante confortável, pois não era desafiada pelo mediador, e teve oportunidade de exibir suas qualidades de advogada que sabe falar e sabe lidar com os detalhes de uma situação. Donald ao contrário, permaneceu na defensiva, pois era atacado por Hillary e pelo mediador, Lester Holt, ao mesmo tempo.

    No domingo passado, já calejado, o candidato republicano partiu para o ataque e foi capaz de mostrar ao longo do debate que Martha Raddatz e Anderson Cooper não tinham a mínima preocupação com a objetividade, pois os esqueletos que levantaram diziam respeito a Donald Trump e nenhum dizia respeito a Hillary Clinton. O escândalo dos e-mails secretos mantidos em um servidor pessoal, a desastrosa morte do embaixador americano na Líbia, J. Christopher Stevens em 2012 por conta de um ataque terrorista facilitado por falhas na segurança admitidas pela própria Secretária de Estado àquela época, as declarações pouco lisonjeiras de Hillary sobre os eleitores de Donald Trump foram todos abordados em primeiro lugar pelo candidato republicano, e os mediadores limitaram-se a pegar carona, sem aprofundar-se muito.

    Prezados leitores, apesar de ter plena consciência que eu não estaria no radar dele, pois um macho como Donald Trump não pega mulheres acima de 35, como ele próprio disse, torço para que este boca-rota ainda consiga dar a volta por cima. Como muitos homens, o aprendiz é um falastrão, que se pavoneia de conquistar mulheres reais e imaginárias. Pode ser que muitas mulheres tenham se rendido ao seu poder e a seu status de celebridade, mas um dos seus objetos de desejo, a finada e aristocrática Princesa Diana, nunca deu a mínima pelota àquele americano cafona, apesar de ele ter-lhe mandado flores em uma das ocasiões em que ela esteve na “América”. Toda essa celeuma em torno do que um menino crescido falou para outro menino crescido é apenas uma cortina de fumaça para desviar a atenção dos americanos sobre as reais questões importantes que estão em jogo e que não são discutidas porque não interessa a grupos influentes discutir: o desemprego estrutural que afeta milhões de americanos causado pela globalização, as guerras imperialistas travadas no Oriente Médio que só fazem aumentar a instabilidade na região, o tráfico de armas, de drogas e de pessoas no sul dos Estados Unidos. As soluções de Trump para esses problemas ferem vários interesses há muito entrincheirados e é por isso que ele é pintado como um ser “beyond the pale” como se diz em inglês. Em suma, o aprendiz provavelmente vai morrer pela boca, sem sequer ter feito algo de realmente revoltante. Enquanto isso, Bonnie e Clyde terão mais uma oportunidade para mostrar seus truques.

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