O mundo caiu

Mas a elite tem sua própria cultura de achar ter direitos adquiridos. Seus membros acham que porque estudaram literatura inglesa em Durham eles entendem o mundo melhor do que o encanador de Croydon. Eles se acham superiores e por isso sua visão deve prevalecer. Eles também acham que são moralmente superiores porque eles se mantêm fiéis às opiniões que lhes foi dita que são virtuosas. […] Eles são virtuosos. Eles sabem melhor. Eles são os escolhidos. Eles somente acreditam simbolicamente na democracia. Eles esperam e querem prevalecer.

Trecho do artigo de James Bartholomew intitulado “Foram ensinados a serem burros” publicado em 7 de janeiro de 2017

Deveríamos ficar longe da Síria, os “rebeldes” são tão ruins quanto o regime atual. O QUE VAMOS CONSEGUIR EM TROCA DAS NOSSAS VIDAS E DOS NOSSOS BILHÕES? ZERO

Tweet de Donald Trump em 15 de junho de 2013, o mesmo Donald Trump que ordenou na semana passada o lançamento de 59 mísseis para destruir as pistas da base militar de onde os aviões de Assad, o presidente da Síria, decolavam

    Prezados leitores, depois de uma ausência de mais de um mês por motivos profissionais, volto com o coração apertado. Há muitos motivos para tanto e todos eles dizem respeito à maneira pela qual a democracia nos países ocidentais tornou-se totalmente incapaz de responder aos anseios do cidadão médio. Na semana passada, literalmente na calada da noite, o Congresso Nacional, que supostamente é a caixa de ressonância da sociedade, aprovou uma lei da terceirização que na prática rasga a CLT sem ter a coragem de fazê-lo às claras. Os especialistas nos dizem que a terceirização “é um fenômeno mundial, não uma invenção nacional” (Domingos Fortunato, sócio do Mattos Filho Advogados, citado por VEJA na sua edição de 29 de março). Em suma, um fato natural com o qual é preciso concordar e não há nada a ser feito, a não ser reconhecê-la formalmente e dar-lhe um verniz de respeitabilidade que até agora não teve sob a camisa de força da vilipendiada CLT.

    De fato, os imbecis ou ignorantes é que não veem que é preciso aceitá-la e degustá-la, independentemente do risco de na prática ela criar atravessadores de mão de obra, as tais das empresas terceirizadas, ou cooperativas, que vão servir de anteparo entre os trabalhadores e as empresas que precisam dos serviços, garantindo o lucro da contratante e da contratada por meio da diminuição dos direitos do trabalhador. É um tipo de operação similar àquele que ocorria no Brasil nos séculos XVI e XVII, quando nossos engenhos de açúcar eram a ponta mais fraca do comércio colonial, vendendo o açúcar aos portugueses, que os repassavam aos holandeses, os verdadeiros donos do negócio, porque controlavam as redes de distribuição na Europa e, portanto, ficavam com a parte do leão dos lucros. Enfim, nada de novo sob o sol tropical, mas o grande empresariado que pressionou nosso presidente democraticamente eleito promete que empregos serão gerados pela limitação dos direitos trabalhistas. Vejamos se o nivelamento por baixo será compensado pela reversão da taxa de desemprego.

    Do lado da reforma da previdência, na prática o pato será pago pelos trabalhadores da iniciativa privada, que não têm lobby no Congresso para garantir privilégios por meio da pressão, como o caso dos militares, dos policiais, dos funcionários públicos. Mas também é uma outra área em que devemos nos submeter à opinião dos especialistas, como o ex-Ministro da Fazenda, Maílson da Nobrega, que diz que sem a reforma da Previdência haverá uma grave crise inflacionária e os pobres serão os grandes perdedores. O recado é: eleitores, aceitem fazer sacrifícios para purgar os pecados dos seus conterrâneos que tinham e têm poder de barganha para garantir para si mesmos polpudas aposentadorias pagas por todos, para garantir imunidades tributárias e para dar-se ao luxo de sonegar contribuições previdenciárias e depois receber anistias. Se não quiserem sacrificar sua aposentadoria para consertar as burradas feitas antes, em prol dos privilegiados, pior para vocês, porque os privilegiados já têm onde se abrigar da tormenta que será causada pela implosão do sistema de seguridade social brasileira com o envelhecimento da população, enquanto vocês estarão sempre à míngua, debaixo de chuva e tiritando de frio. Curvem-se à realidade seus idiotas!

    O pior, no entanto, em virtude da repercussão para a paz no mundo, foi o desmanche de Donald Trump. Sim, não há outra palavra a utilizar, eu que me manifestei neste meu humilde espaço a favor da sua eleição como meio de evitar a guerra nuclear. E o fiz com base nos princípios de política externa que ele propôs na campanha, em oposição à retórica de Hillary Clinton de confrontação com Vladimir Putin a respeito da Síria e da Ucrânia. Trump em seus lendários tweets, um deles reproduzido na abertura deste artigo, propunha que os Estados Unidos parassem de gastar dinheiro em guerras pelo mundo afora que só causam mais instabilidade e fazem os americanos mais pobres pela necessidade de financiar o complexo industrial-militar. O candidato que seria eleito pelos deploráveis propunha trabalhar em parceria com a Rússia para colocar um fim na guerra na Síria, propunha foco na reconstrução da infraestrutura dos Estados Unidos para gerar empregos, enfim, expressava ao anseio de uma parcela do povo americano para quem a presença militar do Tio Sam nos quatro cantos do globo já se tornou há muito um fardo pesado demais para ser carregado.

    E vejam só, que em menos de 100 dias de governo Trump já rendeu-se aos neocons, àqueles que querem que os Estados Unidos sejam a eterna polícia do mundo. O ataque aéreo à Síria sob a justificativa de um suposto uso de armas químicas contra crianças pelo presidente Assad é uma óbvia capitulação do Donald Trump eleito pelo povo americano. Quais as razões? Apagar as suspeitas de que o famigerado Vlad teria ordenado a invasão dos computadores dos democratas para revelar os podres de Hillary e ajudar Donald Trump, seu pau mandado?

    O fato é que o recém-eleito presidente dos Estados foi acusado de ser espião do monstro de Moscou desde o primeiro dia de seu governo. Histórias sobre a ligação de membros da equipe de Trump com a Rússia sempre vazaram para a grande imprensa, e foram tomadas como verdade, independentemente de confirmação de algum órgão oficial de investigação. Quando Trump acusou Obama de ter grampeado a Trump Tower e Obama negou por meio de assessor, os bem pensantes acreditaram em Obama e acusaram Trump de mentir, isso em um país em que o Foreign Intelligence Surveillance Act dá poderes totais ao comandante supremo da nação de mandar espionar aqueles considerados suspeitos de atentar contra a segurança nacional, por exemplo, agentes de potências estrangeiras. A revelação da conversa do General Flynn, indicado por Trump para chefiar o Conselho de Segurança Nacional, com o embaixador russo em dezembro, prometendo-lhe que as sanções contra a Rússia seriam revertidas no novo governo, mostram que de fato a equipe de Trump estava sendo vigiada sob os auspícios da lei de espionagem e essas informações de segurança nacional, confidenciais por natureza, foram vazadas para a imprensa e causaram o devido estrago na reputação do defensor dos deploráveis.

    Foi muita pressão sobre o Aprendiz, tachado de traidor da pátria, de racista, xenófobo, louco, marionete de Putin e ele não aguentou, provou ser mais fraco do que os esperançosos acreditavam. Primeiro demitiu Flynn, acusado de conspiração com o inimigo por ter tido essa conversa com o embaixador russo, e agora decide mandar mísseis contra Assad, voltando atrás sobre tudo o que prometera durante a campanha. Hillary Clinton teria feito a mesma coisa na Síria, aliás ela já havia divulgado seu plano em um dos debates, e claro os especialistas na grande imprensa e na academia aplaudem a tomada de posição firme do presidente americano contra o envenenador de criancinhas. Às favas o povo americano que escolheu Trump para frear a sanha imperialista e enfocar os problemas comezinhos da falta de emprego e da queda da renda.

    Prezados leitores, qual será o futuro da democracia no Ocidente, que faz ouvidos de mercador ao que o povo expressa nas urnas? Aparentemente, se nem os populistas conseguem fazer a ponte entre a elite e as necessidades do povo, qual o futuro reservado para nós? Resignarmo-nos a sermos governados pelos especialistas que alegam saber o que é melhor para a sociedade? Ou a implosão social? Enquanto o desfecho não acontece, torçamos para que o Oriente Médio não seja o estopim da guerra nuclear.

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Os especialistas

É inútil ignorar a tragédia do desemprego. No mundo, os desempregados superam o patamar dos 250 milhões. No Djibuti, Congo, Quênia, ultrapassam a marca dos 40%. Na mesma situação está a Bósnia-Herzegovina. Com taxas acima de 20%, temos cerca de 20 outros, como a Espanha, África do Sul, Angola. As maiores vítimas são jovens, de 14 a 24 anos. […] O que se faz necessário é adaptar a CLT ao mundo globalizado, dominado pela informatização e terceirização. Gerar desenvolvimento e fomentar a criação de empregos, sobretudo para os jovens, é a maior responsabilidade do Estado moderno.

Trecho retirado do artigo escrito por Almir Pazzianotto Pinto, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do TST publicado no Jornal do Advogado de outubro de 2016

Você veja, pelo que eu posso perceber, no futuro empregos com remuneração decente serão tão absurdamente escassos que se você não conseguir colocar seus filhos em um estágio nas férias, terá que aceitar que eles farão parte da classe dos desfavorecidos. Mas como você vai conseguir colocar seus filhos nesse tipo de estágio, se como meu filho, eles não têm certeza do que realmente querem fazer da vida?

Trecho retirado do artigo “Meu pobre filho. Ele vai terminar exatamente como eu” do jornalista inglês James Delingpole

    Prezados leitores, o grande Sócrates, o grego, não nosso craque do futebol, deu uma explicação sobre o papel dos especialistas em um regime democrático como o de Atenas. Para ele, os construtores de navios, os sapateiros, os ferreiros, os mercadores eram especialistas no sentido de que dominavam uma técnica de trabalho que lhes permitia obter resultados previsíveis, ou seja, um navio que não afundava, sapatos cuja sola não furava facilmente, facas que cortavam bem e assim por diante. Quando nas assembleias da ágora tratava-se de um assunto técnico nesse sentido não cabia aos cidadãos dar palpites, bastava chamar um especialista e ele seria a pessoa mais bem habilitada a dar conselhos, ou seja, a dizer qual era a melhor forma de conseguir algo.

    Por outro lado, quando a questão era decidir sobre que rumo tomar, quando se tratava das ações humanas e de prever como outros seres humanos, por exemplo, inimigos de Atenas, agiriam, de nada adiantava chamar especialistas. Porque no campo do comportamento humano as variáveis são tantas que prever resultados é mero exercício de adivinhação. Nesse caso, os cidadãos de Atenas, antes de decidir o que fazer, deveriam consultar os oráculos e os augúrios, pois é absurdo esperar que haja pessoas capazes de prever com exatidão como as interações entre os seres humanos ocorrerão na prática.

    É uma pena que nas democracias modernas façamos frequentemente o exato oposto do que preconizou o homem mais sábio na Terra, como Sócrates ele mesmo definiu-se. Nós confiamos nos especialistas para decidir sobre tudo. Em minha infância, passada na época da hiperinflação, os grandes detentores do saber eram os economistas, os geniais formuladores dos planos ortodoxos, heterodoxos e quejandos de combate à inflação. Atualmente, os desafios são outros, a alta dos preços não é nem de longe a obsessão nacional que era na década de 80. O que importa agora são as tais das reformas estruturais, trabalhista, previdenciária, tributária que permitam ao país diminuir o custo Brasil e nos habilite a participar do mundo globalizado mais bem preparados, já que a concorrência é feroz. Para fazer reformas estruturais é preciso mudar as leis, portanto os especialistas a serem chamados são os advogados. Um deles apareceu na semana passada no programa Roda Viva, Almir Pazzianotto, que conforme, citação na abertura deste artigo, é amplamente favorável a uma desconstrução da CLT, lei considerada obsoleta que atrapalha o aumento da eficiência e da produtividade.

    O raciocínio do excelentíssimo advogado trabalhista que vira e mexe é citado em jornais e revistas como autoridade na questão, pode ser resumido no seguinte: contratar pessoas seguindo todas as formalidades da lei criada em 1943 fica muito caro para o empresário, que ainda por cima precisa lidar com o risco oculto representado por ações trabalhistas que podem ser instauradas pelo funcionário tempos depois de ter saído da empresa. Caso a CLT seja modificada para ser mais fácil contratar e demitir pessoas, ou em outras palavras, caso o custo da mão de obra seja diminuído, os capitalistas brasileiros terão mais incentivo para investir e criar empregos, gerando riqueza.

    Estou longe de ser uma especialista e seguindo a lição do mestre peripatético, considero que o comportamento humano depende de um infinito número de fatores incontroláveis. A decisão sobre investir ou não investir em um novo ou já consolidado empreendimento depende de coisas tais como a taxa de poupança do pais, a taxa de juros cobrada pelos bancos para empréstimos, o grau de empreendedorismo da economia do país, a possibilidade que o empresário vê de poder vender sua produção no mercado, a taxa de câmbio que influencia nossa capacidade de exportação e de importação. Presumir que haverá maior oferta de empregos em números absolutos simplesmente porque será mais barato ter funcionários já que a lei não estabelecerá tantos direitos quanto faz a CLT, é um exercício de futurologia e não pode se basear em um conhecimento confiável do resultado dessa modificação na lei. Pode ser que realmente consigamos nos livrar da incômoda cifra de 12 milhões de desempregados, mas se alguns desses fatores que arrolei acima estiverem presentes, as previsões otimistas poderão naufragar.

    Com efeito, não podemos nos esquecer que o Brasil sofre há algum tempo da doença holandesa, isto é, do fato de sermos globalmente competitivos na produção de algumas commodities. Conforme noticiado no jornal O Estado de São Paulo de 5 de março, houve recentemente uma recuperação nos preços dos produtos que respondem por 60% das vendas externas do país. Isso significa entrada de moeda forte no Brasil, o que leva à apreciação do real. Para a indústria, a grande geradora de empregos, isso é algo ruim, porque facilita as importações e dificulta as importações. Aliada à alta taxa de juros que aqui prevalece, isso gera um círculo vicioso de mais entrada de dólares com fins especulativos, mais apreciação da moeda, menos capacidade da indústria de enfrentar a concorrência chinesa nos manufaturados. Será que a flexibilização da CLT será capaz de gerar empregos em tal cenário negativo? Ou o buraco é mais embaixo, pois múltiplos fatores, cuja solução é incerta, determinam o nível de ocupação da força de trabalho?

    E mesmo presumindo que menos obrigações trabalhistas estimulem os empresários a investir e criar empregos, fica uma dúvida. Será que no final das contas só os jovens serão beneficiados, isto é, aqueles que não tinham emprego terão uma chance de trabalho, o que é indubitavelmente uma melhora, mas aqueles que antes gozavam da CLT ficarão ostracizados? Será que as empresas contratarão os “velhinhos” que foram obrigados a descer das nuvens e perder seus direitos garantidos pela famigerada lei de 1943? Uma das regras de um departamento de RH é contratar pessoas por um salário que seja maior do que aquele de que gozavam antes e evitar contratar pessoas por um salário menor do que aquele que ganhavam antes, pois presume-se que faltará motivação a esses infelizes expulsos do paraíso da CLT. Pode ser que as empresas ofereçam uma remuneração que incorpore uma parte daquilo que ia para o governo em termos de encargos sociais e nesse sentido será mais dinheiro no bolso do empregado.

    Novamente, isso dependerá de muitos fatores, tais como a capacidade de negociação dos trabalhadores, o tipo de profissional de que o mercado precisará e quão escassas são as habilidades do empregado. Em suma, para os que antes beneficiavam-se da CLT, poderá haver uma seleção natural em que os mais fortes continuarão gozando de direitos tão sólidos quanto gozavam antes, enquanto os mais fracos, desprotegidos pela lei, não serão jovens o suficiente para obter alguma vantagem dos “novos empregos pós CLT” e não serão capazes ou especiais o suficiente para atrair o interesse das empresas a despeito de seu custo mais alto do que os dos jovens em busca do primeiro emprego.

    Prezados leitores, a depender da conjunção de fatores da economia brasileira, uma reforma trabalhista pode ser simplesmente uma distribuição de renda dos trabalhadores, que perderão direitos, e do governo, que perderá arrecadação, para os empresários, que terão menos custos, mas não necessariamente investirão o excedente. Se o Brasil seguir essa toada de ser uma economia baseada em commodities, que agrega pouco valor, a reforma trabalhista será um mero dumping social. Daí porque considero que um assunto desse tipo deve ser resolvido pelos métodos democráticos e ser retirado das mãos dos especialistas. Em uma última análise, é um cabo de guerra entre os jovens e os não tão jovens desempregados de um lado e os “velhinhos” celetistas de outro. Que nos deixem resolver a disputa pelo voto, por audiências públicas no Congresso de que participem os interessados, por um referendo popular sobre a reforma trabalhista. Mas, por favor, não deixem que os especialistas controlem o debate pretendendo saber o que vai acontecer no futuro. Isso não dá para engolir. Afinal, como Sócrates nos alertou, cada macaco em seu galho.

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As Joias da Coroa

Então a pergunta é: por que esta teoria econômica porcaria continua a vigorar por décadas a fio? A razão é porque os empréstimos são feitos à Grécia precisamente porque a Grécia não pode pagar. Quando um país não consegue pagar as regras do FMI e da UE e os banqueiros alemães por trás deles dizem: não se preocupe, nós vamos insistir que vocês vendam os bens públicos. Vendas as terras, o transporte público, os portos, as instalações elétricas. Esse é um programa que tem sido executado há décadas.

Trecho do artigo intitulado “Maus Credores fazem maus empréstimos” da entrevista dada pelo economista Michael Hudson a Sharmini Peries em 17 de fevereiro

Os investidores privados estão vendendo seus títulos da dívida pública de Portugal e da Itália para o Banco Central Europeu com lucro e investem os ganhos em fundos mútuos na Alemanha e em Luxemburgo. “O que isso mostra basicamente é que a união monetária está desintegrando-se lentamente a despeito do enorme esforço de Mario Draghi, ” afirma um ex-presidente do BCE. Só o Banca d’Italia deve agora 364 bilhões de euros ao BCE e as cifras continuam a aumentar.

Trecho retirado do artigo intitulado “Dívidas impagáveis e uma crise financeira existencial da EU – a derrocada do euro agora é inevitável? Do jornalista econômico inglês Ambrose Evans-Pritchard publicado em 23 de fevereiro

    Prezados leitores, no próximo verão a Grécia precisa fazer um pagamento de 10 bilhões e meio de euros, mas como não consegue sair da estagnação econômica não terá dinheiro e precisará de uma outra parte do pacote de ajuda financeira de 86 bilhões de euros que lhe foi oferecido pela troika europeia. Vai utilizar esse outro naco para pagar juros da sua monstruosa dívida. Em suma, essa tal de ajuda não é para o povo grego recuperar-se, para investimentos na economia grega que gerem empregos e criem um novo ciclo de crescimento, do qual a população precisa desesperadamente. É para pagar os juros da dívida. O país está em um beco sem saída: quanto mais recebe ajuda para honrar seus compromissos financeiros internacionais mais números negativos acumula: de acordo com os dados da CIA, em 2014 o país cresceu 0,7%. Em 2015 a economia encolheu 0,2% em 2016 o crescimento foi de 0,1%, o que não é nada. A taxa de desemprego foi de 25% em 2016.

    Menciono a Grécia mais uma vez neste meu humilde espaço porque houve Jogos Olímpicos lá em 2004, como aqui em 2016 e lá, depois de mais de dez anos os gregos referem-se aos elefantes-branco das Olímpiadas como as novas ruínas da Grécia. As arquibancadas enferrujadas, os assentos arrancados, o mato na areia onde foram disputados os jogos do vôlei de praia, as piscinas cheias de lodo e lixo, o teto do Estádio Olímpico que está ponto de cair são contrapostos pela população desencantada às gloriosas ruínas da Antiguidade, esteio da indústria de serviços que responde por 72% do PIB do país. É claro que seria tolice atribuir todas as trapalhadas feitas nas finanças pública da Grécia à realização dos Jogos Olímpicos, mas essa falta de legado, representada por instalações que custaram nove bilhões de euros e que em grande parte hoje estão se deteriorando, serve de símbolo dos erros na escolha das prioridades governamentais.

    Será que o Rio de Janeiro e por extensão o Brasil, já que a falência do governo carioca será custeada em última análise por todos nós brasileiros, seguirá a mesma trilha dos gregos? Será que a Cidade Maravilhosa ficará como Atenas povoada de esqueletos olímpicos e ficará por décadas a fio arcando com uma dívida monstruosa? Pior, será que essa vulnerabilidade financeira fará com que nós brasileiros fiquemos inapelavelmente nas mãos dos banqueiros e tenhamos que vender todas as joias da coroa pública? Na semana passada a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) para aliviar a situação fiscal do Estado. A CEDAE presta um serviço público, cuja importância não precisa ser descrita.

    É verdade que ao menos os nobres deputados garantiram uma tarifa social para a população de baixa renda. No entanto, será que a população fluminense não tem motivos para preocupar-se com tal transferência para a iniciativa privada, considerando que a própria Agência Nacional de Água já admitiu em um workshop realizado em março de 2015 que o Sudeste vive escassez hídrica? O que acontecerá quando passarmos por um novo período de falta de chuvas, como ocorreu em 2014, e for necessário tomar decisões sobre a prioridade de acesso à água? Qual será o critério que uma empresa privada utilizará para oferecer um bem escasso e essencial ao mercado? A ANA conseguirá garantir que haja um equilíbrio entre o objetivo de lucro do novo proprietário da CEDAE e as necessidades de uma população sedenta? Ou no final das contas nós contribuintes seremos chamados a garantir os lucros do novo dono e o acesso à água por quem precisa? Veremos daqui a alguns anos.

    Ser um devedor crônico que precisa rolar sua dívida constantemente e precisa fazer concessões cada vez maiores em proporção ao aumento exponencial do passivo traz essas consequências. Nossa imprensa, assim como não nos alerta sobre os riscos de ficarmos nas mãos dos credores da dívida pública brasileira, não nos informa sobre a real situação da União Europeia, que na prática transformou-se num grande cassino. Atualmente os investidores privados estão com medo de quebradeira nos países do Clube Med, Portugal, Espanha, Itália, França além da Grécia. O spread entre os títulos da dívida pública da Alemanha e dos países do Clube Med está cada vez mais alto, de acordo com o artigo citado no início deste artigo, o que significa que fica cada vez mais caro para os meridionais rolarem suas dívidas.

    Claro que eles sempre conseguirão tomar emprestado, afinal os banqueiros estão aí para isso, mas será preciso penhorar e vender cada vez mais bens públicos, o que inclui o bem-estar econômico da população. Os investidores, que lucram investindo em papéis de risco emitidos pelos países à beira da insolvência e repassando-os ao Banco Central Europeu quando querem realizar lucros, empurram a conta em última análise para os contribuintes. Estes são chamados a arcar com as medidas de austeridade (aumento de impostos, diminuição de benefícios sociais, aumento do desemprego) impostas aos governos pelas autoridades monetárias da União Europeia para garantir que haja um fluxo aceitável de pagamento de juros da dívida pública.

    Em tal cenário, não é de admirar que estejam surgindo políticos que a imprensa chama pejorativamente de populistas, como Beppe Grillo na Itália e Marine Le Pen na França. Os populistas são aqueles que, empurrados pelos votos que conquistam nas urnas, conseguem incluir na agenda política assuntos que são motivo de preocupação da população em geral, mas são deliberadamente ignorados pelas elites porque tratá-los não lhes serve os interesses. Os sacrifícios a que a população do sul da Europa está sendo submetida para manter o euro é um desses assuntos tabu. Até que ponto as pessoas tolerarão ver seus bens mais preciosos sendo dados aos credores?

    Eu, como brasileira que desde a década de 80 vi o Brasil render-se de uma maneira ou de outra aos credores da dívida, e entregar as joias da Coroa, só digo uma coisa aos portugueses, espanhóis, gregos, italianos e franceses: bem-vindos ao clube dos sacrificados!

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Rir é fundamental

E eu tenho uma grande quantidade de praticamente tudo. Advogados, dinheiro, culhões, tudo o que vier a sua cabeça eu tenho. Acredite, não queira entrar em uma briga comigo. Porque você vai acabar na Vila dos Perdedores. Disseram para mim que vocês têm uma Vila dos Perdedores aqui na Rússia? O Atol Gulag ou algo parecido? Tanto faz. Ainda funciona? Espero que sim. É melhor colocar todos os perdedores juntos, fora da vista. No final, eles ficam mais felizes.

Trecho retirado do artigo “When the Donald met the Vlad” do escritor Christopher Buckley, a respeito de um hipotético encontro entre os Presidentes da Rússia e dos Estados Unidos

O humor desempenha um papel fundamental na honestidade também. Permite às pessoas ‘mostrarem ser inteligentes sem ser nerds’ e tem como alvos naturais o dogma, o absolutismo e o auto engrandecimento. De maneira ainda mais mágica, ele cria um universo paralelo em que as pessoas ou grupos podem mudar de ideia, admitir suas falhas ou falar a verdade aos poderosos (como os bobos da corte) sem as consequências funestas em termos de reputação ou de formação de tribos que ocorrem no mundo real, não engraçado.

Trecho retirado do artigo “Healthy ridicule” a respeito de um festival a ser realizado na Irlanda na cidade de Kilkenny de 9 a 12 de novembro de 2017 chamado de Kilkenomics que pretende juntar a economia e a comédia

    Prezados leitores, não deixem de ler a transcrição da conversa íntima entre Donald e Vlad, é de chorar de rir. Coloquem no Google o nome do autor e do título, conforme mencionados na abertura deste artigo. É um humor de primeira grandeza, porque apresenta as características de Donald Trump de maneira serena, sem apelações, sem ódio, o que faz com que seja diversão garantida para pessoas de todos os quadrantes ideológicos. Mostra seus cacoetes linguísticos, seu narcisismo, seu otimismo inveterado, sua certeza sobre tudo (inclusive sobre o fato de que o mundo se divide em ganhadores e perdedores e de que ele próprio pertence ao primeiro grupo) e seu provincianismo americano triunfante (ou como dizem os próprios americanos, o caráter excepcional da Nação mais importante da face da Terra), demonstrado quando ele pede ao líder russo, que lhe oferece caviar, para dar-lhe frango frito da rede KFC, como se os dois tipos de comida estivessem no mesmo patamar gastronômico. Caviar quem usa é a esposa Melania, para fazer máscara facial no filho Barron e evitar espinhas no menino que idolatra Putin e tem um pôster do líder russo em seu quarto na Trump Tower. Em suma, a qualidade da diatribe está na sua capacidade de revelar a personalidade do homem de maneira que pessoas como eu, que não descartam Trump como um palhaço fascista e torcem para que ele dê certo

    Uma pena que tal tipo de humor seja raro, e no mais das vezes a internet e as mídias sociais pululam com piadinhas de mau gosto ou caricaturas toscas que só são interessantes para os detratores do objeto do escárnio. Há três semana recebi um vídeo que gozava do racismo do novo presidente americano por intermédio de um narrador de notícias holandês que falava sobre como seus conterrâneos expulsaram os espanhóis do país no século XVII. Como considero essa uma das tantas críticas rasteiras feitas ao Aprendiz não achei engraçada a rememoração da história da Holanda. Tomar medidas para proteger as fronteiras é uma das prerrogativas do chefe do Executivo nos Estados Unidos e certamente isso envolve estabelecer critérios sobre que tipo de pessoas são desejáveis. Criticar qualquer esforço de discriminação, isto é, de diferenciação, como sendo racista é presumir que os seres humanos tenham uma capacidade inata de conviver de maneira harmônica com aquilo que é diferente e que contraria suas expectativas. Isso pode ser um desejo de certos grupos, e isso pode até verificar-se na prática em certos momentos e certos lugares, mas não sempre. Em um momento em que a Europa vive as consequências da política desastrosa do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, no Oriente Médio e na África, que levou à destruição de vários países e provocou a migração em massa, achar que será possível aos países ricos absorver esses contingentes sem atropelos é ser bem otimista. E claro, há quem ache que é obrigação dos países ocidentais receber os refugiados políticos e econômicos do Terceiro Mundo de braços abertos, considerando as práticas colonialistas de séculos passados e seus erros recentes. Pode ser realmente uma punição exemplar à Europa e aos Estados Unidos, mas por outro lado não há como negar que é direito dos cidadãos europeus e americanos escolherem não ser imolados para expiar culpas dos seus antepassados ou culpas dos governos das últimas décadas, os quais executaram políticas externas desastrosas que serviram mais determinados grupos de interesse do que o povo em geral.

    Em suma, Donald Trump acredita muito em si mesmo, é cafona, megalomaníaco e seus discursos são pontuados por declarações parentéticas e pelo recurso retórico da aposiopese, que o leva a fazer uma afirmação sucinta e esperar pelo efeito que ela terá sobre a plateia. Por outro lado, dizer que ele é racista é ingenuidade daqueles que presumem que tudo o que a grande imprensa publica é bem apurado e objetivo, ou má fé por parte dos que se beneficiam da globalização e por isso querem que ela continue vigendo. Daí que o humor inteligente mostra o motivo por que ele é um grande comunicador e de ter conseguido arrebanhar a presidência da rainha ungida pelos sábios Hillary Clinton, e ao mesmo tempo mostra que essas mesmas qualidades podem transformar-se em defeitos se ele não souber aprender com os erros que certamente cometera e já cometeu, neófito que é na política. Trump sofreu um grande revés na semana passada com a renúncia de Michael Flynn, conselheiro de segurança nacional, que era o mais enfático defensor da paz com a Rússia. Isso mostra que as intrigas palacianas correm soltas e que aqueles interessados na presença do Império americano em todo o mundo e sempre estão fazendo de tudo para preparar a cama para o impeachment do Presidente. O Aprendiz precisa aprender logo a tornar-se profissional, se ficar enamorado de sua própria imagem de homem mais poderoso do universo poderá ser devorado pelos chacais que rondam o Narciso, à espera de qualquer deslize do mancebo. No sábado dia 18, Donald reuniu 90.000 pessoas em Melbourne na Flórida, para arregimentar a base, talvez como meio de defesa contra os que querem tirá-lo do poder no tapetão.

    Prezados leitores, a acrimônia da política americana poderá ser fichinha perto da nossa, nas eleições presidenciais de 2018, caso as tendências apontadas nas últimas pesquisas eleitorais sejam concretizadas. Os resultados da CNT/ MDA mostram Lula com 30,5% e Jair Bolsonaro com 11,3%, os únicos candidatos ou possíveis candidatos cujo desempenho melhorou. Rir será fundamental para lidarmos com um hipotético segundo turno entre o sapo barbudo e o aloprado da direita. Espero que até lá surjam humoristas na cena tupiniquim que sejam tão perspicazes como Christopher Buckley foi mostrando o macho man sorrateiro Vladimir Putin e o show man galo de briga Donald Trump partilhando uma refeição no Kremlin. Afinal, como afirmou Rory Sutherland, o humor inteligente é sempre o último refúgio de sanidade e serenidade quando as tensões estão acirradas e as opiniões dramaticamente divididas entre as diferentes tribos.

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Meu Bem Meu Mal

Civilização é o bem; barbarismo é o mal. […] E quem vai definir para mim o que são a liberdade, o despotismo, a civilização, a barbárie? E onde ficam as fronteiras entre um e outro? Na alma de quem se encontra esse critério tão inflexível do bem e do mal, para que se possam avaliar fatos confusos e fugazes? Quem tem uma inteligência tão magnífica que lhe permita abarcar todos os fatos e pesá-los, ainda que no passado imóvel? E quem já viu uma situação em que o bem e o mal não estivessem juntos?

Trecho retirado do conto “Das memórias do Príncipe D. Nekhliudov” do escritor russo Liev Tolstói

O Lula ainda tem força para catalisar a favor e contra ele todo o processo eleitoral. O que seria lamentável, tanto para o País, quanto para ele. Seria um desserviço. Porque na melhor hipótese ele ganha, potencializando essa hostilidade mesquinha que vai agredir na porta do hospital a mulher dele que estava moribunda.

Trecho de entrevista dada pelo presidenciável Ciro Gomes ao jornal O Estado de São Paulo em 13 de fevereiro

    Prezados leitores, o velório de Dona Marisa Letícia, ex-primeira dama, ocorrido no dia 4 de fevereiro, não foi lá muito divulgado na mídia escrita. Ocupou o meio dos jornais, sem destaque na primeira página ao conteúdo do discurso de Lula louvando sua esposa e aproveitando para lançar farpas contra seus inimigos. A mídia escrita não quis dar atenção porque quer que nós, eleitores brasileiros, esqueçamos o fundador do PT, quer que viremos a página, quer colocá-lo como alvo inevitável das garras de Sérgio Moro. No entanto, para quem como eu assistiu ao evento pelo youtube, não há como deixar de se admirar como o enterro transformou-se em um bem organizado ato político.

    Bem organizado não pelo fato de que havia filas bem formadas para ver a defunta, de que todos estavam quietos e compenetrados, muito pelo contrário. O cenário era de balbúrdia, todos tirando fotos, todos interrompendo os padres que tentavam rezar e Lula que falou a contragosto, como ele frisou, porque não havia pensado em falar. Digo que foi bem organizado porque atingiu um fim que nosso ex-presidente provavelmente não tinha em mente de maneira clara antes do dia 4 de fevereiro, mas que decididamente concretizou-se à medida que ele improvisava. Não sou daqueles que consideram que Lula é um grande cínico, que aproveitou a morte da mulher para lançar-se candidato a Presidente em 2018 e já tinha tudo preparado em sua mente diabólica quando começou seu elogio fúnebre depois que os padres terminaram de rezar. Considero isso sim que Lula é um grande comunicador porque é autêntico e humano. Depois de ouvi-lo sempre ficamos com a impressão de que acabamos de ouvir uma pessoa de carne e osso que tem alegrias e tristezas como todos nós, ao contrário do constitucionalista Michel Temer que falando lembra a todos os brasileiros que é um privilegiado que nunca passou necessidade na vida e que condescende às vezes em descer de sua Torre de Marfim e dar uma olhada nos problemas dos habitantes da terra do pau-brasil.

    O sapo barbudo, vestido de preto, falou do nascimento dos três filhos que teve com sua galega e de como ele nunca esteve ao lado da esposa no momento do parto porque estava sempre envolvido com a missão de construir o PT. Marisa foi fundamental para o seu sucesso justamente porque nunca reclamou de ter de cuidar da família sozinha enquanto seu marido fazia política. Uma grande mulher que morreu triste porque foi caluniada pelos inimigos de Lula, que com a morte dela lutará até o fim para vingar as afrontas que foram feitas a sua amada. Os letrados antipetistas acharão tudo isso cafona e ridículo, mas como o próprio viúvo enfatizou em sua fala, Marisa sempre lhe disse para não esquecer de onde ele tinha vindo. Lula veio do povo e ao povo sempre retornará enquanto for um animal político. No dia 4 de fevereiro, ele não falou aos que foram às ruas defender o impeachment de Dilma e a defenestração definitiva do PT. No dia 4 de fevereiro, o santo guerreiro prometeu ao seu público cativo que limpará a honra da mulher morta e da sua família, todos acusados de corrupção.

    A pergunta que vem à mente é: como ele pretende fazer essa limpeza, nas urnas eletrônicas ou na barra dos tribunais, defendendo-se das acusações do outro santo guerreiro Sérgio Moro? É cedo demais para dizermos, mas quem assistiu às pessoas gritando Olê olê olê olá Lula la Lula la, Lula la… e um dos padres pedindo a Lula descansar porque o Brasil precisa dele percebe que se nosso ex-presidente precisava de uma motivação e de um motivo plausível para candidatar-se ele pode ter achado os dois no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, quando todos que estavam lá compartilharam sua dor e mais, sua indignação ante as maquinações das elites que não gostam dele, um legítimo representante do povo brasileiro sofredor e batalhador.

    De fato, há muitos motivos para Lula e seus partidários indignarem-se e sentirem-se vítimas das elites. Há os comentários depreciativos que certos médicos fizeram nas redes sociais sobre o estado de saúde de Dona Marisa, incluindo a manifestação do desejo de que o capeta a levasse. Há os dois pesos e duas medidas do Judiciário. Moreira Franco, citado em delação premiada, foi confirmado ministro, enquanto Lula foi barrado por Gilmar Mendes por liminar. Há uma percepção de que a Lava Jato foi muito bem quando tinha como objeto os desmandos do PT, mas que agora caminha a passos mais dificultosos quando as investigações abrem-se para o amplo espectro de políticos de esquerda e de direita, incluindo membros do governo interino de Michel Temer. Houve os excessos cometidos contra Lula, como a divulgação ilegal das ligações telefônicas trocadas entre a então presidente Dilma e o seu ex-futuro ministro, ilegalidade a que os antipetistas não deram muita bola porque favorecia sua causa. A grande imprensa contribui para esse sentimento de que os critérios utilizados para julgar a administração do eminente constitucionalista são muito mais brandos do que aqueles utilizados para avaliar o desastre econômico do governo petista. A queda da inflação sob Temer é comemorada como grande vitória, assim como o limite de gastos estabelecido na Constituição, a reforma trabalhista e a reforma previdenciária. Mas tudo isso beneficia muito mais o andar de cima do que o de baixo, pois para o povo os dados relevantes são que o comércio, que normalmente emprega as pessoas de menor qualificação, cortou 182 mil vagas em 2016, e que a taxa de investimento está atualmente em 1,6% do PIB, o que torna inviável a possibilidade de recuperação significativa do nível de emprego ao menos no curto e no médio prazos.

    Prezados leitores, concordo inteiramente com Ciro Gomes que diz, claro em causa própria porque quer ser o candidato da esquerda, que a volta de Lula é algo ruim para o Brasil, porque vai incitar o Fla-Flu. Infelizmente, aqueles que subestimam a capacidade de Lula porque ele não tem diploma universitário ou que simplesmente não gostam dele ajudam na sua volta quando dão motivos para que o sapo barbudo se sinta injustamente perseguido. Afinal, ele sempre desempenhou com maestria o papel de vítima, especialmente porque de fato foi vítima, ao menos durante parte de sua vida. Entre acusá-lo ou defendê-lo, prefiro admitir, como fez o grande Tolstói, que não tenho uma régua infalível que me permita saber o que é certo e o que é errado, e embora eu não deixe de utilizar minha modesta régua para nortear minhas escolhas, consigo vislumbrar a possibilidade de que haja outras réguas tão ruins ou tão boas quanto a minha. Cada um tem seu bem e seu mal, e admitir isso é um grande passo em prol da nossa humanidade comum. Quem sabe um dia nós brasileiros cheguemos a essa epifania coletiva?

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