Vários pesos e várias medidas

Milhares de crianças morreram na Guerra do Iêmen, a maioria morta pelos sauditas e seus aliados. Esses crimes de guerra foram documentados pelas Nações Unidas a despeito de um esforço diplomático conjunto dos Estados Unidos e do Reino Unido nas Nações Unidas para minimizar os crimes dos sauditas. Bombas de fragmentação, fósforo branco e outras armas ilegais foram usadas frequentemente. As crianças mortas no Iêmen raramente são manchete nos grandes veículos de comunicação, ao passo que as crianças sírias sim.

Trecho retirado do artigo “Rastreando a origem da corrida para a guerra” de Craig Murray, ex-diplomata britânico e atualmente ativista dos direitos humanos, publicado em 15 de abril

Em 7 de abril, quase três mil palestinos ateus, cristãos e muçulmanos encontravam-se feridos, mais de trinta e seis estavam em condição crítica, e pelo menos 25 manifestantes desarmados foram assassinados por centenas de atiradores de elite israelenses e tropas fortemente armadas que atiravam projéteis de tanques em grupos de civis que protestavam contra décadas de prisão pelo Estado Israelense racista. […] Esses massacres grotescos começaram na Semana Santa dos cristãos na Sexta-feira Santa e no Domingo de Páscoa, coincidindo com a Páscoa judaica.

Trecho do artigo “As 52 maiores organizações judaicas americanas e Israel celebram a Páscoa com o massacre de 25 palestinos, muçulmanos, cristãos e ateus” publicado pelo sociólogo americano James Petras em 8 de abril

Assim como o cidadão que infringe o direito civil em vista de sua utilidade presente, destrói o germe que contém seu interesse futuro e o de toda a sua posteridade, assim também o povo violador do direito da natureza e das gentes derruba para sempre os anteparos que protegiam sua própria tranquilidade.

Trecho retirado do livro Do Direito da Guerra e da Paz do jurista holandês Hugo Grotius (1583-1645), fundador do direito internacional

Hugo Grotius pintado por Michiel Jansz van Mierevelt em 1631

    Prezados leitores, há uma outra guerra civil ocorrendo no Oriente Médio, além daquela na Síria, amplamente divulgada pela mídia. Refiro-me ao conflito no Iêmen que se desenrola desde 2015 entre os rebeldes Houthis, apoiados pelo Irã, pela Coreia do Norte e pelo Hezbollah, e os Hadis, apoiados pela Arábia, Saudita, pelo Catar e pelos Emirados Árabes Unidos, dentre outros. A guerra já matou quase 14.000 iemenitas, deixou quase 50.000 pessoas feridas e obrigou mais de 3 milhões de pessoas a sair de suas casas. Uma epidemia de cólera atingiu o país em 2016 como resultado direto dos bombardeios aéreos realizados pela Arábia Saudita da infraestrutura do país, privando os habitantes de acesso à água tratada e ao saneamento básico. Há uma tentativa atualmente de banir a venda de armas do Reino Unido para a Arábia Saudita, por meio de uma ação intentada pela CAAT (Campanha contra a Venda de Armas) no Poder Judiciário britânico. Há poucas chances de sucesso, porque a Arábia Saudita conta com o apoio do governo dos Estados Unidos, que realizou bombardeios aéreos no Iêmen e obviamente do Reino Unido.

    Por outro lado, esses mesmos países que apoiam a Arábia Saudita em sua intervenção militar no Iêmen mostraram-se indignados com um ataque de armas químicas supostamente perpetrado pelo governo sírio em Duma em 7 de abril. Nada foi provado ainda sobre se houve de fato o uso de armas químicas. Somente no dia 14 de abril é que a Organização para a Proibição de Armas Químicas enviou um grupo para averiguar o que ocorreu em Duma. E no entanto, os mesmos países que se importam muito pouco com as crianças no Iêmen que estão morrendo de fome e de sede por causa do bloqueio imposto pela Arábia Saudita, de quem são aliados incondicionais, tomam as dores das supostas vítimas inocentes do sanguinário ditador Bashar al-Assad, apoiado pelo outro famigerado Vladimir Putin. Tanto assim que os líderes da comunidade dos países do bem, Estados Unidos, Reino Unido e França, usaram esse episódio como justificativa para um ataque aéreo em 13 de abril. Mesmo assumindo que Assad de fato ordenou o uso de armas químicas contra civis, que diferença moral os países ocidentais encontram entre morrer de cólera, de fome, de sede ou por armas químicas? O resultado não é o mesmo?

    Essa estranha preferência por crianças sírias em detrimento de crianças iemenitas repete-se em relação a outro conflito no Oriente Médio, entre Israel e Palestina. Os atos perpetrados na Páscoa em Gaza, o gueto onde vivem de maneira precária um milhão e oitocentos e cinquenta mil palestinos na terceira região mais densamente povoada do mundo, tiveram pouca repercussão na mídia e na comunidade internacional. A tentativa de investigação das atividades do exército israelense foi barrada pela embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Nikki Haley, que as qualificou como uma “ação defensiva contra terroristas”. Para Haley, palestinos que atiram pedras e recebem em troca tiros na cabeça para matar ou nos joelhos para aleijar são terroristas perigosos e receberam uma resposta proporcional.

    Prezados leitores, todos os países têm interesses geopolíticos, os quais muitas vezes sobrepõem-se a considerações sobre o bem-estar das populações que se veem no fogo cruzado dos grupos que estão disputando recursos naturais e econômicos. Não há dúvida de que tanto os Estados Unidos quanto a Rússia querem vender gás para os europeus e essa é uma das razões por que há essa presença militar das duas potências no Oriente Médio, por onde passam importantes gasodutos. Mas seria tranquilizador que as partes que estão se enfrentando ao menos discutissem de verdade, utilizando argumentos com base nas leis do direito internacional em vigor, aplicáveis a todos. Isso está longe de ocorrer no momento.

    Os países capitaneados pelos Estados Unidos que atacaram a Síria em 13 de abril o fizeram sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, sem respaldo em nenhum tratado internacional, infringindo a soberania do país. Bem ou mal, se a Rússia tem presença militar lá é porque além de ter interesse em defender suas bases navais de Tartus e Latakia, foi convidada a fazê-lo pelo líder da Síria, Assad, que monstro ou inocente é o governante de um país que tem direito à autodeterminação, como preconiza a Carta das Nações Unidas. O Reino Unido justificou sua ação militar dizendo ser uma resposta proporcional ao sofrimento enorme causado pelo uso de armas químicas pelo governo sírio.  Tal justificativa poderia começar a fazer sentido quando a força-tarefa enviada pela OPAQ constatasse a extensão do dano, se é que essa organização tem imparcialidade suficiente para relatar o que de fato constatar em campo. Além do mais, que proporcionalidade existe entre o dano, mesmo que seja real, e a resposta a ele nesse caso específico? De que adianta realizar um ataque aéreo sobre instalações com armas químicas se tal ataque aéreo liberará mais substâncias químicas? Se não há respaldo legal para o ataque nem razoabilidade em termos da relação entre o que se pretende atingir com a inciativa militar relativamente aos seus efeitos colaterais por que essa superioridade moral da “comunidade internacional”?

    Em 17 de março passado o porta-voz do Estado Maior das forças armadas da Rússia, general Sergey Rudskoy, anunciou que tinha informações de que os Estados Unidos estariam treinando terroristas takhfiri no sul da Síria para realizarem ataques químicos que seriam imputados ao governo de Assad. Não podemos saber nessa guerra de informações o que é verdade ou meia-verdade: será que houve ataque químico, mas não de autoria do governo sírio? O fato é que é mais um episódio para acirrar os ânimos depois do envenenamento de ex-espião russo e de sua filha Júlia que já está fora de perigo, mas permanece incomunicável. É de esperar que haverá um boicote à Copa do Mundo na Rússia como parte da estratégia de marginalizar o país. E assim caminhamos celeremente rumo a um grande conflito entre as grandes potências, em meio aos vários pesos e às várias medidas que a comunidade internacional dá a diferentes eventos, de acordo com os interesses predominantes. Pobre do direito das gentes, como o definiu Hugo Grotius. E mais pobre ainda aqueles que o desprezam, porque sofrerão as consequências.

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Novos paradigmas

Esse novo paradigma é um paradigma em que você não tem as mesmas preocupações formais do paradigma anterior, você muda o sistema de investigação das provas, você torna o processo mais voltado à denúncia, a obter digamos, os dados que possam fundamentar uma denúncia, você se perde menos nos detalhes, você abre menos brechas para que os advogados possam pedir nulidade a partir de questões processuais deslocando o foco da investigação e do julgamento

Trecho da entrevista dada por José Eduardo Faria, editorialista do jornal O Estado de São Paulo e professor titular de Filosofia e Teoria Geral do Direito para a edição de abril da revista da CAASP

Quando se consegue convencer uma pessoa indiciada a se voltar contra seus antigos colegas em troca de um crime menos grave ou de uma pena mais leve, os procuradores conseguem fazer a festa. Essa é uma forma de propina — você nos conta no banco das testemunhas aquilo que queremos ouvir e vamos com calma com você — isso é permitido somente aos promotores e os tribunais toleram isso.

Trecho retirado do artigo “O que está procurando Robert Mueller?”, publicado em 5 de abril pelo juiz aposentado americano Andrew Napolitano a respeito das investigações sobre o Presidente Donald Trump

    Prezados leitores, com erros e acertos parece que o Brasil está definitivamente tomando novos rumos no Direito Penal. Esses nossos juristas que foram estudar nos Estados Unidos, entre eles Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, trouxeram novos conceitos e começaram a aplicá-los às atividades do Partido dos Trabalhadores enquanto esteve no poder entre 2002 e 2014. Para ser justa Joaquim Barbosa também o fez no processo do Mensalão, mas neste ano de 2018, o alvo foi um ex-presidente da República, e portanto, o que está em jogo não são simplesmente uns assessores que Lula poderia alegar que atuaram sem o seu conhecimento.

    Quem foi condenado foi o próprio chefe do Executivo federal brasileiro por oito anos, a quem Dallagnol, em seu lendário organograma em uma apresentação em Power Point, comparou a um chefe de organização criminosa. Aliás, nada me tira da cabeça que Dallagnol, ao elaborar aquele organograma, deve ter se inspirado em uma cena do filme O Poderoso Chefão 2, quando Michael Corleone, o capo de tutti capi, é obrigado a comparecer ao Congresso Americano para depor em uma comissão que investiga as atividades da máfia. Enquanto ele está falando há uma projeção na tela do recinto que mostra Michael Corleone no topo do qual saem ramificações referentes a seus subordinados na hierarquia. Dallagnol foi muito ironizado pelos defensores do ex-presidente pelo show midiático, pela versão fantasiosa e espetaculosa apresentada por ele comparando Lula a um Chefe de Organização Criminosa, mas esse tipo de abordagem é de se esperar nesse direito penal de inspiração anglo-saxônica, pois o protagonismo fica sempre com a acusação. Explico-me.

    Quando Reinaldo Azevedo, jornalista que inventou o termo “petralhas” para descrever os partidários fanáticos do PT, e Gleisi Hoffmann, a combativa presidente do partido afirmam que Lula foi condenado sem provas e quando o advogado de defesa Cristiano Zanin alega que Lula teve o direito de defesa cerceado porque Moro não lhe deu a chance de fazer prova em contrário, é preciso entender a perspectiva sob a qual as partes em conflito veem os fatos. Não é possível negar que Moro não encontrou nenhum registro de imóvel em que constasse o nome de Luiz Ignácio ou de sua esposa Marisa como proprietários do tríplex no Guarujá. Também é um fato que Moro negou o pedido de Zanin de produção de provas que consistisse em fazer uma perícia nas contas bancárias de Lula para descartar a possibilidade de ele ter se beneficiado de dinheiro advindo dos contratos firmados entre a OAS e a Petrobras. Também não se encontraram milhões em dinheiro vivo em um apartamento de algum parente de Lula, coo foi o caso de Geddel Vieira Lima. Algum ato executivo específico que o ex-presidente tenha assinado em prol de alguma empreiteira também não havia, o que embora não fosse necessário para tipificar o crime de corrupção passiva, serviria para aumentar a pena e certamente daria mais substância à acusação.

    E no entanto, a despeito de toda essa falta de provas, tais como elas são tradicionalmente concebidas, foi possível montar uma denúncia, fazer o processo desenrolar-se e chegar a uma condenação confirmada na segunda instância por unanimidade. Qual foi o truque do Mandrake? Má fé do Judiciário brasileiro que conspira com a elite para destruir a participação da classe trabalhadora no poder? Ou um novo modo de fazer uma investigação? Vou optar pela segunda opção porque eu não tenho acesso livre aos círculos do poder no Brasil para afirmar categoricamente que houve conluio para destruir Lula. O fato é que Dallagnol e Moro juntos tinham como premissa fundamental que em plena era das transações eletrônicas instantâneas crimes de colarinho branco deixam poucos rastros palpáveis e que a única maneira de entrar nas suas entranhas é valer-se da delação premiada que é um toma lá dá cá, acusações em troca de penas menores. O delator conta aquilo que o promotor quer ouvir, isto é, fala sobre as atividades suspeitas de outro peixe mais graúdo, atividades essas que podem vir a configurar um crime se as pistas dadas pelo delator renderem frutos.

    No caso do nosso ex-presidente foi Leo Pinheiro quem deu a dica do apartamento tríplex no Guarujá como sendo de Lula. Moro ao longo do processo foi descobrindo as notas fiscais que comprovavam que ele havia sido reformado às custas da OAS, que o casal Lula o tinha visitado. Isso tudo são indícios. O fio condutor que permitiu a condenação foi a história contada por Leo Pinheiro, que serviu como chave de interpretação do entra e sai no apartamento, das notas fiscais de gastos com serviços de construção. Daí porque o juiz de Curitiba não deferiu o pedido de Zanin de demonstrar que não havia movimentações bancárias suspeitas nas contas de Lula que pudessem estabelecer um fluxo de dinheiro da OAS para o ex-presidente. Os proponentes do novo direito penal em solo pátrio partem do pressuposto de que em crimes desse tipo o modus operandi é tão sofisticado que o fato de não haver prova cabal de transferências de dinheiro não é motivo para inocentar. Afinal, o promotor e o juiz estavam convencidos, com base na versão de Leo Pinheiro, que havia um bem azeitado esquema de pagamento de propinas e concessão de contratos. Deferir o pedido da defesa de produção dessas provas periciais seria atrasar um processo cuja acusação era já coerente e que não podia ser negada pelas provas indiciárias apresentadas.

    Prezados leitores, a dúvida que fica agora é se esse direito penal dos promotores, da transação, da condenação célere, novidade em um país de tradição jurídica romano-germânica conseguirá consolidar-se aqui nos trópicos ou será um modismo que terá servido para dar impulso à desconstrução do Partido dos Trabalhadores desejada por uma parte da população brasileira. Oxalá ele seja aplicado em todo o espectro político para que a justiça boa ou ruim que ele engendra, seja ao menos cega e valha para todos. Aguardemos aquilo que Paulo Preto o homem da mala dos tucanos paulistas, tem a falar.

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A hora da verdade ou do Tiririca?

Um motorista de táxi de Queens em Nova York, Nicanor Ochisor, de 65 anos de idade, enforcou-se na garagem de sua casa em 16 de março, deixando um bilhete em que afirmou que os aplicativos de táxi Uber e Lyft tinham tornado impossível que ele conseguisse se sustentar. Foi o quarto suicídio de um motorista de táxi em Nova York nos últimos quatro meses, incluindo uma morte em 5 de fevereiro, quando Douglas Schifter, de 61 anos, matou-se com um tiro na frente da sede da prefeitura.

Trecho retirado do artigo “‘Gig Economy’” é o novo termo para a servidão”, de Chris Hedges, jornalista americano ganhador do Prêmio Pulitzer e ex-professor da Universidade de Princeton, publicado em 25 de março

Permita que eu emita e controle a moeda de um país e eu não me importarei sobre quem faz as leis.

Dito por Mayer Amschel Rothschild (1744-1812), banqueiro judeu considerado o pai fundador das finanças internacionais

Na próxima quarta-feira (28/03), às 11h00, na sede institucional da OAB SP, a advocacia, por meio de suas entidades representativas, reúne-se em ato a favor da Justiça, manifestando-se contrária ao atual ambiente de disputa entre ministros do STF, atitude que afeta a credibilidade e contribui para corroer a imagem do Judiciário.

Comunicado da Ordem dos Advogados do Brasil

Imagem de Nossa Senhora das Dores, de Aleijadinho, exposta no MASP

    Prezados leitores, nesta semana tentei fazer um humilde comentário em um artigo publicado na internet sobre o episódio do envenenamento que a Grã-Bretanha acusa a Rússia de ter realizado e usei a palavra factoide. Como já expus aqui há duas semanas, considero este mais um factoide divulgado pela mídia para demonizar a Rússia e seu presidente e justificar algum enfrentamento militar futuro. O próximo passo para marginalizar a Rússia será provavelmente um boicote à Copa do Mundo pelos Estados Unidos e pelos países europeus. Mas a Rússia hoje não é o objeto do meu artigo, mas o fato de que meu comentário não foi aprovado pelo moderador será meu ponto de partida. Havia comentários na página com erros grosseiros de português, com xingamentos, mas talvez essa pequena palavra tenha sido por demais subversiva, porque ela mostra o óbvio. E o óbvio nunca pode ser escancarado, a nudez do rei precisa ser ignorada para a tranquilidade espiritual de todos.

     Vivemos rodeados de factóides, isto é de escândalos criados e alimentados por determinados grupos para conseguir algum intento. Nesta semana houve as revelações “bombásticas” de uma ex-amante de Donald Trump, que aliás foram a principal reportagem da seção internacional de Veja, que sempre segue aquilo que a grande imprensa americana dita. Um factóide não é nem um fato, nem uma mentira, ele está a meio caminho entre um e outro. Muito provavelmente Trump teve um caso com Stephanie Clifford, atriz de filmes pornôs. Para os que odeiam o presidente americano é mais uma prova da sua total falta de caráter. Para os americanos que votaram no The Donald é mais um escândalo fomentado por jornais e revistas que estiveram contra ele desde a campanha presidencial e não vão dar trégua enquanto não conseguirem retirá-lo da Casa Branca.

    A questão importante aqui, independentemente de ser contra ou a favor de Donald Trump, é a seguinte: qual a relevância disso para os problemas sérios enfrentados pelo povo americano? Será que não seria o papel de veículos como a CNN, os jornais New York Times e Washington Post darem o devido destaque à precarização das formas de trabalho evidenciadas por esses suicídios em Nova York? Será que uma discussão sobre o efeito da nova economia, praticada por empresas como a Uber, a Amazon e a Airbnb, sobre a renda do trabalhador não seria mais útil? A Amazon está acabando com as livrarias, a Airbnb está acabando com os hotéis e a Uber está acabando com os táxis. Ou seja, há muita destruição acontecendo na economia atualmente, e muitos trabalhadores já estão sendo literalmente sacrificados no altar da economia compartilhada. Caberia àqueles que ditam a pauta dos jornais, revistas e TVs prestarem um serviço de utilidade pública e prestar esclarecimentos sobre aquilo que de fato afeta a vida das pessoas em geral. O que ocorreu entre Stephanie e Donald em 2006 é mera distração, ou pior, é um esforço deliberado de tratar do que é desimportante para que o que é importante continue não sendo resolvido.

    Nosso Brasil claro, não está imune aos factóides. Aliás, temos uma respeitável tradição nesse quesito. Em nossa primeira crise política enquanto nação independente, aquela da abdicação de Dom Pedro I em 1831, vários factóides, explorados pela imprensa, serviram para pintar o retrato do tirano que queria colocar o Brasil sob o jugo do absolutismo. Um dos mais famosos foi o assassinato do jornalista Líbero Badaró em 20 de novembro de 1830 (esse script se repetiria em 1954), cuja autoria foi imputada a alemães. A tal da opinião pública logo associou os alemães aos mercenários alemães colocados por Dom Pedro no exército. É improvável que Dom Pedro mandasse assassinar um jornalista, mesmo porque, como já mencionei semana passada, ele mesmo escrevia para os jornais sob pseudônimos e defendia ideais liberais. Mas os grupos que queriam Dom Pedro fora do Brasil para garantir seus próprios interesses, inclusive o de manter a escravidão firme e forte no Brasil, fizeram de Líbero Badaró o mártir da liberdade ameaçada pela tirania do imperador português que então nos governava.

    Aliás, quase duzentos anos depois da abdicação de Dom Pedro massacrado pela imprensa da época, é forçoso constatar que nossa democracia vem alimentando-se já há algum tempo das crises fabricadas, dos escândalos, algo que se intensificou a partir de 2014, com a eleição de Dilma Rousseff. A Operação Lava-Jato, o impeachment, o julgamento de Lula, sua caravana atacada por tiros, os discursos inflamados de Bolsonaro, as sessões “UFC” do Supremo Tribunal Federal, todos estão sempre nas manchetes dos nossos jornais, revistas, TVs e rádios. A opinião predominante é que isso é salutar porque ao mostrar a corrupção dos políticos e a violência das disputas a imprensa ajuda a aprimorar a democracia.

    Tenho lá minhas dúvidas: assistir aos embates de Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso dão-nos a impressão de que o Judiciário não é composto por juízes que aplicam a Constituição, mas por líderes de gangues, para os quais a lei é algo a ser manipulado para destruir seu inimigo. A própria OAB admitiu o perigo da corrosão da credibilidade ao convocar um ato de repúdio, conforme mostrado na abertura deste artigo. É mais um escândalo que gera vídeo no youtube, memes, mas para bom entendedor mostra que se os políticos não estão à altura do regime democrático, porque recebem propinas e usam o cargo para favorecer a si e a seus doadores, tampouco o Judiciário mostra-se apto a preencher o vácuo criado pelo apagão dos outros Poderes.

    De espalhafato em espalhafato nós brasileiros acabamos nivelando tudo por baixo. Se o escândalo é a norma e todo o mundo tem o rabo preso a algum interesse escuso que acaba cedo ou tarde sendo revelado, podemos então aceitar o “atira para matar” do candidato Bolsonaro assim como aceitamos o “pedido” de Gilmar Mendes para que Barroso feche seu escritório. Todos estão no mesmo balaio da democracia alimentada pela libertinagem de imprensa usado pelos diferentes grupos de interesse para atacar seus inimigos. É nesse ponto que a frase de Mayer Amschel Rothschild adquire todo o sentido. Se aos eleitores é fornecido apenas o pacote básico de factóides e aquilo que de fato afeta sua vida e seu bolso não é jamais discutido de maneira clara e com a devida ênfase, é porque não é para que os eleitores decidam sobre as questões de fato importantes, mas para ser distraído com escândalos de modo que outros tomem as decisões sobre como o dinheiro será ganho e será distribuído.

    Prezados leitores, não estou aqui a defender a censura aos veículos de comunicação, apenas um maior comprometimento com a democracia como a oportunidade de participação responsável dos cidadãos nas decisões. Se continuarmos assim, em outubro nosso voto de protesto contra a sujeira generalizada  será no equivalente do “Tiririca” para Presidente da República.

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O Dia do Fico -em 1822 e em 2018

Acho que o ex-presidente tem que ter o mesmo tratamento digno, respeitoso da Justiça brasileira que deve ser dado a qualquer cidadão. Alguém não pode ser considerado diferente por ser mais rico ou pobre, por ser mais importante ou menos importante, por ser líder ou trabalhador. Isso não tem e não pode ter importância. Seria a quebra da ideia de justiça, mas principalmente a quebra da ideia da igualdade. E essa é uma grande conquista do Brasil. Não tem que ser privilegiado, mas também não pode ser destratado, tratado de maneira a lhe prejudicar pela circunstância de ter um título como esse, que foi honroso, foi levado pelas urnas, de ter sido presidente da República.

Trecho da entrevista de Cármen Lúcia, a presidente do Supremo Tribunal Federal, à rádio Jovem Pan quando indagada do porquê de o julgamento sobre o pedido de habeas corpus para o ex-presidente Lula ter sido adiado para 4 de abril

A princesa tinha mais consciência que d. Pedro de que nada mais poderia esperar de Portugal. As ordens vindas de lá, se forçosamente cumpridas, acabariam por despedaçar o Brasil em dezenas de repúblicas, como ocorrera com as províncias espanholas na América do Sul. […] Guiado pela esposa que articulava nos bastidores, pelo conselho do pai e pelo caos em que se antevia que o Brasil poderia cair após sua partida, d. Pedro permaneceu no Brasil, garantindo, assim ao menos um trono para seus filhos.

Trecho do livro “D. Leopoldina, a história não contada, a mulher que arquitetou a independência do Brasil”, de Paulo Rezzutti, sobre os antecedents do Dia do Fico, 9 de janeiro de 1822, em que D. Pedro, príncipe-regente, decidiu desobedecer às ordens do Parlamento português que lhe ordenou voltar imediatamente à Europa

Capa do livro de Paulo Rezzutti

    Prezados leitores, liderança é algo difícil de explicar, impossível de ser ensinada em cursos de pós-graduação, como tentam fazer pelo mundo afora, mas qualquer um percebe quem tem e quem não tem. Para não aborrecê-los com conceitos e explicações abstratas, darei aqui um exemplo de liderança que ocorreu em 1822, de autoria de D. Pedro e de sua esposa Leopoldina. Eles se viram em uma encruzilhada: ou permaneciam no Brasil para garantir a viabilidade de um governo monárquico no país e a unidade territorial, ou então obedeciam às ordens das cortes de Lisboa, que tinham como objetivo fazer o Brasil retroceder ao seu antigo status de colônia.

    Uma e outra opção tinha prós e contras. Ficar no Brasil significava um grande sacrifício pessoal para Leopoldina, que sabia que nunca mais veria a família se aqui permanecesse, e que loira e de olhos azuis sofria com o calor carioca, com os mosquitos, com a sujeira da cidade do Rio de Janeiro. Além disso, seguir um caminho autônomo era um tiro no escuro, pois não podiam contar com o apoio de outros países para o reconhecimento da independência política do Brasil. Tanto isso é verdade que foi só em 1825 que Portugal concordou em reconhecer nossa soberania, o que viabilizou que as outras nações europeias o fizessem. E no entanto, nosso príncipe-regente e sua esposa, de comum acordo, tomaram a decisão de mandar as cortes portuguesas às favas. Claro, havia o interesse de garantir uma coroa de um imenso país para o filho varão em um momento em que na Europa esse bem escasseava, devido à derrubada de muitas monarquias. Embuídos dessa motivação primordial, Pedro e Leopoldina tinham algo mais importante, uma visão de futuro.

    Essa visão do que eles queriam para o Brasil fica evidente nos escritos de D. Pedro para os jornais brasileiros, para os quais ele atuava como jornalista sob o véu de pseudônimos. D. Pedro queria acabar com a escravidão, que ele considerava corretamente como o “cancro que rói o Brasil”. Fica evidente também na tentativa que Leopoldina fez, logo depois de declarada a independência, de arregimentar mão de obra livre na Europa para migrar para os trópicos. Nunca saberemos o que os dois poderiam ter feito juntos, se tivessem atuado em uníssono como fizeram até 1822. Para a desgraça do Brasil, D. Pedro conheceu Domitila de Castro Canto e Melo em São Paulo naquele mesmo ano e permaneceu com ela por sete anos, enredado pelas artes do pompoarismo que a paulista sabia empregar. A paixão cega de D. Pedro o fez submeter a esposa a humilhações infinitas, que ela, cunhada de Napoleão Bonaparte, e descendente de São Luís, de Isabel, a Católica e do Rei Sol Luís XIV, não podia suportar. Leopoldina, morreu aos 29 anos oficialmente de erizipela, na verdade de depressão. Pedro, tendo destruído toda a credibilidade de que o casal desfrutava com os amores escandalosos, acabou abdicando em 1831 e partiu para Portugal para nunca mais voltar, morrendo de tuberculose em 1834. D. Pedro II, órfão de pai e mãe, ficou desde os cinco anos de idade nas mãos dos regentes, que eram os latifundiários e traficantes de escravos. Nosso segundo imperador foi um homem probo, comedido, mas lhe faltou a visão estratégica do tipo de país que seus pais haviam tido, mas não tiveram tempo de colocar em prática.

    A respeito do caráter pessoal, o mesmo podemos dizer da nossa Cármen Lúcia, que é uma mulher honesta, fala muito bem sobre os ideais republicanos, como exemplificado na abertura deste artigo, mas que em termos de liderança está deixando muito a desejar. Essa decisão de ontem de não decidir sobre o habeas corpus de Lula é mais uma mostra de que lhe falta resolucão sobre o que ela quer que o Supremo Tribunal Federal seja. Talvez um ringue do UFC? Afinal, no dia 21 de março Barroso e Gilmar Mendes tiveram mais uma de suas escaramuças verbais e Dona Cármen simplesmente encerrou a sessão e nem se deu ao trabalho de pedir que os dois galos de briga se comportassem.

    Ou será que Dona Cármen quer que o STF tenha um papel de mediador da nossa crise política? Se o papel do STF deve ser o de apaziguar os ânimos exaltados, não seria prioritário resolver a situação de Lula o quanto antes, seja mandando-o para a prisão ou acatando as alegações da defesa para anular o julgamento? Será que a alegação de que não se pode furar a fila é uma desculpa para não decidir algo premente, que tem uma profunda repercussão sobre a eleição presidencial que ocorrerá em pouco mais de seis meses? Será que estabelecer de uma vez por todas se Lula será ou não candidato não é algo importante para que o clima pré-eleitoral fique menos envenenado? Afinal, tal definição permitiria à esquerda e à direita formularem suas estratégias, tecer suas alianças, apresentar suas propostas, sejam elas construtivas ou negativas. Se o destino de Lula ficar incerto até outubro corremos o risco de termos uma campanha em suspenso, na qual os candidatos vão perorar sobre cenários hipotéticos e pior, ficarão enredados na discussão sobre se Lula é inocente ou culpado.  Uma lástima para que nossas “lideranças” tracem uma estratégia sobre que rumos o Brasil deve tomar na era pós-Lula, ou seria era Lula reloaded? Ou será que nunca nada será mais importante nos trópicos do que ser a favor ou contra Lula?

    Ao que parece, Dona Cármen Lúcia considerou que o comparecimento inadiável de Marco Aurélio Mello a evento na Academia Brasileira de Direito do Trabalho era razão suficiente para suspender a sessão de julgamento e retomá-la em 4 de abril, ou pode ter usado esse incidente como álibi para não arcar com a responsabilidade de decidir, mas adotando o discurso da imparcialidade republicana.

    Prezados leitores, em 9 de janeiro de 1822 D. Pedro deu um passo de cuja gravidade ele tinha consciência, mas cujas consequências ele estava disposto a assumir, ajudado por sua esposa. Em 22 de março de 2018, Dona Cármen Lúcia, teve um dia do fico todo especial: fico paralisada, fico no muro, fico me apegando à retórica jurídica para não agarrar o touro à unha e decidir de uma vez por todas se Lula é culpado ou inocente aos olhos da justiça brasileira. Enquanto isso, nas ruas, sabe-se lá o que acontecerá até outubro.

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O barco furado de todos nós

Gastamos quatro bilhões para tirar do poder várias pessoas que, francamente, caso tivessem permanecido em seus lugares e se pudéssemos ter gasto aqueles 4 trilhões nos Estados Unidos para renovar as estradas, pontes e resolver todos os nossos outros problemas —teríamos ficado em uma situação muito melhor, eu afirmo isso categoricamente agora. Prestamos um grande desserviço à humanidade. As pessoas que foram assassinadas, as pessoas que sumiram do mapa — para quê? E não parece que tenhamos obtido uma vitória.

Uma confusão. O Oriente Médio está totalmente desestabilizado, uma confusão total e absoluta. Eu gostaria que tivéssemos os quatro ou cinco trilhões. Eu gostaria que tivessem sido gastos aqui nos Estados Unidos em escolas, hospitais, rodovias, aeroportos e todo o resto que está caindo aos pedaços!

Donald Trump durante a campanha presidencial de 2016

Não sei quais as armas que serão usadas na Terceira Guerra Mundial, mas na Quarta Guerra Mundial serão usadas pedras e paus.

Atribuída a Albert Einstein (1879-1955)

Pôster de propaganda mostrando santo guerreiro da Revolução Russa vencendo o dragão do mal capitalista

    Prezados leitores, bem sei que no momento atual a ordem do dia é cada um decidir de que lado está: ao lado da Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio de Janeiro, ou do coronel da Polícia Militar, Washington Lee Abe, que denunciou o fato de uma crítica feroz da atuação da PM nas favelas cariocas ter sido colocada como mártir quando há inúmeros policiais que morrem em ação. Meu único comentário a esse respeito é que a morte de Marielle teve o efeito positivo de ofuscar totalmente a greve dos juízes que correu no dia seguinte ao do crime. Infelizmente nossos magistrados não tiveram a atenção que suas causas mereciam.

    Deturpando a fala do poeta, eu diria que cessa tudo quanto a antiga musa canta, quando um valor mais alto se alevanta. Em minha modesta opinião, a cena internacional está muito quente para ser negligenciada. A cada dia fica mais claro que o Donald Trump da campanha eleitoral, que propunha uma política externa menos intervencionista do Império Americano, foi fagocitado pelo complexo industrial-militar. A mais recente indicação disso é a demissão do Secretário de Estado Rex Tillerson, que estava tentando salvar o acordo com o Irã pelo qual a “comunidade internacional” iria retirar as sanções econômicas impostas ao país em troca da permissão de que suas instalações nucleares fossem inspecionadas. O objetivo seria impedir que os iranianos adquiram expertise para fazer uma bomba atômica.

    O provável substituto a ser sabatinado pelo Congresso americano é Mike Pompeo, que já se manifestou ser totalmente contra o acordo nuclear com o Irã e considera que os Estados Unidos têm o direito de intervir militarmente no país mesmo que o Conselho de Segurança da ONU não dê o aval. Quanto às conversas vindouras com Kim Jong-Un, a ideia não é negociar de verdade, o que implicaria ceder em alguns pontos. A ideia é comunicar ao líder da Coreia do Norte aquilo que os Estados Unidos esperam dele e se ele não aceitar, bem, também poderá haver ações militares para dobrar a espinha de mais um membro do grupo do eixo do Mal. Kim Jong-Um não pode esperar conseguir uma garantia de que não será atacado, mesmo tenho mostrado sua capacidade atômica.

    Se essas mudanças no gabinete de Donald Trump não fossem suficientes, há outros sinais perturbadores. O último factóide para caracterizar Vladimir Putin como um autocrata assassino é a acusação de Theresa May de que a Rússia está por trás da tentativa de assassinato por envenenamento a gás de um ex-espião russo, Sergei Skripal e sua filha em Salisbury na Inglaterra. Quando a primeira-ministra britânica explicou o caso ao parlamento o líder da oposição, Jeremy Corbyn fez-lhe a singela pergunta sobre se a Sra. May tinha provas irrefutáveis de que o governo russo era o responsável, mas as vaias a ele foram grandes e não obteve resposta. Pudera, May recusou-se a fornecer amostras do gás que atingiu o ex-espião à Rússia, o que é exigido pela Convenção sobre Armas Químicas para que o país possa ter a oportunidade de provar sua inocência, o que na prática significa que não haverá uma investigação séria, a ser feita de acordo com as regras do direito internacional.

    O engraçado nessa história toda é que o Sr. Skripal esteve preso na Rússia, por traição, de 2006 a 2010. Se o governo do famigerado Vlad tivesse interesse em eliminá-lo, teria sido muito mais conveniente fazê-lo na Pátria-Mãe e não em território estrangeiro. De acordo com James O’Neill, advogado e analista geopolítico, coincidentemente, o Sr Skripal foi recrutado pelo MI6, o serviço de inteligência do Reino Unido, como agente duplo na década de 90. Àquela época, o homem do MI6 em Moscou, oficialmente diplomata, era Christopher Steele, a quem Skripal deve ter reportado quando tornou-se agente duplo. Christopher Steele é o homem encarregado de elaborar um dossier que mostrava as conexões de Trump e da turma de Trump com a Rússia. Essas informações colocadas no dossier foram usadas como justificativa por Barack Obama, nos termos do Foreign Intelligence Surveillance Act, para espionar as comunicações eletrônicas do cidadão americano Donald Trump sem que houvesse a necessidade de solicitação de autorização do Poder Judiciário estadunidense para a violação da sua privacidade.

    O resumo da ópera é que Skripal pode ter auxiliado Steele a elaborar o tal do dossier, o qual faz com que haja outros interessados em uma queima de arquivos, a saber aqueles que encomendaram o dossier que fundamenta toda a polêmica em torno do conluio entre Trump e os russos, conluio que não foi provado pelo procurador especialmente designado para essa investigação, Robert Muller. O fato é que nós pobres mortais nunca saberemos a verdade, porque não haverá investigação isenta, há interesses poderosos envolvidos. O que importa, e isso já foi conseguido, é criar mais um fato que corrobora a visão negativa do líder russo como um pária da comunidade internacional (leia-se Europa e Estados Unidos). Em menos de duas semanas, um assunto de tal complexidade, envolvendo espiões, vários países, vários interesses em jogo, foi sumariamente resolvido colocando-se a culpa sempre no monstro sanguinário Putin.

    Para que isso servirá veremos. Uma nova intervenção dos países ocidentais na Síria, em que a atuação russa foi fundamental para salvar o regime do líder sírio Bashar al-Assad, que de outro modo teria sido defenestrado como foi Muamar al-Gaddafi da Líbia o foi em 2011 e Saddam Hussein do Iraque em 2006. Uma preparação da opinião pública internacional, o que significa dizer aquela que se mantém informada com base nas notícias geradas pelos veículos de comunicação sob a órbita americana, para um ataque preventivo à Rússia ou a fomentação de uma revolução democrática na Rússia depois da reeleição de Vladimir Putin em 18 de março. Ou até um ataque à Coreia do Norte, protegida pela China e pela Rússia.

    De qualquer forma, todas essas histórias fantásticas sobre envenenamentos de espiões com gás ou material radioativo, derrubada de aviões, etc. produzidas sem cessar, aceitas prontamente por todos como fatos, só envenenam os espíritos de uma maneira nunca vista desde a crise dos mísseis em Cuba. Vladimir Putin, assim como Kim Jong-Un, não são heróis nem bandidos, são líderes de seus países, e agem para defender os seus respectivos interesses geopolíticos. A Coreia do Norte sofreu na década de 1950 com a guerra que devastou a península e teve a presença de tropas americanas. A Rússia, ao longo dos últimos 200 anos, foi objeto de invasões e intervenções de países ocidentais que lhe custaram milhões de mortos. Ela quer evitar isso e para tanto quer estabelecer uma distância segura em relação aos seus inimigos, já que não tem defesas naturais. A política americana de demonizar os países cujos interesses chocam com os do império tem tido efeitos nocivos que o candidato Trump apontou de maneira sensata durante a campanha, mas que por alguma razão, que também não saberemos, ele tem preferido esquecer.

    Prezados leitores, a perspectiva de uma Terceira Guerra Mundial empalidece todas as nossas preocupações locais. Se houver a hecatombe nuclear tanto os partidários da vereadora Marielle quanto do coronel Washington, os defensores e os detratores de Putin, Trump e Kim Jong-Un estarão no mesmo barco furado. Torçamos para que a sensatez prevaleça.

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