O conhecimento ótimo

Sem o conhecimento adequado, a ação correta é impossível, com o conhecimento adequado a ação correta é inevitável. Os homens nunca fazem aquilo que eles sabem ser errado – isto é, irrefletido, danoso a eles mesmos. O maior bem é a felicidade e o melhor meio para ela é o conhecimento ou a inteligência.

Trecho retirado do livro “A Vida da Grécia”, do historiador e filósofo americano Will Durant (1885-1981), sobre o filósofo grego Sócrates (470 a.C.-399 a.C.)

Sócrates: Que forma então de governo você acha que é essa dos bons arqueiros e flautistas, e também dos atletas e dos demais praticantes de uma arte, estando ainda misturados a eles aqueles de que falamos há pouco, os que sabem da guerra em si e do matar em si, e mais os oradores a bafejar sua bazófia política – mas com todos eles, sem exceção, sem o conhecimento do ótimo, e de quando e em relação a quem é melhor se valer de cada uma dessas artes?

Alcibíades: Uma forma de governo medíocre, Sócrates!

Trecho retirado do diálogo denominado “Alcibíades Segundo” entre Sócrates e Alcibíades (450 a.C. -404 a.C.), líder ateniense e discípulo de Sócrates

    Prezados leitores, na semana passada afirmei neste meu humilde espaço que o pensador francês René Descartes (1596-1650) introduziu na filosofia o conceito de dúvida sistemática, pela qual haveria uma depuração dos pensamentos do indivíduo para ele chegar às ideias claras que pudessem servir de base a construções dedutivas e ao melhor entendimento do mundo. Mas tal percurso era solitário e o próprio Descartes descreve suas aventuras mentais no livro o Discurso do Método. Nesta semana, falarei novamente dessa busca pelo conhecimento na figura já tratada aqui de Sócrates, que explorava a dúvida no convívio social, na forma dialética dos diálogos que ele estabelece com seus discípulo e amigos.

    A dialética socrática é um processo de mão dupla em que ele tenta descobrir as coisas fazendo perguntas a seus interlocutores e a partir das respostas semear dúvidas na mente deles. Em qualquer diálogo de Sócrates, a dúvida, a que os gregos chamavam aporia, era o meio de ir analisando os conceitos paulatinamente de modo a chegar a definições precisas. Assim é que Sócrates pede a seus interlocutores que lhe deem a definição de um conceito geral, como amor, justiça, filosofia, loucura ignorância, em relação ao qual as pessoas normalmente acham que têm algum conhecimento, já que são palavras que fazem parte da linguagem corrente. A definição dada a Sócrates é o ponto de partida para ele destrinchá-la revelando o quão é contraditória, absurda, incompleta ou inconsistente.

    Em Alcibíades Segundo, Sócrates pergunta ao seu pupilo: “você não supõe que é preciso ter muita prudência para não se clamar, sem perceber, por grandes males supondo que são bens, e os deuses calharem de estar naquela posição em que dão as coisas pelas quais alguém calha de clamar? Essa pergunta inicia a discussão sobre a insensatez, a loucura e a ignorância. O homem muitas vezes pede aos deuses – e lhes oferece holocaustos para ter seu pedido satisfeito – coisas que quando concretizadas prejudicam aquele que clamou pela intervenção divina. E quando a desgraça acontece o homem tende a culpar os deuses, como se estes tivessem sido responsáveis. Aqui chega-se à encruzilhada da aporia socrática: de um lado a ideia de que os deuses controlam tudo, inclusive nossa própria loucura, amaldiçoando-nos com ela quando satisfazem nossos pedidos insensatos que nos fazem sofrer; de outro a ideia de que o homem não é governado pelos decretos inexoráveis dos céus: ele faz suas escolhas e deve ser responsabilizado por elas.

    Assim, uma vez o confronto entre ideias incompatíveis é detectado, o diálogo entre Sócrates e Alcibíades vai produzindo frutos, surgindo uma definição do que é ser insensato: ser insensato, não é ser amaldiçoado com alguma loucura pelos deuses, ser insensato é ser ignorante e ser ignorante é não saber o que fazer no momento certo e com as pessoas certas. Conforme mostra o trecho que abre este artigo, é preciso ter conhecimento do ótimo, isto é, do que de maneira específica e prática trará benefícios e não malefícios. Um indivíduo pode ter conhecimento de como conduzir uma guerra, o outro pode ter conhecimento de como falar bem: mas esse conhecimento só será ótimo se o guerreiro souber quando começar uma guerra, quando pará-la e contra quem fazê-la; e se o orador souber o que falar, em que momento falar e a quem falar.

    Se há um conhecimento ótimo, há uma relação entre conhecimento e virtude: só se atinge o bem por meio do conhecimento, pois é por meio da tentativa de superação da ignorância que o homem consegue conhecer a si mesmo e as outros, adquirindo assim a virtude da temperança que o leva a escolher o melhor caminho, livre das paixões que muitas vezes impelem o homem a tomar decisões que causam mais mal do que bem.   Quando o homem pede algo aos deuses dominado pela paixão, pela falta de conhecimento do caminho virtuoso, ele sofre as consequências da sua má escolha. As desgraças humanas não são obra de nenhuma divindade, mas da ignorância do indivíduo que não adquiriu o conhecimento suficiente para escolher o que seria mais benéfico.

    Para o filósofo inglês Bertrand Russell (1872-1970), essa associação que Sócrates faz do bem com o conhecimento é a principal marca deixada pelo filósofo sobre o pensamento grego. Nesse sentido, a ética ancorada na superação da ignorância e das paixões e na busca do conhecimento como bem supremo é diametralmente oposta à ética cristã, fundada na virtude de um coração puro, inocente. Afinal, sob a ótica do cristianismo, somente as pessoas que não conhecem a si mesmas, os ignorantes, poderão ter um coração puro e ser virtuosas, pois aqueles que já olharam para dentro de si e reconheceram suas paixões e suas fraquezas já perderam a inocência.

    Prezados leitores: dúvida sobre si, dúvida sobre seus pensamentos, dúvida sobre suas definições, dúvida sobre suas verdadeiras motivações. Tanto Sócrates quanto René Descartes, cada qual com seu método e com seus próprios objetivos, nos deixaram a lição da razão como o maior bem do ser humano.  Que o diálogo socrático e a dúvida cartesiana possam nos servir de bússolas nesses tempos de ideologias e paixões irreconciliáveis.

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Cogito ergo sum

O novo “método” de Descartes na filosofia, seu novum organum, era o de analisar concepções complexas e separá-las nos seus elementos constitutivos, até que os elementos irredutíveis sejam ideias simples, claras, distintas, e o de mostrar que todas essas ideias básicas podem ser derivadas ou depender de uma consciência primária de um ser de que ele pensa. De outro modo, deveríamos tentar deduzir dessa percepção primária todos os princípios fundamentais da filosofia.

Trecho retirado do livro “Começa a Idade da Razão” do filósofo e historiador americano Will Durant (1885-1975)

As coisas que nós concebemos de maneira muito clara e distinta são todas verdadeiras, e isso não é garantido por outra coisa que o fato de Deus ser ou existir e que ele é um ser perfeito e que tudo aquilo que está em nós vem dele: daí que nossas ideias ou noções, sendo coisas reais, e que vêm de Deus na medida em que são claras e distintas, não podem ser outra coisa que verdadeiras. De sorte que se nós temos aquilo que frequentemente contém falsidade, talvez isso não seja outra coisa que não o fato de que há nela algum elemento confuso e obscuro, devido ao fato de essa coisa fazer parte do nada, isto é, ela não é confusa por outra razão que não o fato de que nós não somos perfeitos.

Trecho retirado do livro O Discurso do Método, do filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650)

    Prezados leitores, na semana passada, sob o título Eppur, si muove escrevi um artigo sobre as ideias filosóficas do matemático e físico italiano Galileo Galilei (1564-1642) e como elas incomodaram a Inquisição Católica, particularmente quando elas defendiam a preponderância das constatações obtidas por meio do método científico sobre as afirmações textuais da Bíblia. Nesta semana, meu alvo será outro pioneiro da Idade da Razão descrito por Will Durant em seu livro, René Descartes, cuja filosofia costuma ser resumida pela famosa frase Cogito, ergo sum, Penso logo existo, “Je pense, donc je suis”, conforme está escrito no original do seu livro “O Discurso do Método”. Eu a utilizarei como ponto de partida para entender o novo método filosófico de Descartes, que tanto influenciou a cultura francesa, dando a todas as suas manifestações, quer seja na literatura, na arte ou na dramaturgia, forma, moderação, ordem e racionalidade.

    Como deixar de duvidar de tudo? Como não ser cético em relação a tudo? A resposta está em considerar a própria experiência mental, que é um processo autoconsciente: se reflito e duvido da minha própria existência isso em si prova que a minha existência é algo real, porque se eu não existisse não haveria um processo mental ocorrendo de dúvida sobre o próprio ser. Eu posso pensar que estou andando e na verdade não estar, quando por exemplo eu estou sonhando que estou andando. Mas se eu penso que estou pensando isso em si é incontestável, porque o processo de reflexão já está ocorrendo. Dessa forma, é possível crer em uma ideia simples e clara, a de que minha existência é real, porque é comprovada pela consciência que minha mente tem dela. Nesse sentido, o pensamento é a única realidade que nos é direta e vividamente conhecida.

    Descartes liga a certeza da sua própria existência como ser pensante àquela de Deus, conforme mostra o trecho que abre este artigo. As ideias simples e claras são inspiradas em nós por Deus, que é um ser perfeito e portanto, só pode ser verdadeiro. Tudo o que em nós é confuso e obscuro não vem de Deus e deve ser extirpado. E como aproximar-se cada vez mais de Deus e da verdade e distanciar-se da falsidade e do Nada? Descartes explica em seu livro o caminho que ele próprio percorreu seguindo sua razão.

    O segredo é duvidar de tudo e só adotar uma ideia quando ela for tão cristalina e distinta a ponto de ser incontestável. Descartes introduziu no mundo ocidental a noção de dúvida sistemática. Devemos duvidar de tudo, dos nossos sentidos, dos nossos silogismos, das nossas opiniões, da nossa imaginação. Mas a dúvida não é um fim, como é para os céticos, mas um meio de chegar à verdade.

    Para isso devemos fazer uma verificação rigorosa de modo que nada escape nossa atenção.   Considerando a complexidade do mundo, as ideias que servirão de axiomas só podem ser obtidas se destrincharmos cada problema com que nos deparamos em diversas partes, tantas quantas forem necessárias para isolar os elementos básicos e chegarmos às ideias claras e distintas, ao conhecimento certo de objetos simples. Uma vez obtidos esses princípios fundamentais, podemos percorrer o caminho oposto, que é o de partir do mais simples para o mais complexo reunindo os blocos obtidos durante a análise para montar o edifício cognitivo.

    Daí porque Durant descreva Descartes como um dos pioneiros da Idade da Razão, que revolucionou a civilização judaico-cristã. O filósofo francês não tem como meta sair vitorioso de um argumento, como era comum nas escolas da sua época, marcadas pelas disputatios herdadas da pedagogia escolástica, em que o aluno propunha uma tese que era oposta por outro aluno. Esses exercícios de retórica não acrescentavam nenhum conhecimento, não faziam os participantes chegarem a alguma verdade que não conheciam, porque não havia o sopesamento dos argumentos prós e contras com vistas a uma conclusão compartilhada por todos os participantes. Ao contrário, quem muito se dedicava a isso só conseguia fazer prevalecer a verossimilhança, por ter usado truques retóricos para parecer mais convincente e ganhar o debate.

    Prezados leitores, “O Discurso do Método” é um livro curto e acessível e tornou a filosofia algo inteligível para os franceses. A popularidade do livro foi tal que René Descartes foi convidado em 1649 a ser professor de filosofia da Rainha Cristina da Suécia (1626-1689), o que o acabou matando de pneumonia, pois a soberana queria ter três aulas por semana às 5 da manhã. Outro dos motivos de ter sido um best-seller foi o fato de Descartes ter usado um tom de intimidade para descrever seu percurso intelectual, tal qual um cavaleiro que descreve suas aventuras. Longe do filósofo de querer impor seu método aos leitores: em contando sua experiência como um ser humano que tem um vislumbre de Deus e da verdade por meio da atividade de pensar, Descartes estimula os leitores a fazer o mesmo devido ao seu próprio sucesso na empreitada. Penso, logo existo: essa é a receita do bolo cartesiano. Convido vocês a colocá-la em prática lendo “O Discurso do Método”, uma pequena grande obra.

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Eppur, si muove

A Natureza … é inexorável e imutável, ela nunca viola as regras a ela impostas, ou liga a mínima se suas razões recônditas e seus métodos de operação são inteligíveis para o homem. Por essa razão, parece que nada físico que os sentidos e a experiência colocam diante dos nossos olhos ou que demonstrações necessárias nos provam deve ser refutado (muito menos condenado) mediante o testemunho de passagens da Bíblia que podem ter um significado diferente por trás das palavras.

Trecho retirado do livro “Começa A Idade da Razão”, do filósofo e historiador americano Will Durant (1885-1981), sobre o astrônomo e físico italiano Galileo Galilei (1564-1642)

Depois da ocupação da Áustria em março de 1938, quando ficou claro para Brecht que a guerra era inevitável e que nada que ele fizesse poderia alterar o curso dos acontecimentos, ele voltou-se a um trabalho que refletia suas inquietações pessoais e filosóficas mais profundas. Assim começou sua quarta fase, a mais criativa da sua vida; ela produziu peças que combinam a exuberância da juventude de Brecht com a rígida disciplina ideológica do seu período didático, fundindo esses elementos em uma série de parábolas poéticas profundamente sentidas. Os destaques desse período são: A Vida de Galileo, que lida com as responsabilidades de um homem genial em um meio hostil;[…].

Trecho retirado do verbete da edição de 1974 da Enciclopédia Britânica sobre o dramaturgo e poeta alemão Bertold Brecht (1898-1956)

    Prezados leitores, na semana passada abordei a peculiaridade histórica de o Ocidente ter tido a crença religiosa minada pelas disputas entre Católicos e Protestantes que envolveram não só argumentos teológicos, mas confrontos bélicos. Isso levou à divisão dos cristãos em diferentes tribos que se odiavam mutuamente, o que acabou tirando a credibilidade daqueles que falavam em nome de Deus, mas exigiam sacrifícios bárbaros e praticavamm crueldades intolerantes, como se verificou durante a Guerra dos Trinta Anos na Europa.

    Nesta semana, abordarei uma outra vertente pela qual a religião foi desafiada no continente europeu: não o sectarianismo das partes que quiseram vencer a outra pela força, mas a ciência, que mostrou a incapacidade da religião de servir como autoridade para afirmações sobre o mundo real, isto é, o mundo acessível por nossos sentidos e nossa razão. A figura que encarnou esse desafio ao valor proposicional das afirmações religiosas sobre a origem e funcionamento do mundo com base na Bíblia foi Galileo Galilei, conforme mostrarei neste artigo.

    Galileo é conhecido como o homem que subia ao topo da Torre de Pisa, sua cidade natal, para fazer experimentações com objetos caindo. Na verdade, não se tem certeza se realmente isso aconteceu, mas independentemente disso as contribuições do cidadão mais famoso da cidade italiana à física e à ciência em geral residem no fato de que ele estabeleceu alguns dos princípios básicos que regeriam o método científico. O Universo era um livro escrito em uma linguagem própria, a da matemática, e só aprendendo tal língua é que podemos começar a compreender o mundo sensível. Era tempo de parar de nos valermos da muleta de Aristóteles, cujas afirmações haviam sido tomadas como verdade devido à aura que ele adquirira como o filósofo grego escolhido pela Igreja Católica para compor sua teologia. Era preciso olhar o mundo com os olhos abertos e nos livrarmos das categorias filosóficas ultrapassadas, fruto da observação superficial do mundo físico.

    Partindo da premissa que os fenômenos naturais podiam ser descritos por meio de números e fórmulas matemáticas e colocando de lado as autoridades filosóficas e sua metafísica, Galileo estabeleceu uma distinção entre dois tipos de propriedades: as propriedades da matéria, que podem ser tratadas matematicamente – a extensão, a posição, o movimento, a densidade; e as outras propriedades – os sons, o tato, os odores, as cores e assim por diante – que são inerentes à consciência das criaturas vivas. A diferença entre elas é que as propriedades da matéria têm existência independente da consciência, ao passo que a impressão que o mundo real deixa nos sentidos das criaturas vivas desaparece com a morte delas. Nesse sentido, a base do conhecimento científico estava nas propriedades que poderiam ser estabelecidas com objetividade e precisão pela linguagem matemática e não naquelas centradas na subjetividade e no impressionismo.

     Daí que de posse de um método que evitava as falhas e a parcialidade dos sentidos, Galileo Galilei tinha a confiança necessária para a afirmação que abre este artigo: entre uma proposição da ciência que usava a matemática para entender as leis que governavam o universo e uma proposição da Igreja Católica baseada na Bíblia, a escolha deveria ser pela primeira. As palavras da Bíblia, eram equívocas, fruto de traduções ao longo dos séculos e objeto de diferentes interpretações ao gosto dos teólogos escrevendo em diferentes línguas e de acordo com diferentes valores. Pretender que a Bíblia pudesse ser usada como fonte de conhecimento sobre o modo como o mundo havia sido criado e como ele funcionava era inaceitável, à luz do método científico que pouco a pouco ia sendo elaborado pelos então chamados filósofos naturais.

    Não admira que Galileo tenha tido problemas com a Inquisição, o órgão da Igreja Católica responsável por detectar e punir as heresias, isto é, aquilo que desafiava a ortodoxia. Especificamente, em 1615 o astrônomo e físico foi questionado formalmente sobre sua afirmação de que “o Sol permanece imóvel no centro da revolução das orbes celestes, enquanto a Terra gira em torno do seu eixo e em torno do Sol”. À época a Igreja adotava a cosmogonia ptolemaica-aristotélica, segundo a qual a Terra era imóvel e o Sol e os outros planetas giravam em torno dela. E isso era de se esperar para que a mitologia cristã fizesse sentido: Deus não escolheria um planeta que não fosse o centro do universo para que seu filho, o Cristo, nascesse, para que o Verbo se transformasse em Carne.

    Conforme explica Durant no capítulo sobre o julgamento de Galileo, em 26 de fevereiro de 1616, ele compareceu perante o Cardeal Bellarmino (1542-1621) e submeteu-se à ordem da Inquisição de renegar a teoria heliocêntrica como falsa porque contrária à Bíblia. No entanto, após a publicação do Dialogo dei due massimi sistemi del Mundo em 1632, Galileo voltou a ter problemas com o Santo Ofício e foi chamado a se explicar em Roma em agosto daquele ano. Em sua defesa, ele alegou que o livro não defendia uma posição em detrimento da outra, apenas as confrontava por meio das discussões dos personagens: Salviati e Sagredo defendiam a teoria de Copérnico (1473-1543) e Simplício a rejeitava. Os inquisidores não se convenceram por esse estratagema estilístico de que o autor não havia caído na heresia novamente. Em 22 de junho de 1633, ele foi condenado, mas se abjurasse da falsidade da teoria heliocêntrica e recitasse salmos penitenciais pelos próximos três anos seria absolvido.  E assim Galileo o fez, sendo-lhe então permitido em dezembro daquele mesmo ano recolher-se a sua vila em Arcetri, onde ainda conseguiu elaborar uma súmula das suas pesquisas na física intitulada “Discorsi e dimostrazioni matematiche intorno a due nove scienze” antes de lá morrer, aos 78 anos de idade incompletos.

    Prezados leitores, nessa queda de braço entre religião e ciência, exemplificada pela trajetória de Galileo Galilei, condenado duas vezes pela Inquisição e obrigado a humilhar-se para não sofrer punições maiores, quem teve a última palavra no Ocidente? Em 2005, em comemoração ao Ano Internacional da Física, a Universidade de São Paulo patrocinou a encenação da peça de Bertold Brecht, estrelada pelo ator Paulo César Pereio (1940-) e com música da Orquestra de Câmara da USP. Galileo Galilei (nome dado à peça no Brasil) retrata os embates do cientista com a Igreja Católica e, conforme o trecho que abre este artigo, é uma das obras-primas do dramaturgo, naquela época já convertido aos ensinamentos do filósofo e economista Karl Marx (1818-1883), que considerava a religião o ópio do povo. Será que a ciência no século XXI livrou a humanidade da necessidade da droga consoladora da religião? Ou ela simplesmente nos proporcionou outras, com efeitos mais palpáveis, sem acabar com a necessidade delas?

    Em tempo: a frase “Eppur, si muove” (No entanto, ela se move – referindo-se à Terra) é uma lenda e só surgiu atribuída ao gênio de Pisa em 1761.

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A trilha da tolerância e da intolerância

Mas apesar de a Reforma ter sido salva, ela sofreu, juntamente com o Catolicismo, do ceticismo estimulado pela grosseria das polêmicas religiosas, pela brutalidade da guerra e pelas crueldades da crença. Durante o holocausto, milhares de “bruxas” foram mortas. Os homens começaram a duvidar das crenças que pregavam sobre Cristo e praticavam o fratricídio puro e simples. Eles descobriram as motivações políticas e econômicas escondidas em fórmulas religiosas, e suspeitavam que os governantes não tinham fé nenhuma, mas sede de poder. […] A Paz de Westfália acabou com o reinado da teologia na mente europeia, deixando a estrada obstruída, mas transitável para as tentativas da razão.

Trecho retirado do livro “Começa A Idade da Razão”, do filósofo e historiador americano Will Durant (1885-1981), sobre a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) na Europa que opôs os católicos aos luteranos, calvinistas, unitaristas, anabatistas e demais seitas protestantes

 

Na qualidade de cidadão do Catar, tenho orgulho do que aconteceu. Não sei quando os ocidentais vão perceber que os valores deles não são universais, Há outras culturas com valores diferentes que devem ser igualmente respeitadas. Não nos esqueçamos que o Ocidente não é o porta-voz da humanidade.

Comentário retirado do Twitter sobre a proibição por um guarda à entrada de um torcedor vestido com uma camiseta com arco-íris para assistir ao jogo entre Estados Unidos e País de Gales em 21 de novembro

 

Talvez eles não estejam prontos para receber um mundo tão diverso quanto o nosso. Vocês querem ser os anfitriões de uma festa, mas nem mesmo gostam dos convidados.

Comentário retirado do Twitter sobre o mesmo episódio

 

    Prezados leitores, neste meu humilde espaço eu já fiz referência algumas vezes à Guerra dos Trinta Anos e à Paz de Westfália, que pôs fim a ela. Foi uma disputa por ideologias religiosas para decidir quem falava a verdade sobre o significado da Bíblia e da figura de Cristo. Foi uma disputa de poder entre o Sacro Império Romano-Germânico, liderado pela ultra-católica dinastia dos Habsburgos, cujas possessões incluíam terras europeias americanas, africanas e asiáticas, e os Estados europeus como França, Inglaterra, Suécia, Dinamarca e os principados alemães, que queriam limitar o poder imperial e adquirir maior autonomia. E finalmente foi uma disputa pelo patrimônio material da Igreja Católica, dona de terras e dos direitos atrelados a elas, como cobrar direitos de passagem e de uso.

   Em seu balanço final sobre o impacto da guerra sobre a Europa, Durant destaca certos fatos estabelecidos pelos historiadores que estudaram o assunto: a diminuição drástica da população na Alemanha e na Áustria de 21 milhões para 13 milhões e 500 mil habitantes; o esvaziamento de 29.000 das 35.000 vilas que existiam no Reino da Boêmia em 1618; a destruição de 1.090 das 1.717 casas que estavam de pé em 1618 em 19 vilas da região da Turíngia. E principalmente, Durant aponta quem mais sofreu com a Guerra dos Trinta Anos, os camponeses, sobre cujos cultivos as tropas de católicos e protestantes passavam com seus cavalos e charretes, cujas colheitas eram confiscadas pelos exércitos para abastecer os soldados, cujas filhas eram estupradas e assassinadas, cujas casas eram saqueadas e queimadas.

    Como a brutalidade e a crueldade aconteceram de todos os lados que teoricamente lutavam para colocar em prática os ideais morais de Cristo, a Guerra dos Cem Anos foi um divisor de águas mental na Europa, conforme explica o filósofo e historiador americano no trecho que abre este artigo. Houve a total perda de credibilidade das religiões que pretendiam ser a verdade suprema. Se o convencimento dos que professavam uma fé diferente só era possível na base do uso da força bruta, será que a fé católica ou a protestante tinham algum elemento de verdade? Ou eram um mito para instilar medo nas pessoas, fazê-las obedecer ao chamado de guerra e permitir que o defensor de uma religião ou outra conquistasse poder pela derrota do inimigo e pela conquista do botim?

    Daí que depois de 1648, a tolerância abriu caminho na Europa, não porque tenha havido um acordo entre as partes opostas para chegar a uma contemporização, a uma terceira via que contemplasse aspectos de todas as seitas religiosas, mas simplesmente porque o exaurimento material causado pela matança e destruição levou também a um exaurimento espiritual, à perda da crença naquelas verdades que haviam inspirado o horror da guerra. A teologia, como construção intelectual sobre o significado e o conteúdo da religião, deixou de ser levada a sério, porque a fé no sobrenatural deixou de ser um motivo válido para matar e morrer. As milhões de vítimas da refrega entre católicos e protestantes haviam sido sacrificadas em vão, porque ao final, pela Paz de Westfália, estabeleceu-se que cada Estado teria a religião que seu soberano escolhesse e aqueles que fossem de outra confissão deveriam partir. Não se chegou a uma conclusão definitiva sobre o que era verdadeiro e falso sobre Deus e Jesus Cristo, simplesmente decidiu-se pelo fim da guerra por razões práticas, para que houvesse a ordem necessária que permitisse às pessoas ter uma vida normal de trabalho rotineiro.

    Assim, não haveria mais guerras entre confissões religiosas rivais porque não haveria mais motivo para disputas teológicas: cada Estado soberano ficaria no seu quadrado ideológico (em latim, Cuius regio eius religio), sem invadir o espaço do outro e estamos conversados. A universalidade da Igreja Católica caiu por terra e o papa nunca mais teve o poder político de que gozava quando a religião era considerada relevante o suficiente para levar as pessoas a lutar pela sua defesa.  A tolerância que surgiu na Europa na primeira metade do século XVII era a da constatação de que não era possível ter bases sólidas, aceitas por todos, para uma dedução das verdades religiosas. Cada um que adotasse a sua verdade e não pretendesse ter a última palavra. Quem pretendera atingir a unanimidade só causara danos às pessoas e às coisas.

    Livre da religião como assunto digno de reflexão, a Europa embarcou no rumo da razão como ferramenta para conquistar poder sobre a natureza e moldá-la às necessidades materiais do Homem, o que se revelou mais produtivo para as pessoas do que discutir se o corpo de Cristo está ou não na hóstia consagrada ou se o destino de cada um de nós já foi estabelecido por Deus no começo dos tempos. Foi um percurso particular, que não se reproduziu em outras regiões do mundo, e daí que essa tolerância desenvolvida no continente europeu, fruto da decepção com o efeito da religião sobre a vida do homem, ser um valor determinado historicamente.

    À luz dessa explicação sobre o impacto da Guerra dos Trinta Anos sobre a mentalidade europeia e sobre os valores que a civilização ocidental acabou adotando, as palavras do cidadão do Catar mencionadas na abertura deste artigo não são tão chocantes, como poderia parecer à primeira vista. Esse tuiteiro quer que os torcedores que estão no país para assistir à Copa do Mundo parem de reclamar sobre a proibição de qualquer imagem de arco-íris que possa ser vista como apologia LGBT. O Catar é um país que segue os preceitos da religião muçulmana, que nos países em que ela é praticada pela maioria da população, é seguida como guia de comportamento moral.

    Afinal, qual é a culpa dos muçulmanos se os Ocidentais consideram há quatro séculos que a religião é uma questão de escolha que não pode pretender ser universal? Os muçulmanos não tiveram sua fé nos benefícios da religião abalada irrremediavelmente pela fome, pelas pragas, pelas torturas e pela morte causadas pelas guerras religiosas em nome de Cristo. Por que haveriam de duvidar do seu profeta Maomé, se ele não foi usado em vão por irmãos para odiarem-se e vingarem-se mutuamente, ao mesmo tempo que esses cristãos sanguinários pretendiam saber quem era o verdadeiro Filho de Deus?

    Sob essa perspectiva, o Ocidental que exigiu no Twitter que os habitantes e as autoridades do Catar recebam os apologistas de LGBT de braços abertos em nome da diversidade quer que os muçulmanos adotem a mesma atitude indiferente que uma ampla parcela da população nos países ocidentais têm em relação aos preceitos religiosos: já que nenhum deles pode ser considerado verdadeiro, então que todos sejam tolerados, inclusive o preceito da não religiosidade.

    Prezados leitores, em 2022 no Catar a trilha da tolerância ocidental, fruto da desilusão religiosa, cruzou a trilha da intolerância oriental, fruto da fé na religião, que ainda vigora. O melhor a fazer nessa encruzilhada é que os transeuntes das respectivas trilhas, ao findar a Copa do Mundo, sigam o preceito estabelecido na Paz de Westfália: cada um que continue em seu caminho, construído ao longo de um percurso histórico irreproduzível e irredutível às premissas de outra civilização, cuja trilha é fruto de outros desafios e de outras respostas, como nos ensinou o historiador Arnold Toynbee (1889-1975) em sua obra-prima “Um Estudo da História”. Que a tolerância e a intolerância de ocidentais e orientais possam assim conviver no planeta Terra sem que uns queiram se imiscuir nos assuntos do outro.

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Ostracismo Verde

Ação e reflexão são atividades que exigem, cada uma separadamente, qualidades que mutuamente se repelem. São bem raros os que possuem ambas; mesmo nestes casos, haverá que, mais cedo ou mais tarde, melhor mais cedo do que mais tarde, optar pelo exercício exclusivo de uma delas sob pena de não se realizar em nenhuma. A biografia do secretário florentino é um caso-limite do fenômeno que se repete todos os dias, do homem de talento disposto a vender a alma ao Diabo e preparado para sacrificar a formulação de suas ideias, por mais inteligentes que lhe pareçam, à satisfação passageira de haver impingido ao príncipe de plantão ao menos uma parte delas.

Trecho retirado do ensaio “À maneira de prólogo ou elogio do ostracismo”, escrito pelo historiador pernambucano Evaldo Cabral de Mello (1936-)

Até pouco tempo atrás, socialistas, comunistas, capitalistas, conservadores e progressistas, todos eram desenvolvimentistas. O planeta está dizendo que ele tem um limite e, por isso, a visão linear de uso indefinido da biodiversidade não cabe mais. Precisamos de um desenvolvimento sustentável e talvez o Brasil seja o país que reúne as melhores condições para ser o pioneiro nesse projeto viável. Sustentabilismo não é engessar a economia. É criar um novo ciclo de prosperidade.

Trecho retirado da entrevista dada por Marina Silva, recém eleita deputada federal por São Paulo à revista VEJA na edição de 16 de novembro

 

    Prezados leitores, o secretário florentino a que Evaldo Cabral de Mello faz referência no trecho que abre este artigo é nada mais nada menos do que Niccolò Machiavelli (1469-1527), o filósofo que iria escrever uma das principais obras de Ciência Política da história ocidental. Em 1512, o então secretário da Segunda Chancelaria florentina perdeu seu cargo devido à volta da família Medici ao poder, enterrando o regime republicano inaugurado 20 anos antes. Condenado ao ostracismo, Machiavel, como seu nome é escrito na língua portuguesa, refugiou-se na pequena propriedade que seu pai lhe deixou, chamada de San Casciano, a 30 quilômetros da cidade. Ali dedicou-se à gestão dos seus humildes negócios e à leitura dos historiadores clássicos, sobretudo Tito Lívio e Políbio. Sua recôndita esperança era que houvesse uma reversão da situação política na cidade e ele voltasse a cair nas graças dos donos do poder, para que pudesse colocar em prática, por meio de sua influência intelectual, seu programa político para a península itálica.

    E qual era esse programa? Era livrar a península da influência das potências estrangeiras, principalmente da Espanha e da França, que usavam o solo italiano como palco das suas disputas de geopolíticas e em o fazendo invadiram-no militarmente inúmeras vezes, causando destruição e desordem. Machiavel achava que um homem providencial e de resolução, pronto para exercer o poder da maneira que fosse necessária, como César Bórgia (1475-1507) e Fernando, o Católico (1452-1516), poderia unificar a península, acabar com as disputas entre as diferentes cidades e inaugurar uma era de paz e prosperidade, ainda que para tanto muita violência tivesse que ser perpetrada.

    Conforme explica Evaldo Cabral de Mello em seu ensaio, o sonho de Machiavel de exercer influência sobre os acontecimentos políticos na Península Itálica foi frustrado por completo. Quando da restauração mediciana ele foi nomeado historiador oficial e chegou a realizar duas ou três missões diplomáticas de pouca importância a cidades vizinhas, mas quando a república florentina foi restaurada após uma nova derrocada dos Medici, os novos republicanos não o convocaram para nada, pois ressentiram-se do fato de ele ter trabalhado para o governo anterior. Machiavel permaneceu em San Casciano até a morte e, com tempo de sobra para ler e refletir, escreveu O Príncipe, que expressava aquilo que na sua visão era necessário para viabilizar na prática a unificação italiana que, como sabemos, só ocorreu de fato mais de 300 anos depois, ao final do século XIX.

    Longe de lamentar a incapacidade do filósofo florentino de influenciar os eventos na sua terra natal, Evaldo considera que sem o ostracismo a que Machiavel foi forçado, ele não teria se dedicado àquilo que realmente sabia fazer, que era refletir e formular suas ideias para serem exploradas pelos seus conterrâneos e pelas futuras gerações. Machiavel, se tivesse conseguido algum cargo no governo florentino, teria sido medíocre porque não era um homem de ação e os homens de ação normalmente suspeitam dos intelectuais, que não têm que tomar decisões sobre os negócios públicos no dia a dia e portanto, podem dar-se ao luxo de entreter em sua mente grandes projetos. No frigir dos ovos, melhor para o pensamento político ocidental que Machiavel tenha desfrutado do ócio para maturar e escrever O Príncipe, do que ter perdido tempo de sua vida tentando fazer concretizar seu grand design da unificação italiana, dando conselhos a algum príncipe de carne e osso.

    Todo esse introito sobre as vicissitudes práticas e o triunfo intelectual de Niccolò Machiavelli serve para introduzir o tópico desta semana deste humilde artigo, o papel que Marina Silva exercerá no governo de Lula. Considerando que se espera uma grande virada em relação aos quatro anos de Jair Bolsonaro, em que houve aumento do desmatamento e enfraquecimento das estruturas de fiscalização do mau comportamento ambiental, Marina Silva poderá ser a guru de Lula, fornecendo-lhe um programa para a área.

    Como mostra o trecho citado da entrevista dada por Marina à VEJA, ideias não lhe faltam. Marina faz uma distinção entre desenvolvimentismo, perseguido como meta de crescimento econômico a despeito das externalidades ambientais por ele causadas, e desenvolvimento sustentável, que parte do pressuposto de que não se pode explorar a biodiversidade da Terra ad infinitum. E fazendo tal contraposição, ela chega a uma síntese no conceito de sustentabilismo, que gera prosperidade pela geração de empregos na bioeconomia, como no reflorestamento, no aproveitamento farmacológico da diversidade botânica do Brasil e na produção de energia limpa, isto é, sem a utilização de carvão, petróleo e gás. Não fica claro para todo mundo aonde a ex- Ministra do Meio Ambiente quer chegar?

    Sem dúvida, mas consideremos os fatos. Em 2008 ela pediu demissão do cargo porque discordava do Plano de Aceleração do Crescimento, que incluía a construção de duas gigantescas hidrelétricas no coração da Floresta Amazônica. Elas acabaram sendo construídas, Jirau, no Rio Madeira, que ficou pronta em 2013, e Belo Monte, no rio Xingu, que começou a funcionar em 2016 e Marina Silva denunciou que a pauta ambiental não era prioridade do governo petista. Será que as condições mudaram agora de tal maneira que a dileta amiga de Chico Mendes considere que se for Ministra do Meio Ambiente de Lula uma segunda vez ela terá mais sucesso em colocar em prática seu grand design?

    De fato, será que o nível de escolaridade dos brasileiros da Região Norte deu um tal salto de qualidade que será possível ter à disposição os recursos humanos necessários para, mediante os investimentos do governo, criar empregos de maior valor agregado no futuro, que não se limitem à exploração predatória da Floresta Amazônica, como o corte de madeira e a mineração? Os dados do IDEB, que medem a proficiência dos estudantes brasileiros do ensino fundamental e do ensino médio em português e matemática não são animadores: Pará teve nota 4,8 em 2021, Rondônia e Roraima 5,3, Acre 5,4, Amapá 4,7, Tocantins 5,1, Amazonas 5,3. Em suma nenhum dos Estados da Região Norte chegou ao desempenho dos melhores no ranking Ceará, São Paulo e Paraná, com 6,1.

    E quanto ao orçamento que o futuro Ministro do Meio Ambiente terá para, dentre outras atividades, criar novas reservas indígenas e aumentar o quadro de funcionários e melhorar a infraestrutura do IBAMA e do ICMBio, que realizam a fiscalização dos desmatamentos? A equipe de transição do governo Lula conseguiu dinheiro por quatro anos para manter a ajuda de 600 reais aos mais necessitados por meio de um acordo para furar o teto de gastos estabelecido pela Emenda Constitucional 95, que foi aprovada em 2016 e estabeleceu um limite aos gastos públicos por 20 anos. Será que o governo Lula conseguirá mais flexibilizações do teto para ter mais margem de investimentos? Ou será que o mercado financeiro reagirá mal a tal flexibilização, por receio de inviabilização do pagamento dos juros da dívida? Será que o novo governo, se insistir em mais exceções à regra do teto vencerá uma queda de braço com os donos dos títulos da dívida brasileira?

    Prezados leitores, essa pincelada nas condições sociais e políticas do Brasil permite-nos ver os desafios à execução de algum grand design ambiental e é nesse ponto que traço um paralelo entre Marina Silva e Niccolò Machiavelli. Será que nossa paladina da Floresta Amazônica terá capacidade e possibilidade de ser uma mulher de ação e causar impacto com sua agenda ambiental? Ou será que ela é melhor na formulação de ideias, mas na prática sempre falha em lidar com o desafio dos interesses conflitantes do dia a dia da política no Brasil? Será que Marina viverá um novo ostracismo, como ocorreu em 2008? E se isso de fato ocorrer será tão produtivo como foi o de Machiavel, que nos legou uma obra prima do pensamento político? Aguardemos.

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