Glória para quê?

Boisguillebert foi um dos primeiros a rejeitar a ilusão mercantilista de que os metais preciosos constituíam riqueza por si sós, e que o propósito do comércio é o de acumular ouro. A riqueza, dizia ele, consiste na abundância de produtos e no poder de produzi-los. A riqueza essencial é a terra; o fazendeiro é a base da economia, e sua ruína implica a ruína de todos; em última análise, todas as classes estão unidas por uma comunhão de interesses.

Trecho retirado da obra “A Era de Luís XIV”, escrita por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981), explicando o plano econômico de Pierre Le Pesant, Senhor de Boisguillebert (1646-1714), para mitigar o caos e a miséria durante o reinado de Luís XIV (1643-1715) na França

 

É a camada mais baixa da população que, pelo seu trabalho e indústria, e suas contribuições ao tesouro real, enriquecem o soberano e seu reino; no entanto, “é essa classe que agora, pelas exigências da guerra e a tributação de suas economias, está reduzida a viver em trapos e em cabanas em ruínas, ao mesmo tempo que suas terras permanecem não cultivadas”, na ausência de seus filhos recrutados para a guerra.

Trecho retirado da obra “A Era de Luís XIV”, escrita por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981), explicando as propostas de reforma econômica do engenheiro militar Sébastien Le Prestre, senhor de Vauban (1633-1707) para a França de Luís XIV (1638-1715)

As pessoas acostumadas à bajulação consideram ressentimento, amargura ou excesso aquilo que é simplesmente a pura verdade […] Vossa Majestade não ama Deus, Vossa Majestade somente O teme e com um enorme temor. […] Sua única religião consiste de superstições, de observâncias superficiais e insignificantes […] Vossa Majestade ama somente sua glória e seu ganho.

Trecho de uma carta anônima escrita por François de Salignac de La Mothe-Fénelon (1651-1715), arcebispo de Cambrai, ao rei Luís XIV, citada na obra “A Era de Luís XIV”, escrita por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981)

 

    Prezados leitores, na semana passada eu expliquei aqui neste humilde espaço o alerta que o filósofo e matemático Leibniz (1646-1716) fez sobre os voos da mente humana que, livre das absurdas proposições da religião a respeito da realidade objetiva, poderia acabar também deixando de lado os valores éticos ancorados nos mitos religiosos. Leibniz temia a desordem, a violência e a destruição que o homem, submetendo-se somente à sua própria vontade, e não mais à vontade divina, poderia ocasionar. Ele não viveu o suficiente para ver Napoleão empreender guerras na Europa por mais de 20 anos ininterruptamente, mas em sua época pode ver o rei da França, Luíz XIV, atuar da mesma maneira desimpedida, própria dessa nova era de liberdade.

    Luís XIV construiu Versalhes, protegeu artistas como Molière (1622-1673) e Racine (1639-1699), mas ao longo do seu longo reinado de 72 anos ele cultivou a guerra como meio de aumentar o território do país e garantir que a França tivesse fronteiras mais naturais e defensáveis. Em 1672 invadiu a Holanda, em 1688 invadiu a Alemanha, em 1701 apoderou-se de cidades que serviam de defesa para os Países Baixos Espanhóis (que atualmente correspondem mais ou menos à Bélgica). Para montar seus exércitos, foi implacável na tributação dos franceses, não de maneira justa claro, pois os pobres arcavam com a maior parte dos impostos. Além disso, as classes baixas contribuíam com o esforço de guerra pelo recrutamento forçado de soldados e pelo aprovisionamento de víveres para as tropas, e sofriam mais diretamente as consequências do ativismo bélico do rei-Sol. Afinal, a França invadia os países vizinhos, mas estes revidavam, invadindo-a, pilhando-a, matando como os soldados franceses faziam alhures.

    O resultado de anos e anos de campanhas militares foi devastador para o comércio, para a indústria e para a agricultura, pois todos os recursos do país eram canalizados para custear os sonhos gloriosos de Luís XIV de aumentar o território do país. A agricultura foi prejudicada pela falta de mão de obra, recrutada para as guerras, e pela destruição das plantações pelos exércitos invasores. O comércio sofreu com as sanções impostas pelo governo francês à importação de produtos estrangeiros, com a consequente retaliação dos países objeto das sanções, que pagavam na mesma moeda, impondo barreiras alfandegárias. A indústria, por sua vez, viu-se sufocada por regulações que acabavam tendo um efeito confiscatório de punição na forma de multas impostas sobre aqueles que não seguissem as regras, sem que fossem criados estímulos para as pessoas empreenderem livremente.

    Não é de se admirar que a população tivesse diminuído de 23 milhões de pessoas em 1670 para 19 milhões em 1700 devido à obsessão com guerras que causavam fome, pobreza e doenças. E que o Estado estivesse falido: em 1697 a receita total do Tesouro francês foi de 81 milhões de livres e as despesas foram de 219 milhões. Por outro lado, como o livre-pensamento andava solto, para o bem e para o mal, surgiram vários críticos do modo de governar do rei-Sol e propostas para tirar a França da ruína material em que se encontrava no final do século XVII e começo do século XVIII. Como mostram os trechos que abrem este artigo, a receita da redenção do reinado de Luís XIV seria que o rei cuidasse das pessoas e não da conquista de territórios.

    O Marquês de Vauban defendia, com base em números cuidadosamente compilados, que era preciso diminuir a carga de impostos sobre aqueles que carregavam o país nas costas, isto é, os que trabalhavam na agricultura e na indústria. Diminuindo os impostos, haveria um florescimento da atividade econômica que criaria empregos, geraria renda e faria nascer consumidores, estabelecendo um ciclo virtuoso de produção e consumo, que se complementariam. Como o Senhor de Boisguillebert afirmava, não era o acúmulo de metais preciosos que fazia a riqueza de um país, pois se não houvesse produtos agrícolas e manufaturados à disposição, o valor relativo dos metais seria diminuído pela escassez da produção. A economia real, isto é, aquela que gerava riqueza sustentável, era a economia dos produtores e não dos acumuladores de dinheiro.

    Luís XIV acabou não seguindo o conselho de nenhum desses estudiosos que procuraram, à luz da observação do que acontecia no país em termos de destituição do povo, formular soluções que fizessem a França renascer das cinzas de anos a fio em que a organização das atividades girava em torno da guerra. Como afirmou Fénelon em sua carta anônima, o rei era rodeado de bajuladores e, cioso do seu próprio valor, considerava qualquer crítica atentado de lesa-majestade contra sua dignidade. Acrescentando-se à vaidade do rei sua falta de um verdadeiro espírito religioso, de humildade perante uma autoridade maior que a sua, e estava consolidado seu caminho de perseguição da glória a qualquer custo, o que significou principalmente o sangue do povo francês.

    Em seu leito de morte, o rei-Sol deu um conselho ao seu bisneto, o futuro Luís XV: “não me imite no gosto que tive pelas grandes obras e pela guerra”. Mas a nós, que temos o privilégio da visão retrospectiva, fica claro que os sonhos de grandeza do rei, que amava a si mesmo mais do que tudo, lançaram os germes da Revolução Francesa, que causaria ainda mais morte e destruição.  Prezados leitores, fica para nós, no século XXI, uma pergunta: glória para quê? Para a satisfação dos anseios narcisísticos de um tirano, como o rei-Sol, ou para a consecução de algo transcendente ao indivíduo como Leibniz e Fénelon propunham? O que é possível ou provável atualmente? Observem os líderes políticos atuais e julguem vocês mesmos.

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Conhecimento para quê?

Pode ser dito que Epicuro e Spinoza, por exemplo, levaram uma vida absolutamente exemplar. Mas essas razões cessam de existir frequentemente nos seus discípulos ou imitadores, os quais, acreditando-se liberados do medo inconveniente de uma Providência que vê tudo e de um futuro ameaçador, dão rédea solta às suas paixões selvagens e voltam sua mente à sedução e à corrupção de outros[…]

Trecho retirado da obra “A Era de Luís XIV”, escrita por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981), citando o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716)

“Eu sempre começo como um filósofo,” ele disse, “mas sempre acabo como um teólogo” – isto é, ele achava que a filosofia deixava de cumprir seu objetivo se não levasse à virtude e à piedade.

Trecho retirado da obra “A Era de Luís XIV”, escrita por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981), comentando sobre o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716)

 

A opinião da maioria sobre o conhecimento é mais ou menos a seguinte: que ele não é forte, nem hegemônico, nem soberano. Tampouco ela pensa que é a mesma coisa que comanda o homem, mas que, frequentemente, mesmo em posse do conhecimento, não é o conhecimento quem o comanda, mas alguma outra coisa, ora a ira, ora o prazer, ora a dor, às vezes o amor, muitas vezes o medo. Ela praticamente considera o conhecimento como se fosse um escravo, arrastado por aí por tudo o mais. Porventura, a sua opinião se coaduna com essa, ou b, você crê que o conhecimento é belo e capaz de comandar o homem, e que, se alguém souber o que é bom e o que é mau, não será dominado por nenhuma outra coisa a ponto de praticar algo diferente do que o conhecimento prescrever, sendo a inteligência suficiente para socorrer o homem?

Trecho da tradução de Daniel R. N. Lopes do diálogo Protágoras de Platão (427 a.C.-347 a.C.) em que o personagem Sócrates fala

 

    Prezados leitores, eu venho aqui explicando uma parte das ideias de filósofos e pensadores como Anthony Collins (1676-1729), Baruch Spinoza (1632-1677), Anthony Ashley Cooper, o terceiro Conde de Shaftesbury (1671-1713) e o ainda vivo Sam Harris (1967-, todos deliberada ou inadvertidamente minando as bases da religião no Ocidente. A Bíblia não pode ser vista como fonte de conhecimentos factuais, no máximo como um conjunto de histórias míticas com algum valor moral, para quem está inserido na cultura judaico-cristã. O homem não tem livre arbítrio pelo fato de a consciência ser um dos processos que se desenrolam na mente do homem e portanto, nossas escolhas morais não dependem exclusivamente de nós e da nossa relação especial com Deus, mas do contexto em que atuamos como indivíduos. Os conceitos de bem e mal não são impostos por uma divindade que dita o que deve e o que não deve ser feito, mas são fruto da experiência do homem tentando sobreviver na Terra e organizando-se em grupos sociais para melhor enfrentar os concorrentes na luta por recursos escassos. Todas essas ideias saíram da cabeça dos pensadores que no século XVII começaram a pensar livres das amarras da religião cristã e continuam agindo da mesma forma no século XXI. Nesta semana, meu objetivo será estabelecer um contraponto a esse livre-pensar triunfante, nas figuras de Leibniz e de Sócrates (470 a.C.- 399 d.C).

    Não que Leibniz fosse avesso ao exercício da reflexão. Ao contrário, o homem era um polímata e o rei da Prússia, Frederico o Grande, definiu-o como uma academia nele mesmo. Inventou o cálculo infinitesimal na mesma época que Isaac Newton, mas publicou seus achados antes e ficou com os louros da criação, mesmo porque sua notação era melhor. Deu conselhos infrutíferos ao rei da França Luís XIV que lançasse expedições militares para conquistar o Egito e não invadisse os principados alemães. Talvez se o rei-Sol tivesse escutado a França não teria ido à falência por suas guerras europeias, e teria se transformado na potência imperial em que se transformou a Inglaterra. O que é importante para os fins deste humilde artigo é que ele refletiu sobre o conflito entre a religião e a racionalidade que explodia na Europa com a física newtoniana e com a concepção abstrata de Spinoza de um Deus indiferente que estava presente em tudo como a própria substância das leis que regiam o funcionamento da Natureza.

    Conforme os trechos que abrem este artigo, Leibniz preocupava-se com as consequências das seguidas derrotas que a religião sofria para a ciência, que descobria a ordem do Universo sem que fosse necessário pressupor a existência de nenhuma entidade metafísica. O livre-pensar, caso se tornasse prática corriqueira, trazia sérios riscos à ordem e à paz social. Uma coisa era que seres íntegros como Epicuro e Spinoza, seres dotados de grande capacidade intelectual, mas aliada a uma alta consciência moral, filosofassem fora de uma estrutura teológica. Eles não causariam mal nenhum, porque neles o conhecimento era um meio de chegar à verdade, mas também à virtude: conhecer para ser um ser humano melhor, adaptado à vida em sociedade e capaz de contribuir para ela.

    Outra coisa muito diferente era que indivíduos que não cultivavam a virtude, mas imitavam os livre-pensadores e assim se desfaziam das restrições comportamentais impostas pela religião, fizessem uso da sua liberdade recém-conquistada para atuar de acordo com suas paixões e ambições: afinal, se não era mais crível que os maus iriam para o inferno e os bons para o céu, para que preocupar-se em agir moralmente se tal agir me prejudicaria individualmente? Nesse sentido, Leibniz via com maus olhos as disputas ideológicas entre católicos e protestantes: elas não levavam ao bem nem à piedade, ao contrário tiravam credibilidade da religião, fomentavam a discórdia entre as pessoas e por isso minavam a sociedade, incitando à violência.

    Em suma, para Leibniz filosofar era saudável se os voos da mente humana não levassem o indivíduo para longe demais da virtude e do senso do divino, de uma autoridade transcendente ao qual todos deveriam se submeter. Esse enfoque em colocar o conhecimento dentro de limites éticos já era uma preocupação do Sócrates retratado por Platão no diálogo Protágoras. O conhecimento deve ser o senhor do homem, deve ser a fundação na qual seus atos são praticados, ele não pode vir a reboque das paixões humanas, ser um mero espectador passivo delas ou lhes servir de disfarce, como tantas vezes acontecia nos debates públicos em Atenas, quando os argumentos eram elaborados não em busca da verdade, mas do convencimento da plateia.

    Prezados leitores, em seu capítulo dedicado a Leibniz, Will e Ariel Durant apontam como ele exemplificou uma sapiência em relação aos limites e os perigos da razão e da liberdade, em contraposição à idolatria da razão que foi a pedra de toque do Iluminismo no século XVIII, em seu afã de destruir todas as bases da religião, para que o homem, livre das falsas superstições, dos rituais anacrônicos, se dedicasse a entender os mecanismos do universo e assim obtivesse o conhecimento para tornar a vida de todos melhor. No final das contas, a pergunta que Leibniz se colocou, continua válida, considerando que o mesmo conhecimento que nos deu o progresso material e que tornou a vida de qualquer humilde gari no século XXI mais confortável e mais segura do que a vida do rei Luís XIV ou do próprio Leibniz no século XVII, também nos deu as armas nucleares que pesam sobre o nosso futuro. Conhecimento para quê? Para levar uma vida virtuosa ou para concretizar nossas ambições? A resposta pode ser pensada livremente.

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O arbítrio é livre?

Reflita sobre o contexto em que sua próxima decisão será tomada. […] Você não escolheu seus pais, você não escolheu seus genes, você não escolheu as interações ou o efeito que eles tiveram sobre você, o efeito de todos os acontecimentos e conversas e exposições a ideias que você teve ao longo da vida.

Trecho da palestra sobre o livre-arbítrio proferida por Sam Harris (1967-) filósofo e neurocientista americano em 25 de março de 2012 na Califórnia

Somos livres na medida em que nos é permitido expressar nossa natureza ou nossos desejos sem obstáculos externos; não somos livres para escolher nossa própria natureza ou nossos desejos; nós somos os nossos desejos. “Não há em nenhuma mente a vontade absoluta ou o livre-arbítrio, mas a mente é determinada de forma a querer isso ou aquilo por uma causa que por sua vez é determinada por outra causa, e esta por sua vez por outra, e assim infinitamente.” ”Os homens consideram-se livres porque eles têm consciência das suas volições e desejos, mas ignoram as causas que os levam a querer e desejar”.

Trecho retirado da obra “A Era de Luís XIV”, escrita por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981), sobre o filósofo holandês Baruch Spinoza (1632-1677)

 

    Prezados leitores, na semana passada eu apresentei a vocês Sam Harris, que faz parte do grupo dos Novos Ateístas, os quais procuram combater a religião, que consideram como uma ideologia nefasta, questionando os argumentos que a sustentam. Entre esses argumentos está o de que a religião é a única fonte sólida da moralidade humana, tratado em “Céu e inferno para quê?”. Nesta semana tratarei de outro argumento, o do livre-arbítrio, também abordado pelo filósofo e neurocientista americano. Mas em fazendo isso, aproximarei as ideias buriladas no século XXI, à luz das descobertas da neurociência, das ideias de um filósofo do século XVII, Baruch Spinoza, criadas no contexto das ferozes disputas entre católicos e protestantes, e das disputas mais gerais entre aqueles que viam a Bíblia como a palavra de Deus e aqueles que a respeitavam no máximo como uma fonte de ensinamento moral por meio das suas narrativas. Meu objetivo é o de revelar a semelhança entre a concepção de um e de outro.

    Um dos pressupostos fundamentais da religião cristã, explicado pelo mito de Adão e Eva, é que o homem é livre para escolher entre o bem e o mal, e se escolhe o mal comete pecado e deve ser punido como retribuição. Na palestra que Sam Harris proferiu há mais de 10 anos nos Estados Unidos, ele desconstrói o conceito de livre-arbítrio com base nas evidências das imagens de ressonância magnética do cérebro quando ele está em ação. Essas imagens revelam que quando tomamos consciência daquilo que decidimos fazer, a decisão já havia sido tomada antes na mente, o que é demonstrado pelo acionamento prévio do córtex cerebral. Nossa mente não para de funcionar, ela está a todo momento produzindo pensamentos, imagens e memórias sobre os quais não temos controle: não sabemos o que iremos pensar, imaginar ou lembrar daqui a pouco, a única coisa que nos é possível é observar esses processos se desenrolando como seres conscientes que somos.

    Ora, conforme o trecho que abre este artigo, Spinoza chegou a essa mesma conclusão não por ter acesso aos resultados de testes aplicados a pessoas submetidas a exames de mapeamento da atividade cerebral, mas por conceber o homem como um ser imerso na Natureza e, portanto, submetido às suas leis inexoráveis. A mente humana é um conjunto de desejos e volições que tem suas próprias causas, independentes da consciência humana: nós não escolhemos desejar algo, já que o objeto do nosso desejo depende da nossa natureza.

    Daí que tanto Spinoza quanto Harris consideram que o homem na verdade não escolhe nada, porque ele não escolhe sua própria natureza, não escolhe os tipos de pensamentos que ele normalmente tem, não escolhe as interações com o meio ambiente, o modo como as experiências moldam as emoções e as ideias. Harris fala dos genes, um conceito biológico que obviamente Spinoza não conhecia, mas que poderia ser colocado sob o guarda-chuva da natureza mencionada pelo filósofo holandês.

    Qual a repercussão da falta de livre-arbítrio para a moralidade? Será que se o mito da escolha entre o bem e o mal não se sustenta isso significa que não podemos agir eticamente e não podemos ser responsabilizados pelos danos que causamos às outras pessoas pelos nossos atos? Nem Spinoza nem Harris consideram a ética abolida por isso. Segundo explicam Will e Ariel Durant em “A Era de Luís XIV”, Spinoza observa que a exortação dos moralistas, o estigma da condenação pública, a punição das autoridades, tudo isso serve como experiência para o indivíduo e é mais um dos fatores que contribuem para moldar seus desejos e determinar sua vontade. Harris, por sua vez, procura extrair as consequências da constatação da inexistência do livre-arbítrio para a formulação de políticas públicas de combate à criminalidade.

    Se o homem não escolhe seus genes, seus pais, o ambiente em que ele foi criado, conforme Harris fala no trecho da palestra que abre este artigo, ter ou não desvios comportamentais é uma questão de sorte ou falta dela, e a pessoa não pode ser castigada a título de retribuição, já que em última análise ela não tem culpa de ser o que é, de desejar o que deseja, de imaginar o que imagina, de querer o que quer, de pensar o que pensa. Colocar um indivíduo na cadeia por matar alguém não deve ser ato de vingança, mas uma tentativa de mitigação de danos: se a pessoa encarcerada não praticar mais atos homicidas a sociedade ficará melhor. Nesse sentido, saber que o ser humano segue sua própria natureza deve ser fonte de empatia dos mais afortunados, que não sofrem de psicopatias, de compulsões, de vícios, pelos menos afortunados, que fazem coisas imorais porque está na sua natureza fazê-lo. Em suma, não escolhemos escolher o que escolhemos: na medida em que escolhemos o mal devemos ser punidos para o bem da sociedade, mas na medida em que não escolhemos escolher o mal não devemos ser objeto de ódio e vingança, mas de entendimento e remediação.

    Prezados leitores, Sam Harris coloca-se como um ateu, Spinoza não se via como ateu, mas foi descrito como um ateu intoxicado por Deus, porque ele considerava que Deus era a natureza como um todo e sua ordem imutável. Não sei se Harris leu Spinoza e se eu estivesse presente a uma palestra dele eu certamente leria as palavras do filósofo holandês para perguntar-lhe se ele reconhecia suas ideias sobre a inexistência de livre-arbítrio. De qualquer forma, a conclusão a que chegaram é mais um argumento que solapa as concepções religiosas tradicionais. Será que ter uma consciência apenas espectadora, mas não produtora dos processos mentais, diminui a nossa dignidade humana? Deixo a pergunta para a reflexão de vocês.  A mensagem final

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Céu e inferno, para quê?

[…] a virtude consiste em uma hexis, em uma espécie de disposição que se adquire no processo de formação intelectual e moral do indivíduo. […] difícil é adquirir a virtude, mas, uma vez em posse dela, é fácil conservá-la , pois se trata de uma condição interna estável conquistada com esforço pelo indivíduo. […] o desenvolvimento da filosofia moral internaliza a concepção de areté (virtude), em oposição a uma visão arcaica, segundo a qual acidentes externos incidem diretamente sobre a condição de um agente enquanto um indivíduo “bom” ou “mau”.

Trecho do ensaio “A incursão de Sócrates na makrologia”, escrito por Daniel R. N. Lopes para sua tradução do diálogo Protágoras de Platão (427 a.C.-347 a.C.)

Ele considerava abjeto e covarde ser virtuoso por causa da esperança do paraíso ou do medo do inferno; a virtude é real somente se praticada por ela mesma.

Trecho retirado da obra “A Era de Luís XIV”, escrita por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981), sobre o filósofo inglês Anthony Ashley Cooper, o terceiro Conde de Shaftesbury (1671-1713)

Se Deus não existe, por que achar que temos obrigações morais uns com os outros, quem ou o que nos impõem obrigações morais?

Trecho falado por William Lane Craig (1949-) teólogo americano em um debate com Sam Harris (1967-) filósofo e neurocientista americano

[…] as boas maneiras e a moral exigiam o apoio público à igreja Cristã. Se a filosofia poderia retirar das pessoas a fé na justiça divina por trás das injustiças e dos sofrimentos aparentes da vida, o que ela poderia oferecer para sustentar as esperanças e a coragem dos homens?

Trecho retirado da obra “A Era de Luís XIV”, escrita por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981), sobre o filósofo inglês John Locke (1632-1704)

    Prezados leitores, na semana passada citei Anthony Collins que, no final do século XVII e início do século XVIII, propôs o livre-pensamento para analisar qualquer coisa, inclusive a religião. Essa interferência da razão abriu uma fresta que se transformou em um grande pórtico por onde entraram questionamentos aos dogmas religiosos que acabaram por minar a credibilidade intelectual da fé cristã. Nesta semana, tratarei de um dos pontos da disputa entre crentes e não crentes que é a questão da moralidade. Como explicar a origem da moralidade e como impô-la para o bem da convivência social? Meu objetivo será o de explorar a pertinência das preocupações éticas para a justificação da necessidade ou não da religião.

    A esse respeito, há a princípio duas posições possíveis. De um lado, pessoas como William Lane Craig que, conforme o trecho que abre este artigo, consideram que o homem consegue ser um ser ético porque ele foi criado à imagem e semelhança de Deus, que lhe impôs o que é certo e o que é errado. Sem tal imposição de uma autoridade exterior, o homem não saberia o que é bom e o que é mal e não teria motivo para agir de maneira ética com seus pares porque ninguém o obrigaria a sacrificar seus interesses individuais em prol do coletivo. De outro lado, há filósofos como Anthony Ashley Cooper, que era considerado neoplatonista, pois considerava que o homem tem um senso moral natural. Nesse sentido, a única verdadeira virtude não é aquela imposta pelo medo das punições eternas do inferno ou pela esperança no gozo das benesses do paraíso. É aquela que é interna ao homem, e por ser assim é muito mais perene do que qualquer ordem imposta por um Deus juiz.

    Considerando as ideias de Sócrates sobre a virtude expostas no diálogo Protágoras, fica claro porque o terceiro Conde de Shaftesbury foi considerado como um partidário da reafirmação das concepções platônicas. Conforme o trecho que abre este artigo, para Sócrates o que fazia um homem bom ou mal não eram acontecimentos externos, que determinavam o sucesso ou insucesso das suas ações. A virtude era um hábito adquirido pela experiência acumulada e pelo esforço do homem que aprendia a praticar atos bons e uma vez introjetada essa prática cotidiana, o homem acabava internalizando a virtude depois de ter chegado ao conhecimento sobre como agir de maneira virtuosa.

    Sob essa perspectiva, o que determinava a moralidade de um ato não era o quanto ele trazia de prosperidade material, de conquista de poder, de glórias, do apoio das pessoas, mas o quanto ele revelava em si o conhecimento do verdadeiro bem. Para Sócrates, nem tudo o que é bem-sucedido no mundo é o certo e o sucesso no mundo material não é indicativo da moralidade do ato.

    Se a verdadeira virtude é internalizada como hábito humano, para quê externalizá-la em figuras míticas punitivas, em narrativas sobre o céu e o inferno que recompensa os justos e pune os injustos? Essa noção de ética intrínseca ao homem, como ser que busca o que é verdadeiro e o que é bom será ressignificada por cientistas como Sam Harris, que debateu com William Lane Craig, à luz da teoria da evolução. O ser humano é um primata que se desenvolveu ao longo de milhares de anos e uma das chaves da sua sobrevivência, apesar das suas limitações físicas comparativamente a outros animais com o quais conviveu e competiu por comida, foi justamente sua capacidade de organizar-se em sociedade para juntar esforços contra os inimigos comuns. E a organização social exigiu regras de convivência sobre o que fazer e o que não fazer de modo que ficar juntos fosse benéfico para todos, isto é, garantisse a possibilidade de sobrevivência e da reprodução ao menos da maioria dos membros do grupo.

    Assim, para pensadores como Sam Harris, não é preciso recorrermos à religião para explicarmos a moralidade humana, basta analisarmos o efeito das pressões da seleção natural sobre o cérebro humano. O homo sapiens é capaz de ser virtuoso não porque Deus manda, mas porque tal característica revelou-se uma vantagem comparativa na luta por um lugar ao Sol no planeta Terra. Nenhuma explicação sobrenatural é necessária, basta o cotejamento das evidências e a aplicação da razão a elas, como ensinava Anthony Collins quase 400 anos antes de Harris e dos seus pares ateus, como o biólogo Richard Dawkins (1941-) e o jornalista já morto Christopher Hitchens (1949-2011).

    E no entanto, é preciso reconhecermos que há uma terceira via possível, entre os que defendem a religião, como fundamento da vida do homem, e os que a rejeitam como desnecessária e absurda do ponto de vista racional. Conforme o trecho que abre este artigo, o filósofo John Locke tinha suas dúvidas filosóficas sobre as proposições da Bíblia, muitas das quais não se sustentavam em face da aplicação das regras do livre-pensamento. Mas, mesmo assim, por razões pragmáticas, John Locke considerava que a religião deveria ser o esteio da vida social, porque a narrativa moral da punição dos injustos e da recompensa aos justos no dia do Juízo Final redimia as injustiças e os sofrimentos aos olhos daqueles que eram suas vítimas principais, isto é, os pobres. A religião era necessária para dar conforto espiritual àqueles que mesmo que agissem virtuosamente seriam malsucedidos na maior parte das vezes porque estavam no ponto mais baixo da escala social. Sem tal conforto, os pobres se revoltariam com sua falta de bens materiais, de poder e de glória. Para o sensato John Locke, a religião poderia não fazer sentido como conjunto de afirmações sobre o mundo exterior objeto das nossas percepções, mas era necessária para a manutenção da coesão e a viabilização da vida em sociedade.

    Prezados leitores, será que a fartura material inédita de que gozamos em pleno século XXI torna a religião cada vez mais irrelevante? Ou ela é cada vez mais relevante em um mundo disperso que carece de grandes narrativas que deem significado à existência? Céu e inferno para quê atualmente? Cada um que ache uma resposta.

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Aloha

[…] a “verdade” não se coloca como um fim nesse tipo de exercício intelectual, justamente porque não é possível inquirir o próprio poeta sobre o que ele quis dizer com tal ou tal verso; por conseguinte, “parte deles afirma que o poeta pensa tal coisa, enquanto outra parte, que ele pensa coisa diferente. Ao instituir uma cisão indelével entre “verdade” e enunciado poético, a exegese poética é confinada no âmbito da opinião, da verossimilhança, admitindo, consequentemente, a coexistência de diferentes versões sobre um mesmo poema.

Trecho do ensaio “A incursão de Sócrates na makrologia”, escrito por Daniel R. N. Lopes para sua tradução do diálogo Protágoras de Platão (427 a.C.-347 a.C.)

Ele definia o livre-pensamento como o “uso do entendimento na tentativa de encontrar o significado de qualquer proposição, considerando a natureza das evidências contra ela e a favor dela, e no julgamento da proposição de acordo com a aparente força ou fraqueza das evidências… Não há outra maneira de descobrir a verdade. A diversidade de crenças e as interpretações contraditórias de passagens da Bíblia nos levam a aceitar o julgamento da razão; a qual outro tribunal poderíamos recorrer, a não ser que fosse ao arbítrio da força?

Trecho retirado da obra “A Era de Luís XIV”, escrita por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981), sobre o deísta inglês Anthony Collins (1676-1729), autor do livro “Discurso sobre o Livre-Pensamento” (1713)

Podemos debater de maneira apaixonada, podemos ter discussões acaloradas, defender de maneira corajosa aquilo com o quê nos importamos, mas faça isso com aloha, faça isso com respeito, compaixão e amor.

Trecho da mensagem no dia de ação de graças, em 24 de novembro de 2022, gravada por Tulsi Gabbard (1981-), ex-membro da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos e ex-candidata à presidência do país em 2020

Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta? Isso não pode ser intensificado, ano a ano, década a década. Se não, você vai cair naquela história do produtor rural que começa a dar tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito. As que produzem muito vão começar a reclamar o mesmo tratamento. É preciso tratar a todos da mesma forma.

Trecho da entrevista dada pelo governador de Minas Gerias, Romeu Zema ao jornal O Estado de São Paulo em 6 de agosto

    Prezados leitores, na semana passada expus neste meu humilde espaço o conceito de philia desenvolvido no diálogo Protágoras e dei um exemplo de sua aplicação prática no século XVII, quando Isaac Newton (1642-1727) propôs sua teoria da gravitação universal no livro Philosophiae Naturalis Principia Matematica e ao sofrer críticas dos seus colegas da Royal Society publicou uma segunda edição do livro esclarecendo alguns pontos, especialmente o que ele propunha a respeito do conceito de gravitação e o que ele não se atrevia a dizer sobre ela. Nesta semana, a philia dá lugar a aloha, que quer dizer amor, afeição e delicadeza na língua dos havaianos. Pode ser que em certos tipos de discussão não seja possível chegar a um consenso em torno de uma verdade aceita por todos os participantes, mas mesmo que não haja acordo, é preciso cultivarmos a virtude da aloha para concordarmos em discordar e assim podermos futuramente discutir novamente.

    No diálogo Protágoras há um exemplo de discussão em que o máximo a que se pode almejar é a verossimilhança, mas jamais à verdade compartilhada pelos amigos. Conforme o trecho que abre este artigo, esse é o caso da exegese poética, isto é, da interpretação de poemas, o que fazia parte da educação dos gregos, que liam Hesíodo (O Trabalho e os Dias) e Homero (A Ilíada e A Odisseia), para citar alguns dos mais famosos. A verossimilhança aqui era a regra pelo fato de ser impossível pedir ao poeta que esclarecesse o que ele queria dizer em determinado trecho, então não havia um ponto de apoio firme para sustentar uma proposição. Era possível basear-se em uma ou outra palavra do texto, fazer associações entre um trecho e outro, mas no final das contas, uma interpretação era tão válida quanto a outra porque, na falta de uma instância superior julgadora que apontasse o significado autêntico, as diferentes versões sobre o sentido do poema eram irredutíveis a um denominador comum.

    A essa mesma conclusão chegaram os partidários do deísmo, doutrina que considera a razão como a única via capaz de assegurar a existência de Deus. No caso dos deístas, seus esforços exegéticos concentraram-se na Bíblia. De novo não havia a quem recorrer para o esclarecimento das contradições dos textos bíblicos, do sentido literal ou metafórico de suas passagens. O que fazer? Agir como os fanáticos religiosos fizeram durante as guerras de religião que abalaram a Europa desde o advento da reforma protestante no século XV e alegar que a Bíblia era a palavra de Deus e que eles estavam inspirados por Deus para interpretá-la e divulgá-la aos crentes? Como resolver as disputas entre exegetas dos textos bíblicos que propunham interpretações totalmente antagônicas? Quem era o intérprete autêntico?

    Conforme o trecho citado acima, o filósofo deísta Anthony Collins propôs uma solução a que ele chamou de livre-pensamento, que nada mais era do que valer-se das evidências, ponderá-las, cotejá-las e aplicando a razão, chegar a uma conclusão que podia não ser infalível, mas era verossímil, pois fundada na boa-fé daquele que se propôs a investigar o assunto. A verdadeira natureza das coisas divinas não poderia ser estabelecida com a certeza dos dogmas, mas poderia ser objeto de uma tentativa bem-intencionada do sujeito racional.

    Em última análise, a boa-fé e as boas intenções são o que importam quando se sabe que sempre haverá discordância sobre determinadas proposições e que cada uma das partes terá sua própria opinião. Sem essas duas virtudes, não só não é possível chegar à verdade como também é impossível às partes concordarem em discordarem, o que torna qualquer troca de ideias uma experiência amarga, pois cada um dos participantes se sentirá desrespeitado e mal interpretado pelo outro. Sob essa perspectiva, a aloha de que fala Tulsi Gabbard no trecho que abre este artigo resume a boa-fé e as boas intenções. Podemos defender nosso ponto de vista, nossos valores de maneira apaixonada e não arredar pé da nossa opinião, mas ao mesmo tempo precisamos ouvir o outro, perceber as diferenças entre nosso lado e o lado oposto, identificar a origem delas, e em assim fazendo entender a opinião divergente mesmo que não concordemos com ela.

    Essa prática da aloha está muito difícil nos tempos atuais, em que as trocas de ideia se dão nas plataformas digitais. A repercussão das palavras do governador Romeu Zema, que falou sobre a formação de um Consórcio Sul-Sudeste para defender os interesses da região no Congresso Nacional, é emblemática nesse sentido. O Ministro da Justiça, Flávio Dino, o acusou de ser traidor da Constituição, por estabelecer diferenças entre brasileiros, e portanto, traidor da pátria. Marília Arraes o acusou de ser fascista. Será que esses dois políticos da esquerda tinham boas intenções ao criticar a opinião de Zema, ou estavam apenas explorando politicamente uma questão espinhosa no Brasil para ganhar pontos com suas bases eleitorais?

    Afinal, pode-se discordar da proposição do governador de Minas Gerais de que os Estados dos Sul e Sudeste devam se unir para conseguir aprovar pautas que lhes beneficiem em Brasília. E pode-se afirmar que a metáfora das vaquinhas produtivas e não produtivas foi uma escolha infeliz, pelas conotações da palavra vaca na língua portuguesa. Mas acusá-lo de estabelecer diferenças entre os brasileiros é uma distorção de má-fé, pois as diferenças existem, independentemente da vontade do senhor Zema. Conforme ele citou na entrevista, a região concentra 70% do PIB e 56% da população, mas recebe de volta um valor menor daquele que arrecada. Flávio Dino e Marília Arraes podem considerar que a distribuição da arrecadação tributária deve continuar discriminando contra os Estados do Sul e do Sudeste e eles têm todo o direito de ter sua opinião, mas estigmatizar aqueles que se opõem a esse regime é distorcer os argumentos da parte contrária para fins politiqueiros, em mais um round do eterno Fla-Flu em que a política brasileira vive.

    Nem Dino nem Arraes se deram ao trabalho de propor argumentos em prol da distribuição desigual da arrecadação tributária para a solução das disparidades regionais. Na entrevista, Zema sustentou que há pobreza também nos Estados do Sul e Sudeste, que justificam investimentos públicos. Dino e Arraes poderiam ter exposto seus próprios argumentos e assim enriqueceriam o debate, impelindo o governador a contra-argumentar em prol da inconveniência de mandar mais e mais do que se arrecada nas regiões mais ricas do Brasil para as regiões mais pobres. Preferiram fazer ataques pessoais, sob o manto da indignação moral com a “ultra-direita fascista”.

    Prezados leitores, se a philia é reduto de cientistas do nível de Leibniz e de Newton em sua busca pela verdade, que ao menos possamos cultivar a aloha em nossas trocas de opinião na arena política.

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