Um dos efeitos do movimento feminista foi ter transformado a lei em instrumento de proteção das mulheres. Pude comprovar isso neste fim de semana que passei no Rio de Janeiro para o almoço de fim de ano do Montblatt. Qual foi minha surpresa quando esperando o metrô para ir à Quinta da Boa Vista vi pintada no chão uma faixa rosa dizendo que naquele ponto parava um carro só para mulheres, de acordo com uma lei estadual cujo número obviamente esqueci. É claro que ninguém se importou com a tal da lei e o que era para ser um carro gineceu continuou sendo um vagão normal povoado de homens e mulheres.
O objetivo dessa lei, creio eu, deve ser o de evitar que as mulheres sejam assediadas pelos homens em trens cheios. Indefesas mulheres, o legislador imaginou que vocês não são capazes de dar uma cotovelada em um indivíduo que queira dar uma esfregada em seu corpo ou encará-lo olhos nos olhos e mostrarem-lhe seu desgosto ou simplesmente de tentarem sair do lugar. É preciso uma lei para garantir uma viagem tranqüila às mulheres.
A lei também tem sido usada em benefício das mulheres para ajudá-las em suas relações amorosas. No Código Penal de 1940 tipificava-se em seu artigo 213 o crime de estupro, que consistia em “constranger a mulher à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça”. A conjunção carnal era algo concreto, um ato sexual de penetração do pênis na vagina. Com a reforma de 2009 do capítulo sobre a liberdade sexual o artigo 213 tem nova redação, muito mais plástica e sujeita a interpretações ao sabor do freguês e do juiz. Estupro é atualmente “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.” Ora, o problema está na expressão ato libidinoso, pois pode ser qualquer coisa: um beijo, uma passada lasciva de mão, qualquer coisa com intenção de obter satisfação sexual. Portanto, teoricamente um indivíduo pode ser condenado por crime hediondo – pena mínima de 6 anos, regime inicial fechado – se der um beijo e a vítima considerar aquilo um atentado à sua dignidade sexual.
Argumentarão os leitores do Montblatt que no Brasil isso não ocorrerá, pois somos um país machista, que ainda nem consegue enquadrar todos aqueles que realmente praticam violência física contra a mulher, está aí a pobre Maria da Penha que só foi conseguir justiça quando apelou à Corte Interamericana de Justiça contra a impunidade de seu marido, que não nos deixa mentir. Por outro lado, não podemos nos achar muito longe disso se considerarmos que temos uma secretaria de direitos humanos, outra que promove a igualdade racial, tudo com vistas a impor um padrão politicamente correto de comportamento, fundado na aceitação e compreensão mútuas, na recepção da diversidade, no aplainar de diferenças de valores, crenças em prol de uma fé vaga na diversidade como um valor em si. O passo seguinte na ideologização das relações humanas, utilizando a lei como instrumento de coerção, é os juízes atenderem pedidos de indivíduos que se sentiram de alguma maneira ofendidos pelo comportamento de um namorado ou namorada, independentemente de ter havido violência física de fato.
Está aí o caso do agora mundialmente famoso Julian Assange para provar as conseqüências de transformar ato libidinoso em sinônimo de estupro. Julian, 39 anos, foi preso na Inglaterra por ser alvo de acusação de estupro por duas mulheres suecas, Anna Ardin, 31 anos, organizadora de um evento do partido Social Democrata da Suécia, e Sofia Willen, 26 anos fotógrafa. Julian foi palestrante no evento e as duas mulheres obviamente se encantaram com o novo herói global, potencial alpha male, e carentes de um tipo tão em falta no mercado, deram em cima do dito cujo, que vendo dois peixes graúdos caírem-lhe na rede não perdeu tempo e transou com elas em dias alternados. A história contei aqui no Montblatt na semana passada. Ardin o acusou de estupro. Mas que estupro? Deixemo-la explicar-se (minha tradução):
“Não está certo que ficamos com medo dele. Ele não é violento e eu não me sinto ameaçada por ele…. Em ambos os casos, o que começou como sexo voluntário depois se transformou em um assalto. A outra mulher também queria prestar queixa de estupro. [A] responsabilidade pelo que aconteceu comigo e a outra moça é de um homem que tem uma atitude deturpada com relação às mulheres e tem um problema em ouvir um não como resposta.”
Um discurso de uma feminista típica. Estupro não é só violência física, a violência psicológica deve também ser tutelada pela lei, Julian Assange recusou-se a parar quando a moça pediu, por isso deve ser punido. Há várias coisas engraçadas nas palavras de Anna Ardin. O que me intriga em primeiro lugar é ela colocar a responsabilidade toda nos ombros do homem-bomba do Wikileaks. Oras bolas, uma mulher de 31 anos é uma adulta que deve assumir responsabilidades por suas escolhas. Se ela aceitou continuar transando com ele, mesmo sem camisinha, ela é tão responsável quanto ele, mesmo porque ela mesma admite que não houve violência física. O que foi apurado do caso é que tanto ela quanto Sofia, depois da transa, ficaram ligando no celular do príncipe encantado, que não respondeu e por isso virou um sapo barbudo aos olhos das duas.Ao se descobrirem vítimas do mesmo tratante, as duas suecas juntaram suas forças para acusarem-no. O poeta já dizia: “Heaven has no rage like love to hatred turned / Nor hell a fury like a woman scorned.”
Será que foi para isso que serviu o feminismo? Para degringolar nisso? Nessa profusão de leis que sob a justificativa de garantir os direitos das mulheres acaba servindo para tornar as mulheres cada vez mais dependentes dos homens e obcecadas por eles? Sim, para mim uma mulher que assedia um homem, que transa com ele sem camisinha e só lembra de reclamar disso uma semana depois, não diretamente ao indivíduo que deveria ter se protegido, mas às autoridades policiais, que depois fica deixando mensagens no celular insistentemente e por ele não ter retornado fica com despeito e o acusa de estupro é o contrário de tudo o que as feministas pregam. Mulheres como Sofia e Anna prestam um desserviço a nós mulheres. São mulheres carentes, com baixa auto-estima, apesar de todo o discurso liberalizado, mulheres que só conseguem construir sua identidade a partir de uma relação com um homem, por mais casual, superficial que possa ser na prática. Transar com o Julian Assange era um troféu para elas, mesmo que fosse óbvio que para ele era simplesmente um meio de aliviar as tensões pelas quais ele tem passado. Se uma mulher aceita transar com um homem nessas condições, assuma as responsabilidades por seus atos, considere como uma boa transa e nada mais, mas depois não fique chorando como uma frustrada por ele não estar disposto a ser o homem da sua vida.
Como disse Balanchine: “Os homens tomam conta das coisas materiais, as mulheres tomam conta da alma.” Mulheres bem resolvidas, independentes, que se amam, são muito mais capazes de fazer nascer o que há de melhor num homem; fazer com que sua masculinidade sirva a bons propósitos e não seja simplesmente sinônimo de agressão e destruição inúteis. Deixemos de nos refugiar em leis absurdas e contra produtivas para construirmos nós mesmas nossas relações, com base no respeito mútuo, no sentimento de nossa própria dignidade. Este, na minha opinião, deve ser o verdadeiro sentido do feminismo. Um feminismo que não sirva só às mulheres, mas aos homens também, feito de escolhas responsáveis, e não de vendettas e rancores.