“Taxation without representation is tyranny” disse em 1765 James Otis um político das então 13 colônias que formariam mais tarde os Estados Unidos da América. A cobrança de impostos dos colonos americanos que não tinham oportunidade de se manifestarem a respeito do quanto seria gasto e de como seria gasto o dinheiro arrecadado deles foi uma das causas da revolta dos americanos e da declaração de sua independência.
Infelizmente não foi este o princípio que norteou a independência do Brasil, a nossa musa inspiradora não foi a raiva contra pagar impostos para sustentar os donos do poder, mas o continuísmo. Dom Pedro proclamou nossa separação de Portugal como meio de garantir a preservação de sua dinastia, num tempo agitado em que a nau da monarquia singrava mares revoltos pelos ventos liberais. Em uma carta escrita em 2 de julho de 1821, Leopoldina, aquela que seria a futura imperatriz do Brasil dizia à irmã, Maria Luísa, imperatriz da França: “Infelizmente, acabou-se a esperança de viajar rapidamente para a Europa, o que, sendo bem honesta, é uma sorte, na situação crítica atual dos países europeus: o Brasil é, sob todos os aspectos, um país tão maduro e importante, que é incondicionalmente necessário mantê-lo.” E em 10 de maio de 1822, às vésperas do grito do Ipiranga, ela escreve ao Marquês de Marialva o seguinte: “Eis uma verdadeira sorte que tenha sido decidida nossa permanência no Brasil, segundo minha maneira de ver, e, pensando em política, esse é o único meio de evitar a queda total da monarquia portuguesa.
E assim se fez, resolvemos o problema dos Bragança de Portugal e o problema do povo brasileiro, isto é o de obrigar seus governantes a prestar contas do que fazem, até hoje permanece não resolvido em nosso rincão. Dois episódios trouxeram essa realidade à baila, na minha opinião, que tenho certeza, será criticada por muitos dos leitores do Montblatt, inclusive pelo editor.
O primeiro diz respeito ao reconhecimento da união estável de gays, pronunciada como constitucional pelo STF. Proclamada como uma vitória dos direitos humanos contra o preconceito, o fato é que ela estende direitos aos gays, que poderão pleitear pensão previdenciária do companheiro morto, adotar crianças, entre outros. Se por um lado, a divisão do patrimônio de um casal gay é um tema que só diz respeito aos membros da família, por outro lado, a possibilidade a eles colocada de constituir uma unidade doméstica como um casal heterossexual tem impactos que afetam todos os que contribuem para o INSS. Afinal, nosso sistema público de previdência funciona na base do pay-as-you go, ou seja, quando um indivíduo solicita um benefício previdenciário ele é pago com o montante que está disponível no momento, independentemente de aquele beneficiário ter de fato contribuído de maneira suficiente para fazer jus à contribuição. Em outras palavras, não há contas individuais, todo mundo paga por todo mundo.
Muitos dirão que a despesa que os gays criarão ao se casarem e terem filhos será ínfima em comparação com a roubalheira que ocorre na previdência, com os privilégios usufruídos por alguns. Isso é verdade e de maneira nenhuma quero eleger os gays como bodes expiatórios de uma cruzada de moralização. Independentemente dos valores envolvidos, o que defendo aqui é o princípio, que me parece fundamental em uma democracia, de que aqueles cujo bolso será afetado por uma decisão política devam ser consultados. E consultados não em termos morais, sobre se o homossexual vai arder no fogo do inferno ou não, mas em termos de uma análise dos custos e benefícios: vale a pena estender benefícios aos gays em vista dos custos?
Infelizmente, não foi o que ocorreu. O STF decidiu a seu bel-prazer o que é constitucional, ignorando a letra da lei e colocando outra em seu lugar e decidiu unanimemente, abraçando uma causa politicamente correta talvez para limpar sua barra suja, depois da lambança que fizeram com a Lei da Ficha Limpa. Engraçado como foram dois pesos e duas medidas: num caso ignoraram a intenção do legislador para postergar a validade de uma lei que não prejudicaria a realização de eleições livres, apenas as livraria de elementos podres; noutro caso viram o texto da lei pelo avesso para garantir os direitos dos gays. Fizeram caridade com o chapéu alheio, nem se preocupando com a pergunta simples: e quem paga? Talvez por não terem preocupações materiais, os membros do STF decidem “racionalmente”, como disse o advogado Luiz Carlos Barroso no Globo News.
Para não incorrer a ira maior dos que poderão me ver como homofóbica, darei um exemplo completamente diferente de falta de consulta aos verdadeiros interessados. Em seis meses deverá ser realizado plebiscito para decidir sobre a criação de mais dois estados na federação, Tapajós e Carajás, no território do que é hoje o Pará. À parte me deixar entristecida do que já sou com a possibilidade de a sub representação do sul do país ficar ainda mais flagrante, tal plebiscito é motivo de revolta para mim porque os únicos a serem consultados serão os habitantes do agora Pará, que terão todo o interesse do mundo em criar duas novas burocracias estatais: afinal, dois novos executivos, legislativos e judiciários serão uma fartura de empregos. E nós os brasileiros não paraenses, por que nossa opinião não será ouvida? Afinal não contribuiremos com dinheiro para a mágica do desenvolvimento regional? O destino de Tapajós, senão de Carajás devido à riqueza mineral, será o de ser um Estado dependente de verbas federais, como é Tocantins, criado pela Constituição de 1988. Esse lado negro da boa intenção de diminuir as disparidades na federação deveria ser amplamente discutido com a sociedade brasileira.
O que fazer para que as decisões nesta nossa república tupiniquim sejam mais transparentes e mais realistas? Diminuir as atribuições de guardião da Constituição do STF? Melhorar a qualidade dos nossos representantes legislativos para que apresentem propostas úteis e não meras maneiras de conseguir dinheiro para seus currais eleitorais? Não tenho resposta pronta, só sei que o princípio pelo qual os americanos lutaram no século XVIII deveria no Brasil do século XXI estar na cabeça de todos nós. Quem paga? Por que paga? Como paga? Depois de responder de maneira satisfatória a essas perguntas é que poderíamos começar a pensar em criar novos direitos, sem retórica, sem ilusões. Porque como dizia o Milton Friedman, não há almoço grátis.