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Plus ça change…

Posted by on 13/04/2014

Uma médica foi condenada a seis anos de prisão por mandar cortar o pênis do então noivo após ele romper o relacionamento a apenas três dias da cerimônia. O caso aconteceu em 2002, em Juiz de Fora, Minas Gerais, mas a ela foi presa apenas na noite desta terça-feira (01), segundo informações do Estadão.

 

Notícia tirada de jornal

 

                Prezados leitores, cada pessoa tem um passatempo na vida, uma atividade que lhes permite relaxar, sonhar acordado.  O meu é ler livros de história, mas não qualquer livro de história, porque do contrário não serialazer, seria estudo. Gosto de ler livros que falam sobre a vida das pessoas, principalmente mulheres. Como os registros históricos só nos contam a vida das elites, eu acabo lendo livros sobre rainha, mulheres nobres. Não deixa de ser uma leitura sobre os chiquese famosos à la Caras, mas para não cair no conceito de vocês que me acompanham digo que os historiadores que consumo fazem pesquisas sérias a respeito dos seus personagens, pesquisas tão sistemáticas que acabam revelando o detalhe do cotidiano dessas pessoas, os dramas por que passaram, as felicidades etc.

                Meu favorito é um historiador francês chamado Philippe Erlanger. Ele é um biógrafo não acadêmico, do tipo que não se detém muito sobre o contexto econômico, social e cultural da época. O mais importante para ele é o biografado em si, suas relações, sua trajetória de vida, como se ele fosse único, e não um exemplar de uma determinada época. É isso que dáo prazer da leitura e funciona como uma terapia para mim. Terapia no sentido psicológico da palavra, de tratamento para quem sofre de alguma ansiedade, trauma, comportamento doentio. Ao ler sobre mulheres de antigamente eu relativizo meu lugar no espaço, percebo que perdas, rejeição, necessidade de aceitação, carência, não são exclusivos da minha pessoa ou da minha época. A profissional bem-sucedida que manda cortar o pênis do homem que a abandonou sofre da mesma forma que as pobres coitadas analfabetas, cuja vida resumia-se a parir, morrer de parto, ou se tivessem boa saúde e escapassem dos riscos da gravidez, a cuidar dos filhos. Vou dar-lhes dois exemplos do que estou falando.

                Atualmente, nos meus momentos de descanso leio uma biografia sobre Carlos V, que viveu entre 1500 e 1558 e foi Imperador do Sacro Império Romano Germânico, reinando sobre o que é hoje a Espanha, a América Espanhola, os Países Baixos, a Bélgica, partes da Itália (Nápoles e Sicília), partes da Áustria e da Alemanha. Pois bem, meu foco não é ele, mas sua mãe, Joana, a Louca. Seu codinome foi conquistado em razão do comportamento estranho que mostrou ao longo de sua vida de casada. Seu marido era muito bonito e ela tinha um ciúme doentio dele. Se no começo Filipe, o Belo, loiro de olhos azuis, se mostrou fogoso com sua mulher morena de beleza exótica, logo depois ele começou a interessar-se por outras mulheres e esperava que Joana aceitasse isso como boa esposa e se dedicasse à tarefa de parir. Mas a filha de Isabel a Católica e Ferdinando de Aragão, que a haviam neglicenciado, tinha uma carência de amor infinda e esperava queseu garboso marido, um indivíduo fútil e dedicado aos prazeres, suprisse essa carência. O resultado dessa diferença de expectativas foi um casamento tumultuado: Joana desconfiava de todas as mulheres e chegou a raspar a cabeça de uma de suas damas de honra, arranhar-lhe o rosto com as unhas, e dar golpes de tesoura para que sua face ficasse desifgurada e ela não despertasse mais a atenção do marido. Este deu-lhe uma surra depois do episódio, mas foi em vão. Ela mandou vir da Espanha escravas mouriscas que ela fez desfigurar para serem suas damas de honrae assim não despertarem a lascívia do marido. Para encurtar a história, o fim do casamento de Joana e Filipe, foi trágico. Ferdinando mandou envenenar o genro, com quem disputava o poder após a morte de Isabel, e Joana a partir de então tornou-se ainda mais desequilibrada ao perder seu grande amor. A mando do pai, foi enclausurada na fortaleza de Tordesilhas de onde nunca mais saiu.

                Está aí para mim uma boa lição do que a carência faz conosco, do mal que fazemos a nós mesmos quando projetamos expectivas irrealistas em outra pessoa, a quem incumbimos de nos fazer felizes.Talvez se essa médica que acabou sendo presa em Juiz de Fora fosse uma amante de história como eu, ela teria percebido que não era a única mulher a ter desilusões amorosas, que outras mais importantes que ela também sofreram, e assim pudesse ter reagido a sua perda de maneira mais serena, sabendo que qualquer vingança que resolvesse empreender acabaria mal. Pois mesmo que essa mulher cumpra sua sentença e saia logo ou consiga ser solta com algum recurso, sua vida nunca mais será a mesma.

                Outra história que me conforta e me faz não invejar o mundo das celebridades éa de Jacqueline Lee Bouvier Kennedy (1929-1994). Uma mulher linda, culta, poliglota (formada em Letras, falava inglês, francês, espanhol), casada com o homem mais poderoso do mundo. Não repetirei um clichê que ela foi infeliz. Longe disso. Ao contrário de Joana, a Louca, que idealizava o marido, Jacqueline sabia muito bem que tinha casado com um mulherengo contumaz, mas ela era ambiciosa e sabia exatamente o que queria daquele casamento. Aliás, John Kennedy não queria casar, porque sabia que como playboy bon vivant, não estava adaptado a uma vida monogâmica. Mas seu pai o convenceu, ou o obrigou, dirão alguns, argumentando que ele não teria como progredir na carreira política, e passar de senador que era a Presidente da República,se não tivesse esposa e filhos. Duas semanas antes de casar, John Kennedy estava se divertindo na Côte D’Azurcom uma loira maravilhosa. Mesmo tendo sido informada a respeito e visto as fotos Jacqueline não desistiu, porque queria ser primeira dama.

                Se não podemos dizer que foi infeliz, pois consegiui o que queria, Jacqueline passou maus bocados para conseguir seu intento. Seu pai, John Vernou Black Jack Bouvier III era alcólatra e no dia do seu casamento não pôde comparecer porque estava bêbado em um hotel. Kennedy sempre foi um pai ausente e um marido ausente, deixando a família ao léu nos fins de semana para ir à caça. Quando Jacqueline se ausentava da Casa Branca, a caça se realizava lá mesmo na cama do casal. O presidente assassinado só se tornava mais humano e próximo de sua esposa quando era operado (sofria de problemas na coluna e da doença de Addison, uma disfunção endócrina, cujo tratamento tinha como efeito colateral ele estar frequentemente em ereção)e precisava dos cuidados da mulher.

           Valeu a pena para ela?Deve ter valido, porque Jacqueline, depois da revelação de todas aspatifarias do seu marido, nunca pronounciou-se reclamando, nunca colocou-se como vítima, como faria a Princesa Diana décadas depois, de maneira imatura. De qualquer forma, uma das frases de Jacqueline era a seguinte: o segredo da vida é não esperar muito dela. Uma sábia. Grande lição para nós, mulheres com complexo de perfeição, que procuramoscom plásticas, tratamentos de beleza etc tornarmo-nos eternamente lindas para que o companheiro, marido ou namorado não vá atrás de outras. Saibam que ser bela não nos imuniza contra a traição, pois a traição está na cabeça do traidor, a vontade existe independentemente da mulher que está ao seu lado. De fato, quantas mulheres, após receberem um fora, caem no desespero e colocam a culpa nelas mesmas, levam a coisa de maneira demasiadamente pessoal, como se elas fossem particularmente desafortunadas? Saber que uma mulher perfeita como a ex primeira dama americana foi chifrada a torto e a direito é um consolo e um chamamento à razão.

             Espero tê-los convencido dos efeitos terapêuticos do conhecimento da história. Custa infinitamente menos do que um psicólogo, com a vantagem denão nos fazer correr o risco de nos colocarmos no papel de vítima e nem de tornarmo-nos dependentes de uma pessoa que funciona como “pinico” para nossas mágoas, ressentimentos, o que pode acabar fazendo como que os cultivemos para justificar nossas idas ao consultório.Prezados leitores, o segredo da história é que plus ça change plus c’est la meme chose. E isso tem um poder de cura imenso: em certa medida nos impessoaliza, nos torna menos obcecados com nosso próprio ego, nos torna menso ansiosos em atingir a perfeição, que é algo tão cultivadoem nossa sociedade tecnólogica. Sigam meu conselho e nada lhes faltará!

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