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Deixa a vida me levar

Posted by on 15/12/2013

Se a coisa não sai
Do jeito que eu quero
Também não me desespero
O negócio é deixar rolar
E aos trancos e barrancos
Lá vou eu!
E sou feliz e agradeço
Por tudo que Deus me deu…

Deixa a vida me levar
(Vida leva eu!)
Deixa a vida me levar
(Vida leva eu!)
Deixa a vida me levar
(Vida leva eu!)
Sou feliz e agradeço
Por tudo que Deus me deu…

Zeca Pagodinho

Do ponto de vista macroeconômico e olhando a longo prazo, é impossível crescer só o consumo sem crescer o investimento. Isso é possível por alguns anos, mas não pode ser mantido de forma sustentável por um longo período

Roberto Setúbal, presidente do Itaú em entrevista ao jornal O Globo de 15 de dezembro

       Na semana passada assisti a uma palestra na empresa em que trabalho sobre finanças pessoais. Era um misto de auto-ajuda e noções básicas sobre controle de gastos cuja principal mensagem era a seguinte: jamais sigam a máxima do famoso pagodeiro carioca do “Deixa a vida me levar”. Precisamos controlar gastos fazendo compras conscientes e não podemos nos conformar com um equilíbrio entre receitas e despesas. Isso é mera sobrevivência, é preciso ir além e fazer com que as receitas sejam maiores que as despesas para que possamos investir e assim alcançarmos nossas metas: comprar uma casa, fazer uma viagem etc.

       As palavras do palestrante deram-me o que pensar, tanto assim que cá estou, compartilhando minhas impressões com meus leitores. Eu decididamente vesti a carapuça. Sou “pagodeira”, isto é, sigo a filosofia de um dos grandes expoentes desse importantíssimo movimento musical brasileiro. Eu decididamente deixo a vida me levar, o que na prática significa que eu deixo o cartão de crédito me levar, faço as despesas passando o cartão de crédito na esperança de que no futuro haverá receita para cobrir a despesa. Quase nunca há, e minha fé então desloca-se da minha capacidade de ganhar dinheiro para o bondoso banco que está lá para cobrir meus desfalques. E assim vou caminhando, ou melhor tropeçando de encargos de limite de crédito e IOF para novos encargos de limite de crédito e IOF, num moto contínuo.

        Não tenho esperanças de que a bola de neve chegue algum dia a derreter e deixar de me meter medo. Sei que soarei agora como mais uma vítima do “sistema” seja lá o que isso for, mas o que fazer se minha identidade e posição social estão atreladas ao consumo? No tempo da minha avó as mulheres se comparavam com a menina mais bonita da escola, ou da vizinhança, ou no máximo da cidade, hoje em dia nós pobres normais nos vemos comparadas a beldades mundiais, mulheres que aliam vantagem genética a um séquito de profissionais de maquiagem, cabelo, preparadores físicos, médicos que as deixam perfeitas. Sei que nunca serei uma Fernanda Lima, capaz de causar comoção nas mídias sociais com seu decote, mas tenho que me mostrar apresentável, utilizável. Em outras palavras, preciso manter estável meu valor de mercado, o que significa tentar postergar ao máximo os efeitos devastadores da idade, que depreciam o capital acumulado.

        A palavra-chave é esta: empregabilidade, em todos os sentidos. Preciso ser sempre uma pessoa útil em todas as áreas: a um parceiro, o que significa ser sexualmente apetitosa, a um empregador, o que significa estar em sintonia com as mais recentes ferramentas informáticas, os mais recentes padrões de comportamento corporativo. Se for preciso endividar-me para fazer um curso, para emagrecer ou manter o peso, às favas com equilíbrio orçamentário e superávit na balança.O mais importante é tomar crédito alheio para adquirirmos a identidade necessária para sermos aceitas, aceitas como namoradas, amantes, esposas, funcionárias diligentes, membros ativos da sociedade de consumo. Tive um namorado que me sugeriu um dia de colocar implantes de silicone, eu a princípio fiquei chocada e indignada, mas depois que ele me deu o fora passei por um período em que achei que a solução para tê-lo de volta seria entrar na faca imediatamente, adquirir o novo visual e apresentá-lo ao ex. Infelizmente ele não deu-me a oportunidade de redenção, porque logo casou-se com outra. O episódio serviu-me como lição: na luta pela vida devemos identificar nossos pontos fracos assim que apareçam e trabalhá-los para melhorá-los, porque bobeou dançou, há sempre alguém na surdina cobiçando o que é seu.

         Diante de tais necessidades prementes, como não se endividar? O próprio governo nos ensina que o endividamento é a chave do consumo e portanto da felicidade. Oferece-nos empréstimo consignado, reduções de imposto para certos produtos para estimular as vendas. Qualquer coisa hoje é acessível, imóvel, carro, produtos de consumo mediante o pagamento de meras prestações mensais a perder de vista. Quando finalmente vemos o fim do túnel, que no caso é o fim do carnê, ou do financiamento, já temos os olhos voltados para novos horizontes, novas fontes de consumo. E assim levamos a vida.

        É verdade que alguns catastrofistas estão prevendo um grande terremoto.Se o dólar for desafiado em sua posição de moeda internacional de trocas e o Banco Central americano tiver que parar de imprimir dólares, o caldo pode entornar, o excesso de dólares que financia nossos eternos déficits, no caso do Brasil e o boom imobiliário poderia de repente desaparecer. Alguns economistas dizem que os ativos de imóveis estão superavaliados nos países emergentes em aproximadamente 50 trilhões dedólares (http://english.caixin.com/2013-11-05/100599385.html?p2). Eu não quero nem saber, não quero nem prever e tenho raiva de quem faz previsões. Quero continuar vivendo, fiando no meu cartão de crédito, na capacidade infinita de ele resolver meus problemas existenciais.Se um dia ele me decepcionar e revelar-se traiçoeiro e ingrato, eu vou agradecer a Deus pelos anos de felicidade que vivi, embalada pelo acalanto da fé de que no final tudo se resolve.

         Prezados leitores, minha conclusão é a seguinte: Zeca Pagodinho é excelente cantor,m economista e filósofo..

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