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Realpolitik

Posted by on 26/11/2012

            Estava eu nesta semana zapeando na TV depois do jantar quando peguei um programa que me chamou a atenção. Falavam a respeito dos homens de negócio franceses, em sua maioria indivíduos que haviam sido antes membros de grupos militares de seu país, que vão ao Iraque, apesar de todos os riscos, para assinar contratos.

            E que riscos! Chegam ao aeroporto, pegam um carro blindado e se encaminham ao bunker dos franceses, um tipo de hotel em que ficam hospedados. Lá, depois de o veículo ser revistado, são recepcionados pelo embaixador da França no Iraque, um homem de 40 anos, que lhes explica sobre a necessidade de estarem em Bagdá apesar da insegurança, para não perderem as oportunidades, pois o Iraque vai se transformar no primeiro produtor de petróleo no mundo.

            Então esta é a moral da história? A conversa fiada de Bush e seu poodle Blair, um escroque picareta que tem a lábia de advogado e a capacidade de contar mentiras sem piscar o olho; as histórias sobre o perigo eminente das armas de destruição do Sadam Hussein; a invasão do Iraque, o vale de lágrimas que tem sido aquele país para seus habitantes, milhares dos quais foram mortos, mutilados, forçados a deixar suas casas. Tudo foi para que os homens de negócio possam agora investir seus capitais para reconstruir tudo o que foi bombardeado?

            Alguns dirão que não é bem assim, que a invasão do Iraque foi planejada por George Bush como uma parte de seu plano de neutralizar a Al Qaeda e de instalar um regime democrático no Iraque que fosse amigo de Israel e contrabalançasse a influência maligna dos fundamentalistas do Irã. O caos que se instalou no país foi uma conseqüência inesperada da falta de planejamento da invasão, pois os falcões americanos, capitaneados por Donald Rumsfeld, acharam que tudo seria muito mais fácil do que realmente foi. Dentro dessa linha de pensamento, a presença dos capitalistas no Iraque, oferecendo aquilo de que o país precisa, consultoria em segurança, bien sur, armas para equipar a guarda nacional criada depois da derrubada de Hussein, serviços de engenheira, são um sintoma da relativa normalidade de que goza o país, resultado da pacificação bem-sucedida. Com o tempo, as coisas vão se ajeitando, a violência vai amainando e o Iraque se transformará num próspero país capitalista, democrático e multicultural, com curdos, sunitas e shiitas convivendo lado a lado, cada macaco no seu galho, mas todos comendo banana ou melhor, tâmaras…

            Esse foi o argumento utilizado por muitos bem pensantes, incluindo nosso conhecido Mario Vargas Llosa, o Nobel de literatura deste ano que apoiou a derrubada de Sadam Hussein, pois era um facínora psicopata, e outros menos conhecidos aqui como o inglês Christopher Hitchens, um polêmico escritor inglês, que já escreveu um livro massacrando Madre Teresa de Calcutá, acusando-a de cultivar a miséria para satisfazer seu ego e que aparentemente considerava Sadam Hussein tão maligno quanto a finada religiosa.

            É cedo demais para vaticinarmos qual será o destino do Iraque, se acabará se desmembrando, se conseguirá manter sua unidade territorial. Mas o fato é que a guerra no Iraque e seus desdobramentos, talvez um pequeno ataque aéreo ao Irã nos próximos meses, mostra a falência moral do Ocidente.

            Pois de um lado temos os capitalistas do Ocidente, que na sua marcha inexorável de produção de lucro e destruição pelo mundo iniciada com o fim da Idade Média construíram sua obra prima na pobre América, criando aqui seus entrepostos, seus empreendimentos agrícolas, e acima de tudo criando sociedades doentes, fundadas na escravidão que deixou tantas marcas na nossa psiquê, nossa falta de solidariedade, nossa incapacidade de firmarmos pactos sociais, nossa crueldade. Vemos isso se desenrolar agora com os episódios trágicos no Rio de Janeiro: não fomos capazes de investir em educação saúde, cultura e família, e agora a única solução parece nos entregarmos a orgias de assassinatos de vez em quando para aliviarmos um pouco a pressão.

            América no século XVI, Ásia e África no século XIX, Oriente Médio agora. A diferença é que os homens de negócio de hoje não se perguntam do porquê de suas ações. Se no século XVI ele agiam para espalhar a fé cristã e a cultura ocidental, hoje nem se dão ao trabalho de dar justificativas, “it’s pure business”, oportunidades de investimento, um moto contínuo, uma engrenagem que se alimenta de uma racionalidade toda especial, feita de reduzir o homo sapiens ao homo economicus.

            E pior, aqueles que ainda tem fé nos ideais do Ocidente, no humanismo de seus grandes luminares, que libertou o homem da superstição e a mulher da opressão, se apegam a conceitos que não mais fazem sentido no contexto de hoje. Vargas Llosa, Hitchens e outros consideraram que a defesa da democracia vale o sacrifício. Mas o que é democracia hoje no Ocidente? Por acaso o cidadão discute, participa assume responsabilidades como nos aerópagos gregos? Vimos recentemente na França quão fraca a voz do povo está: depois de dias de protesto contra as mudanças nas regras de aposentadoria, o Parlamento deles aprovou o aumento da idade como uma medida absolutamente necessária. Que dirá então em países como o nosso, que nunca teve tradição de luta e protesto? O que é a democracia nessas plagas, senão uma farsa em que a escolha entre o vermelho e o azul é absolutamente perfunctória? Na França ou no Brasil, qual o futuro da democracia num regime econômico de crescente financeirização? Que futuro há para o povo em que os direitos sociais, entre eles o direito ao trabalho, estão cada vez mais ameaçados, reduzindo as pessoas à condição de reféns da necessidade de pagar dívidas de outros, de manter o cassino internacional feito de derivativos, swaps, securitização funcionando?

            Talvez a completa desfaçatez que foi a Guerra no Iraque, seja um símbolo do ocaso do Ocidente, carente de idéias consistentes e cheio de cinismo. Talvez o espírito do século XXI, seu ethos, sua estrutura material, esteja se desenrolando na Ásia. Seus principais expoentes, China e Índia, não nutrem as mesmas ambições dos ocidentais a respeito de direitos: o único direito que há na China é o direito ao trabalho, e na Índia, que está avançando rapidamente no comércio internacional, vendendo serviços de back-office, consultoria, engenharia, a democracia convive com um sistema de castas inaceitável aos olhos ocidentais. E detalhe importante, a China e a Índia não invadem nenhum país em missão civilizadora, são muito pragmáticos para isso, sai mais barato comprar terras e outros ativos na África, América Latina e garantir fornecimento de matéria prima como a China tem feito recentemente. Essa receita mais comezinha quem sabe pode se revelar mais estável nas próximas décadas do que a grandeza podre do Ocidente.

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