“Manda a conta para a FIFA”
Pixação em um muro na Rua Bela Cintra em São Paulo após as manifestações do dia 13 de junho contra o aumento da tarifa de ônibus
Eu sempre aprendi nas minhas aulas de história que o Brasil passou por ciclos econômicos que acabaram em tragédia ou, para ser menos pessimista, em ressaca. Tivemos o ciclo da cana de açúcar no Nordeste nos séculos XVI e XVII, que durou até o momento em que passamos a sofrer a concorrência do produto das Antilhas fabricado nas colônias holandesas. O resultado foi que o Nordeste, que era o centro da vida econômicano Brasil, mergulhou nas sombras da pobreza e do atraso das quais até hoje não se recuperou totalmente. Depois tivemos o ciclo do ouro nas Minas Gerais no século XVIII, que perdurou até oesgotamento dos veios dos rios e deixou como legado a opção pela não produção de manufaturas tanto no Brasil quanto em Portugal, já que poderíamos comprar da Inglaterra os têxteis e demais produtos que ela precisava desovar. Assim, a industrialização no Brasil só ocorreria de fato no século 20.
Já no final do século XIX tivemos dois ciclos econômicos, o da borracha, no Nortedo Brasil e o do café, no Sudeste. O primeiro durou até o momento em que os ingleses levaram as seringueiras para a Malásia e lá iniciaram suas plantations que tornaram o látex natural brasileiro mais caro. Deixou como legado um teatro esquecido em Manaus que só no final do século XX foi restaurado. O segundo ciclo durou até a quebra da Bolsa de Nova York e nos deu o golpe de 30 e o governo de Getúlio Vargas, que marcou a história brasileira para o bem e para o mal.Na década de 60 com a construção de Brasília, tem início o que eu vou chamar de ciclo da dívida, que é conhecido entre nós como o do milagre econômico da substituição das importações: industrializamo-nos à custa de muito dinheiro tomado no exterior, cujo pagamento o governo acabou assumindo e gerou com isso o ciclo da estagflação dos anos 80, em que vivemos para pagarmos juntos por um crescimento econômico excludente que não lançou as bases do desenvolvimento porque não nos permitiu ir além do mero crescimento do PIB.
Ufa! Percorri nesses dois longos parágrafos praticamente 500 anos de história brasileira e chego ao presente, ao século XXI, em que estamos passando pelo que denominarei de ciclo da Copa. Vivemos anos de estabilidade dos preços depois do sucesso do Plano Real no controle da inflação e tal estabilidade se traduziu em um ambiente mais calmo depois dos conturbados anos de choques econômicos ortodoxos e heterodoxos. Issofez com que passássemos a nos ver, com a ajuda de investidores internacionais, ávidos em lucrar com nossos títulos de dívida que pagavam juros tão atraentes, como parte dos BRICS. Não éramos mais Terceiro Mundo, ou país em desenvolvimento, passamos a ser país emergente que está desabrochando depois de um longo período de dormência. A hiperinflação, a instabilidade política ficaram para trás, não somos mais uma republiqueta das bananas em que um ditador substitui outro, em que muda-se de moeda ao sabor das invencionices dos economistas de plantão.
Daí por que chamo este momento econômico de Ciclo da Copa. Nossa escolha como sede da Copa do Mundo de 2014 coroa nossos esforços para tornarmo-nos normais, fazermos parte da comunidade das nações do bem, que não patrocinam o terrorismo, que não perseguem seus próprios cidadãos por motivos políticos, religiosos ou étnicos. A Copa do Mundo vai nos dar visibilidade, mostrar que o Brasil é capaz de organizar um evento internacional, e principalmente, vai nos colocar definitivamente no mapa do turismo, o que talvez seja o maior legado da copa.
Bem, eu já escrevi sobre o que acho de sediar a Copa do Mundo no Brasil quando eu ainda colaborava para o finado Montblatt, portanto não irei repetir-me, bastando dizer que acho que os benefícios, para alguns, ficarão muito aquém do saldo a pagar que será de responsabilidade de todos os brasileiros, por muitos anos a fio. Só peço que meus leitores se atentem para a coincidência infeliz do contexto internacional em que estamos a promover esta gastança de dinheiro. As informações que darei aqui tirei de um vídeo muito instrutivo a que assisti no You Tube, “A Caminho da Copa”. O orçamento da realização do evento está por enquanto em 60 bilhões de reais. Digo por enquanto, porque se ocorrer o mesmo que ocorreu nos Jogos Panamericanos, em que os 300 milhões originais transformaram-se em 4,5 bilhões, que é o que foi efetivamente gasto, então podemos esperar que a cifra multiplique-se por pelo menos três.
A coincidência infeliz deve-se ao fato de que neste exato momento, em que estamos construindo os Itaquerões e acabamos de entregar um Maracanã descaracterizado, nosso recém-adquirido status de país emergente confiável está sendo posto à prova. A economia global está em crise e os Estados Unidos, para defenderem sua moeda, planejam aumentar os juros, o que torna nossos títulos menos atraentes aos investidores. Nos próximos meses seremos testados, e na verdade já começou. Só em junho o Banco Central do Brasil gastou 5,7 bilhões de dólares para defender o real dos especuladores que estão começando a desconfiar mais seriamente do estado das nossas finanças públicas. Para aqueles que argumentarem que nossas reservas, em torno de 375 bilhões, serão suficientes para aguentar a fuga de capitais e cobrir o déficit em conta corrente, em 2008 a Rússia, outro emergente, gastou em poucas semanas 210 bilhões de dólares para defender sua moeda dos especuladores. Estes números foram retirados de um jornal inglês, o Daily Telegraph (http://www.telegraph.co.uk/finance/financialcrisis/10119591/Brazil-losing-reserves-fast-as-it-comes-under-speculative-attack.html )
O ponto é que a incerteza na Europa, a diminuição do crescimento da China, a maior compradora das nossas commodities, e a renovada atratividade dos títulos americanos em face dos nossos podem provocar um estouro da boiada, e até a necessidade de uma maxidesvalorização da nossa moeda. E como sempre, apesar de toda retórica do governo de que estamos preparados para enfrentar turbulências, sabemos que nossas soluções são sempre remendos. A qualidade dos gastos públicos, a natureza do nosso crescimento econômico, ainda muito pouco sustentável, tanto que ao menor sinal de problemas externos ele já murchou completamente, nada disso foi resolvido. E ainda temos a Copa para fazer. O povo brasileiro já está pagando a conta (50.000 remoções compulsórias até agora de pessoas de suas comunidades, permissão dada pela Lei Geral da Copa de ultrapassagem dos limites de endividamento colocados pela Lei de Responsabilidade Fiscalde 2000, o que será uma grande desculpa para que os governantes coloquem todos os seus excessos na conta das necessidades do evento, destruição de um símbolo do Rio de Janeiro, o Maracanã, que se transformou em arena). Enquanto isso a chiquérrima FIFA, sediada no Primeiro Mundo, que nem organização internacional é, mas que nos impôs uma série de condições como se estivéssemos obrigados por tratado assinado e ratificado, vai lucrar com a venda de ingressos, de direitos de transmissão, etc. Um grande negócio. O povo lá de cima é sempre muito esperto do que nós ao sul do Equador…
Espero sinceramente que as tais das arenas multiuso não se transformem em elefantes brancos como na África, em que pensam até em demolir os estádios devido ao alto custo de manutenção. E principalmente, espero que este Ciclo da Copa não acabe como os outros que tivemos no Brasil. De qualquer modo, pelo sim pelo não, é melhor nos prepararmos para a ressaca da fase pós BRIC que se anuncia, pois como dizia um namorado meu argentino, Tercero Mundo es una m…
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