Nesta semana conversando com uma colega de classe ela me disse: ah, as pessoas têm que perceber que esse negócio de esquerda e direita não existe mais.” Ela se referia aos esquerdistas da faculdade que agora dirigem o Centro Acadêmico e que se preocupam em construir o clube da faculdade, em um terreno doado por Jânio Quadros, um ex-aluno, e não se preocupam com o Departamento Jurídico, que apesar de prestar um serviço social da maior importância, está à míngua.
E de fato não há como negar que os termos da oposição histórica, cujas origens remontam à Revolução Francesa, mudaram desde o fim da Guerra Fria. Não há como algum partido de esquerda hoje defender a revolução do proletariado tendo como modelo a União Soviética. É preciso fazer as pazes com o capitalismo, agir dentro do sistema para humanizá-lo, isto é, distribuir a renda, tirar dos ricos para dar aos pobres e assim atingir a paz social. Apesar desse critério redistributivista ser o mais seguro, confesso que tenho lá minhas dúvidas sobre se realmente funciona para distinguir quem aceita o sistema como ele é e quem o critica.
Essas categorizações me vieram à cabeça nesta semana para tentar entender o caso Dominique Strauss-Kahn, o infeliz presidente do FMI acusado por uma camareira do Hotel Sofitel de tê-la estuprado. Alguns se perguntarão o que direita e esquerda tem a ver com o sexo oral que supostamente o velhinho safado obrigou a camareira a fazer. Aparentemente nada, mas ao mesmo tempo tudo. Tudo porque nunca saberemos o que de fato ocorreu no sábado dia 14 de maio na suíte de DSK, como ele é conhecido na França. Nos EUA o processo penal admite transação de maneira muito mais intensa do que aqui, o que faz com que a verdade real não seja o objetivo a ser alcançado, mas a solução do litígio. Portanto, para que cada um possa criar sua versão dos fatos, é preciso que desde já decida o que acha do personagem.
Quem acha que DSK é um membro do establishment, vai considerar que este episódio nada mais é do que o coroamento de uma carreira pontuada de rumores de assédio sexual de um homem de 62 anos que está em seu terceiro casamento, com Ana Sinclair, uma rica judia da mesma idade que vem lhe apoiando financeiramente em sua corrida rumo ao topo. Para esse grupo, DSK é o mais fino exemplo do socialismo aguado que hoje predomina na Europa, pois preside uma instituição financeira, o FMI, que foi responsável pela operação de socorro financeiro aos países da União Européia atualmente endividados. Socorro financeiro este, como nós latino-americanos, bem sabemos, que não será dado por mera liberalidade, mas à custa de arrocho fiscal e salarial, desemprego, efeitos colaterais estes que já se fazem sentir nos PIGS europeus e têm desencadeado várias ondas de protesto. Em suma, DSK é um machista chauvinista, banqueiro judeu da esquerda rendida que está tendo aquilo que merece.
O segundo grupo é formado por aqueles que vêem DSK como um crítico do establishment e que por isso foi pego em uma armadilha preparada por seus inimigos. Afinal, que diabo de camareira é essa que não dá as caras, que fala pelos promotores? E onde fica a presunção de inocência, considerando que o caso gira em torno apenas do testemunho da mulher de 32 anos que já ensejou a imediata prisão do acusado? Os chacais na França são dois. De um lado, Sarkozy, seu rival nas eleições presidenciais de 2012, a quem DSK acusou de não ir fundo nas coisas. Antes de a polícia de Nova York anunciar o episódio, um ativista político partidário do presidente francês, Jonathan Pinet, já havia tuitado a prisão do velhinho lúbrico a Arnaud Dassier, um assessor de Sarkô. E momento esplêndido para contrapor Sarkozy, casado com a linda e grávida Carla Bruni, ao patético safado que fica se imiscuindo com camareiras africanas. Para não falar de Marine Le Pen, a candidata da extrema direita, cujo pai é notório anti-semita e que prega o fim da União Européia, cujo salvamento DSK tenta por via da ajuda financeira aos endividados.
De outro lado, há os Estados Unidos e a banca internacional. Os Estados Unidos, pelo fato de o FMI ter publicado um relatório apontando que em cinco anos a China se tornará a primeira economia mundial, sinalizando o início do ocaso dos EUA como potência econômica. A banca internacional, por DSK ter proposto uma regulação dos bancos e a idéia de que devem arcar também com os prejuízos da crise financeira pelos riscos que eles assumiram e não só o governo (leia-se o povo) dos países mais endividados.
Culpado ou inocente? De direita ou de esquerda? O mais provável é que Strauss Kahn seja uma mistura dos dois: um membro da elite mundial que banca a globalização oferecendo crédito aos países que concordam com o pacote do FMI, enfiado goela abaixo dos países carentes de capital de maneira que eles possam continuar a ser bons pagadores do carnê do baú; mas um membro que, não esquecendo de todo o conceito de socialista, quer que o fardo não fique tão pesado para os mais fracos e que os riscos carreguem ao menos uma parte dele. De qualquer forma, a carreira política do velhinho não sobreviverá às algemas e ao fellatio. E assim, em 2012 os franceses terão que decidir quem é mais ou menos de direita, ou seja, quem está mais ou menos disposto a tirar dos pobres para dar aos ricos: o errático e bombástico Nicolas Sarkozy, o homem dos factóides ou a combativa Marine Le Pen, a campeã da “França para os galeses”.