A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (…)
Artigo 14 da Constituição Federal do Brasil
A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.
O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito oumais de setenta Deputados.
Artigo 45 da Constituição Federal do Brasil, parágrafo primeiro
Prezados leitores, quero confessar a vocês que tenho mania de perseguição. Acho que há forças, ocultas ou não, que têm por objetivo massacrar os Estados do Sul e Sudeste. Quando digo massacrar quero dizer espremê-los até que saia a última gota de seiva vital, para que ao final não sobre nada de nós e nos rendamos. Só que no momento em que acabarem conosco, também o país terá acabado, tenho certeza. Para os que acreditam na ideia do Brasil harmonicamente unido em torno de ideais democráticos comuns, este meu artigo é um despautério, mas permitam-me expor certos fatos.
Para começar, há a inconsistência da nossa Constituição Cidadã. Estabeleceu que o voto de todos os brasileiros têm o mesmo valor, mas na prática, ao limitar o número máximo de deputados a 70 e colocar um mínimo de 8, a cidadania dos cidadãos do Sul e do Sudeste vale “vinte, trinta, quarenta vezes” menos do que o voto e a cidadania dos nossos “irmãos” do Norte e Nordeste. O trecho entre aspas eu retirei da ação direta de inconstitucionalidade de número 815-3 que foi julgada em 28 de março de 1996 pelo Supremo Tribunal Federal. Ela teve como requerente o governador do Estado do Rio Grande do Sul, que humildemente solicitava que o artigo 45 acima transcrito fosse declarado inconstitucional de acordo com os princípios da igualdade e da representação proporcional, próprios de uma democracia.
Obviamente o STF não acatou os argumentos colocados pelo excelentíssimo Alceu Collares. Uso a palavra obviamente para ser consistente com minha teoria da conspiração. Os egrégios ministros alegaram que a colocação de um teto mínimo e de um teto máximo de deputados havia sido escolha do “Poder Constituinte Original”, em português comum, os deputados que em 1988redigiram a Carta Magna, e não caberia ao Judiciário inteferir nas prerrogativas do Legislativo. Até entendo a cautela dos ministros, para não dizer o medo, de mexer neste grande vespeiro que é a representação desproporcional enfiada goela abaixo pela ditadura para que nós do Sul e Sudeste, que éramos mais críticos do tal do regime de exceção que vigorou no Brasil de 1964 a 1985, tivéssemos menos influência nos assuntos nacionais. O triste é que a medida infame dos nobres generais para nos calar foi aceita pelos constituintes, talvez pelo não menos infame propósito de legislarem em causa própria, afinal os congressistas do Norte e Nordeste poderiam se perpetuar no pudêêrrr.
E assim foi feito, ante a inação do Sul e Sudeste que nunca tentou se insurgir contra este estado de coisas. Como resultado disso temos um Congresso em que se destacam os Renan Calheiros, os José Ribamar Sir Ney, os Antônio Carlos Magalhães, os Jáder Barbalho e toda esta trupe que nos dá tantas alegrias. Talvez seja ingênuo da minha parte acreditar que se tivéssemos mais deputadosdo Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e de Minas Gerais tivéssemos uma república mais proba, menos afeita a escândalos. Com certeza, há roubalheiras em todos os cantos do Brasil, mas quero crer que para cada Paulo Maluf que elegemos sistematicamente aqui em baixo há pelo menos dois ou três deputados de razoável qualidade que não estão a prometer carros-pipa em época de seca no Nordeste ou inscrição no Bolsa Família em troca de voto. Meu ponto é que como a pobreza e a miséria aqui no Sul e Sudeste são menores, a compra de votos tende a não ser tão difundida, o que leva a uma melhor qualidade dos nossos representantes políticos.
Paralisia de uns, ação de outros: a natureza odeia o vácuo, e ante nossa resignação em termos muito menos deputados do que nossa população justificaria, os conspiradores lá de cima se mobilizam e aprovam matérias do seu interesse, em detrimento dos que estão aqui embaixo: em 6 de março de 2013 nosso Congresso Nacional derrubou o veto da Presidente Dilma Rousseff à lei que redistribui os royalties do petróleo, beneficiando os Estados não produtores, que obviamente compreendem Estados do Norte e Nordeste, que não têm que arcar com os custos sociais, ambientais e de infraestrutura da exploração do óleo negro. É verdade que o governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral entrou com ação no STF, mas o resultado é incerto, e o vespeiro é tão grande quanto o da representação desproporcional. Afinal, declarar que a nova lei de royalties é inconstitucional pode ser considerada como uma flagrante interferência do Judiciário nas atribuições do Legislativo.
E não é que tivemos outra grata surpresa da turma dos que querem massacrar o Sul e Sudeste? A Assembleia Legislativa do Amazonas pediu ao Tribunal Superior Eleitoral e lhe foi concedido em 9 de abril um aumento no númerode deputados do Estado para refletir os números do Censo do IBGE de 2010. Como resultado dessa dança das cadeiras em nome da proporcionalidade da representação, Amazonas ganhará um deputado, Pará ganhará quatro deputados, Ceará 2 deputados, Minas Gerais 2 deputados, Santa Catarina um deputado. Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Espírito Santo perdem um deputado cada. No cômputo geral, nós do Sul e Sudeste ficamos na mesma, pois perdemos três e ganhamos três, os Estados do Norte de Nordeste perderam seis e ganharam sete deputados, ou seja, saíram no lucro, como sempre. Justiça foi feita para que o Congresso reflita o contingente populacional dos Estados, mas o fato é que a injustiça maior, petrificada na Constituição, permanece intacta.
Não tenho esperança nenhuma de que este desequilíbrio na Federação, que tantas mazelas causam ao país, seja resolvido. Em nome da busca da igualdade entre os Estados, dinheiro continuará sendo mandado à Sudene para não resolver o problema da seca, os Estados do Norte que exploram minérios terão direito aos seus royalties e não terão que compartilhá-los com nenhum outro Estado em nome da solidariedade. Quando será o próximo plebiscito para criar algum Estado na região amazônica? Livramo-nos de Carajás por pouco, temo pela próxima invenção.
E temo mais ainda pelo pobre Brasil: em nome da sempre vã luta contra as desigualdades regionais os habitantes do Sul e Sudeste, responsáveis por aproximadamente 72% da riqueza nacional, são tratados como cidadãos de segunda classe, pois devem pagar as contas, dividir irmanamente aquilo que acumulam com a parte mais pobre e ainda se sentirem culpados por serem mais produtivos. Os Estados do Norte e Nordeste, por seu turno,. são as eternas vítimas, vítimas da exploração centenária, das estruturas arcaicas de poder. Ora, o voto de cabresto, o coronel, a indústria da seca, a queimada, são criações autóctones, não foram impostos por ninguém de fora. As vítimas se colocam no papel vulnerável, cabe a elas em primeiro lugar livrarem-se dos grilhões e se libertarem.
Para finalizar, parafraseio a recém falecida Margaret Thatcher, acusada por um parlamentar do Partido Trabalhista da Inglaterra de ter aumentado as desigualdades com suas políticas liberais: fazer todos mais pobres em nome da justiça social é estúpido. Talvez fosse o caso de admitirmos que o Norte e Nordeste do Brasil nunca serão lá grande coisa e darmos mais condições ao Sul e Sudeste de prosperar pela diminuição da espoliação imposta aos Estados mais prósperos do país. Chega de perseguição!.