“De acordo com Aristóteles, faltavam a muitas pessoas – na verdade à maioria – dos seres humanos aquelas mais altas qualidades da alma necessárias para a liberdade. A escravidão não era boa somente para o senhor, que tinha à sua disposição instrumentos viventes, mas para o escravo, que recebia orientação que era incapaz de conseguir por si só.”
Retirado da Enciclopédia Britânica, volume 16, edição de 1975
Desde o final do ano passado eu trabalho num local de open office. Para quem não conheceo termo em inglês, open office é um escritório aberto, isto é, em que não há divisórias nem paredes, de forma que todos fiquem juntos em um mesmo ambiente. Os idealizadores do open office tinham objetivos bastante grandiosos: fomentar o trabalho em grupo e o companheirismo, estimular conversas casuais que levassem ao surgimento de ideias inovadoras, criar um ambiente em que os colegas ajudassem uns aos outros. Tudo muito bonito, perfeito para o nosso mundo sem hierarquias, em que as pessoas são responsáveis por seu próprio trabalho e por sua própria carreira e não devem mais contar com uma empresa paternalista com um monte de gerentes dando ordens a autômatos.
Viva a participação, viva a a criatividade, abaixo a linha de montagem, o apertar de parafusos, viva o Google, abaixo a Ford (ou melhor dizendo, o método fordista inventado pelo fundador da empresa)! Quem não sonha em trabalhar em um local com redes para tirar uma soneca, um local em que o indivíduo não é um mero empregado com registro em carteira, não é um funcionário que bate o ponto, é mais do que isso é um recurso humano, o maior ativo da empresa? Portanto, para que ele dê o melhor de si e gere resultados deve-se tratá-lo como um ser livre e adulto, capaz de dar sugestões, de participar de igual para igual.
Meus caros leitores, não sei como uma empresa como o Google funciona na prática. O que vejo é o que a imprensa mostra, e o jornalista que foi ao local para tirar fotos e passar uma tarde não chegou a trabalhar por algum tempo para verificar como a coisa de fato se desenrola. Seria portanto leviano da minha parte dar uma opinião sobre algo que não conheço. O que conheço é o local em que trabalho e digo com todas as letras à la Vicente Matheus, finado presidente do Corithinas, que na prática a teoria é outra.
O lado negro do open office fica muito claro quando o chefe não está, porque é nesse momento que as pessoas são mais autênticas. Hoje foi um desses dias no meu cafofo corporativo, estávamos livres, leves e soltos, aliviados de em uma sexta-feira não termos os olhares do chefe a perscrutar tudo e todos do fundo da sala (afinal para a “liderança” está é a razão mais profunda para o open office, poder haver um controle mútuo das pessoas, que então vão saber se comportar de maneira adequada). Descrevo-lhes agora o que de fato se desenrola.
As coversas informais fomentadoras de ideias inovadoras consistem basicamente no comentário sobre os acontecimentos mais espetaculares da semana: o estudante de psicologia que atropelou o ciclista e jogou o braço do infeliz no córrego, o programa da Regina Casé na televisão (perdoem se erro a informação, não tenho certeza se a Regina Casé realmente tem um programa, posso ter ouvido mal), gozações sobre o toque “Shake your body” do celular de um colega,comentários sobre um site na internet que vende aparelhos eletrônicos a preço de banana e claro sobre o facebook, acessado a não mais poder quando o feitor está longe.Não vejo como tal tipo de conversa possa contribuir para melhorar os processos de trabalho.
É verdade que forma-se uma camaradagem, afinal todo mundo ri junto, conta piadas, mas isso tem um preço. Tamanho barulho e algazarra acaba atrapalhando as pessoas que precisam se concentrar para realizar seu trabalho e as deixam irritadas. Falo por mim, porque realmente tenho vontade de me enfurnar em uma cabine do banheiro quando o chefe não está e o nosso open office vira a gaiola das loucas. Hoje tive grande dificuldade para completar minhas tarefas e se eu pedisse para as pessoas se calarem tenho certeza que seria atendida durante dois minutos no máximo e depois falariam de mim pelas costas na copa ou em outro local. Infelizmente, minhas impressões pessoais são corroboradas por estudos realizados nos Estados Unidos, que mostraram que o barulho intenso diminui a motivação do “colaborador” e a possibilidade de ser solicitado constantemente para ajudar seus colegas diminui a produtividade dos mais capazes (http://ideas.time.com/2012/08/15/why-the-open-office-is-a-hotbed-of-stress/)
Por tudo isso, e sendo fiel à minha alma reacionária, não posso deixar de concordar com Aristóteles:há pessoas que nasceram para ser escravas. O open office é uma ideia esplêndida para um determinado tipo de pessoa que existe muito pouco na prática. Aquele indivíduo que tem um trabalho apaixonante que o realiza como pessoa, o homem livre que não precisa de chefe para chicoteá-lo e para fazê-lo trabalhar porque ele tem introjetadas em si suas responsabilidades e é feliz sendo virtuoso. Aristóteles no século IV a.C. teve o bom senso de perceber que as pessoas não são iguais e nunca serão por mais iguais que sejam seus direitos. Os idealizadores doopen office vislumbraram o homem ideal, o home da economia do conhecimento, que com sua liberdade contribuiria para a economia capitalista. Bah! Parafraseando o Paulo Francis, que deve ter copiado de alguém: quando ouço falar de ambinete colaborativo de trabalho eu saco meu protetor auricular!