Nós brasileiros contemplamos os demais países da América do Sul com uma certa distância, determinada pela barreira da língua, dos Andes, da Floresta Amazônica, e tendemos a nos ver como diferentes. Isso fica bem claro quando tratamos de figuras políticas como Hugo Chavez, Rafael Correa e Evo Morales, que nossa mídia tende aconsiderar como caudilhos populistas em contraponto à Lula, que teria dado um passo além do esbravejar contra o imperialismo americano, adotando políticas econômicas normais, isto é, livres de congelamentos, confiscos, calotes etc. e ao mesmo tempo realizando uma política social decombate à miséria. Teríamos então a síntese perfeita aqui no Brasil, cabendo-nos apenas sorrir de maneira complacente ao ouvirmos falar de bolivarianismo, socialismo, indianismo e outras utopias propagadas por esses três líderes.
Não vou falar aqui de Hugo Chavez, pela simples razão de que minha opinião sobre ele encontra-se atualmente indefinida. Não sei até que ponto suas políticas sociais colocaram a Venezuela no caminho do desenvolvimento econômico, isto é, do crescimento com distribuição de rendaque permita que o aumento do PIB seja duradouro e melhore as condições de vida. Não sei até que ponto as fanfarronices do Chavez são uma forma dese comunicar com os venezuelanos ou simplesmente manifestação de imaturidade. Quanto a Evo Morales, sinceramente acho a Bolívia um caso perdido. Não conheço nenhum país do mundo sem acesso ao mar que tenha dado certo, à exceção da Suíça, que está cheia de lagos. Portanto meu foco será em Rafael Vicente Correa Delgado, eleito Presidente do Equador pela primeira vez em novembro de 2006 e que no último dia 17 de fevereiro foi reeleito com 57% dos votos.
Prestei atenção nele pela primeira vez quando do episódio Julian Assange, que pediu asilo político ao Equador, graça concedida no dia 16 de agosto de 2012. Digo graça porque se trata de um ato soberano de um Estado, um favor a quem se acha perseguido ou a quem se nega o devido processo legal. Vi muitas charges no Brasil fazendo troça da atitude de Rafael Correa, que aparentemente quis dar um golpe de marketing, projetando sua imagem como paladino da liberdade de imprensa ao mesmo tempo em que quer controlar a imprensa em seu próprio país. Independentemente das intenções do presidente do Equador, considero haver fortes razões para a concessão do asilo, afinal se os Estados Unidos conseguirem colocar as mãos no fundador do Wikileaks e levarem-no para ser julgado lá ele poderá ser condenado à pena demorte por traição e espionagem. Em uma entrevista na TV, Rafael Correa fez uma pergunta sensata: se é para processar Julian na Suécia por estupro por que ele não pode ser interrogado na Embaixada do Equador?
As palavras sábias deste economista, que vai completar 50 anos em 2013 e que antes de entrar na política era professor universitário, me impressionaram também quando assisti ao discurso dele na Rio + 20. Para quem quiser está emhttp://www.youtube.com/watch?v=rBxeyyW_Kko. Foi uma aula sobre a lógica econômica da destruição ambiental. Nosso sistema econômico parte do pressuposto de que os recursos naturais são ilimitados e por isso não incorpora ao preço das mercadorias o custo em termos de danos ao meio ambiente que sua produção provoca. De acordo com Rafael, essa falha do capitalismo, ao não internalizar o passivo ambiental, faz com que os bens ambientais públicos, que em sua maior parte estão nos países em desenvovlimento, não sejam pagos, isto é são usufruídos por todos de graça, ao passo que as mercadorias trocadas entre os agentes, principalmente nos países desenvolvidos, que fazem uso desses bens, são pagas. Nesse sentido, o problema ambiental é um problema político, que requer uma solução pelos donos do poder, isto é, que aqueles que fazem uso dos bens ambientais para produzir mercadorias paguem por eles. Infelizmente a imprensa brasileira acabou destacando apenas os “ataques de Correa aos países ricos”, mas considero queo mais importante é o fato de ele ter explicado as raízes do problema ambiental no próprio funcionamento do regime econômico.
Bem, alguns argumentarão que já ouvimos muitas palavras sábias de economistas que não nos levaram a nada e de fato no Brasil fomos cobaias deles por várias décadas. Cabe aqui indagar o que Rafael Correa tem feito em seu país além de adotar umapolítica externa independente dos Estados Unidos e de um discurso crítico em relação aos países ricos. De acordo com o “The World Factbook” da CIA, acessível em https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/ec.html em janeiro de 2007, em dezembro de 2008 o Presidente do Equador deu o calote na dívida do país de 3,2 bilhões de dólares, e em maio de 2009 recomprou 91% dos títulos em forma de leilão. Como já argumentei aqui em relação à Argentina na semana passada (ver o artigo Viúva Negra), nada mais sensato do que reconhecer o óbvio, de que pagamentos de dívida não podem sacrificar o futuro de um povo, como está ocorrendo na Grécia, que está em recessão desde 2008, sem previsão de mudança no cenário econômico.
O crescimento da economia equatoriana foi de 3,6% em 2010, 7,8% em 2011 e 4% em 2012, nada mal quando comparado ao nosso, que foi de 7,5%, 2,7% e 1,5%, respectivamente. À parte os números, o que Rafael Correa oferece em termos de estratégias de desenvolvimento? Meu problema com Lula, além de ele ter inventado a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, é que sua política é o samba de uma nota só, girando em torno do Bolsa Família. Precisamos ir além disso, para que evitemos a bipolaridade que nos tem caracterizado: nos anos 70 crescemos feito doidos, mas não distribuímos rendae o resultado foi que o crescimento se esvaneceu no ar e ficamos praticamente 20 anos patinando. Agora parece que fomos jogados para o pólo oposto: diminuímos as desigualdades mas perdemos o rumo do crescimento, como demonstra nosso “pibinho” do ano passado.
A menina dosolhos de Rafael Correa é Yachay,palavra que em quechua querdizer conhecimento. Yachay é a cidade que está sendo construída no norte do Equador na província de Imbabura e pretende ser “o mais importante centro de conhecimento da América Latina em produção de tecnologia aplicada em um entorno sustentável” (www.yachay.ec). Há incentivos fiscais para investimento e Rafael Correa tem visitado vários países para divulgar seu projeto, procurando atrair interessados em desenvolver atividades nas áreas de petroquímica, naonociência e nanotecnologia, ciências da vida, tecnologia da informação e da comunicação, energias renováveis e mudança climática. O projeto, inciado em abril de 2010, prevê a inauguração em outubro de 2013 de uma Universidade de Investigação em Tecnologia Experimental.
Só o tempo dirá se yachay vai ser mais do que uma boa intenção. O ponto que quero ressaltar é que Rafael Correa parece ter uma visão de que o Equador deve dar um salto de qualidade e transformar sua economia de produtora de commodities em produtora de conhecimento. Easier said than done como se diz em inglês, mas de qualquer forma o presidente mostra ser algo mais do que um mero imitador do Chavez ou um sucessor do venezuelano nas invectivas contra o Tio Sam. Desejo-lhe toda a sorte e espero que realmente consiga colocar seu país em outro patamar de desenvolvimento.
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