Em cartaz está um filme de um cineasta italiano, Marco Bellochio, chamado Vincere, que retrata um episódio pouco conhecido da vida de Benito Mussollini, seu caso amoroso com Ida Dasler com quem teve um filho. Ao começar sua ascensão ao poder ele se livra dos dois colocando Ida num manicômio e o filho num internato sob vigilância para não prejudicar sua carreira.
Não vou me deter aqui sobre aspectos cinematográficos, porque não tenho conhecimento suficiente para tal. Ressaltarei apenas a intenção do diretor de traçar paralelos com a Itália atual: Mussollini cuidava de sua persona como Berlusconi faz atualmente, cuidava tão bem que permaneceu por mais de 20 anos no poder de 1922-1943. Ambos passavam a imagem de homens resolutos, bem-sucedidos, eficientes e fazem extenso uso dos recursos midiáticos para tal: Mussolini mandava registrar em filme tudo o que acontecia de importante no regime: manifestações em massa de apoio, discursos do Duce, etc. Berlusconi controla os principais canais de TV da Itália.
Por outro lado, há um aspecto que é diametralmente oposto em relação aos dois, relacionado ao tema que o filme aborda, a vida privada do líder. Reconhecer seu filho com Ida Dasler seria manchar sua reputação de exemplar pater famílias, de homem casado com filhos, o que seria impensável em uma época em que o fascismo pregava o papel da dona de casa no lar como cuidadora dos filhos e do homem como provedor. Ora, vê-se que Berlusconi tem a intenção diametralmente oposta, que é a de escancarar seu papel de homem “pegador”, “courreur de jupes”.
Seus bacanais em sua “villa” são amplamente noticiados, as jovens mulheres com quem ele sai vira e mexe dão entrevistas explosivas revelando detalhes das habilidades sexuais do “Cavaglieri”. Berlusconi, além disso, mostra um total desprezo pelo casamento, ao contrário de Mussolini, que insistia em preservar a fachada hipócrita de marido fiel.Em sua rumorosa separação de Verônica Lario, a ex-modelo escreveu uma carta aberta dizendo que não podia continuar casada com um homem que se deitava com menores porque isso diminui a dignidade das mulheres e ela tinha que dar o exemplo às filhas. Berlusconi, longe de aparecer contrito, mostrou durante todo o episódio o sorriso matreiro de vendedor de aspirador de pó que ele era no começo de sua carreira.
Fica claro que quando um político não se preocupa em preservar uma certa imagem de pai, marido, é porque não há mais necessidade disso para conquistar eleitores. Pelo contrário, a fama de garanhão conquistada por esse escancaramento de sua vida privada reflete seu sucesso como empresário, o que só aumenta sua popularidade aos olhos de eleitores cujo horizonte moral é se dar bem, conquistar dinheiro, porque com dinheiro vêm o poder e as mulheres. Chegamos a um estágio de nossa civilização em que a hipocrisia não é mais cultivada como tributo à civilização e esta se vê reduzida aos elementos objetivamente verificáveis, como quantidade de dinheiro em conta corrente, de carros, de mulheres ou homens “pegados”. Esperamos dos nossos “líderes” não serem nossos orientadores morais, mas simplesmente exemplos de sucesso para imitarmos, tirados de lições baratas de auto-ajuda sobre como se dar bem.
O tempore, o mores!