A Ana Maria Ribeiro em sua coluna na semana passada comentava a respeito de certas pessoas que estragam o prazer de outras, que não conseguem achar beleza em nada. Pois eu acho que deveria ser tarefa cotidiana nossa achar beleza em tudo, procurar se rodear de coisas belas. Isso ajudaria mais as pessoas do que os remédios de tarja preta que os médicos nos receitam para tratarem nossas depressões, neuroses, hiperatividades, síndromes do pânico e coisas e tais.
Fui atrás deste Santo Graal no fim de semana passado na companhia de uma amiga. O destino foi o Rio de Janeiro. Talvez neste momento seja um local pouco propício ao deleite espiritual, em vista da tragédia que se abateu sobre a região serrana, o que às pessoas de bem só pode encher de angústia ante a incompetência e desfaçatez daqueles que elegemos para nos governar. De qualquer forma dirigimo-nos à capital, mais especificamente à Estrada da Barra de Guaratiba, onde está localizado o sítio do nosso grande paisagista Roberto Burle Marx, que ele legou ao governo para que o transformasse em local de visitação pública. E assim foi feito, basta ligar e agendar seu lugar em um dos grupos que são guiados por uma bióloga em um passeio que dura em torno de uma hora e meia.
Fomos ao Rio de ônibus, e no aeroporto Santos Dumont alugamos um carro. Apesar de termos conseguido o percurso exato no Google não foi lá muito fácil chegarmos ao nosso destino. Na Rua Humaitá tínhamos que pegar uma saída para o Jardim Botânico e erramos quatro vezes até conseguirmos virar na esquerda correta. Nos entrementes uma mulher entrou na nossa frente e minha amiga bateu em seu carro, que estranhamente seguiu em frente e nem sequer parou. Talvez a motorista estivesse com a carteira vencida, talvez tenha achado que seu carro não havia sido muito avariado. Um pouco assustadas seguimos em frente até chegar à Barra da Tijuca, onde nos confundimos sobre se de fato estávamos ou não na Avenida das Américas. Os leitores do Montblatt, a maioria cariocas, estarão com certeza rindo das nossas agruras, ora que obviedade encontrar a Avenida das Américas, mas há muitas pistas e achamos a sinalização deficiente. Bem, depois de 2 horas chegamos ao número 2019 da estrada, felizes por termos encontrado o local a tempo e principalmente porque o sol abriu justamente quando começamos nossa visita guiada.
Era realmente o Jardim do Éden. Aquele sítio havia sido uma plantação de bananeiras e Burle Marx ao comprá-lo substituiu as árvores frutíferas por plantas ornamentais vindas de todos os lugares do mundo, 3.500 espécies foram plantadas ali: eucalipto da Nova Guiné cujo caule tem as cores do arco íris, palmeiras das Filipinas com enormes folhas que mais pareciam leques, samambaias gigantes da Austrália que se arrastavam pelo chão. Burle Marx foi compondo aqui e ali jardins que mais parecem pinturas, misturando diferentes cores e texturas, olhar tudo aquilo dá uma infinita paz de espírito, dá vontade de nos jogarmos nos braços daquela infinidade de plantas e sentir seus cheiros, seu toque macio, aveludado ou arrepiante, a depender dos formatos. Há vários lagos, com diferentes vitórias régias, e vistos de cima quando percorremos o caminho de pedras preciosamente colocadas nos convidam a um mergulho em meio ao silêncio do sol brilhando. É uma pena que os visitantes não possam permanecer nos lugares a seu bel-prazer, é preciso seguir o guia sempre. É sempre assim, os justos pagam pelos pecadores, é preciso ter regras estritas para evitar a ação dos vândalos.
Mas não foi só a natureza pintada por Burle Marx que encontramos lá, também pudemos visitar sua casa, a capela adjacente e passar em frente ao prédio que ele estava construindo para servir de local de cursos. Burle Marx tinha interesses de homem da Renascença, colecionava arte popular, arte religiosa, objetos em cristal, carrancas do São Francisco. Usava materiais de demolição para construir fontes, arcos, falava sete línguas, reunia os amigos para comer e beber, ele que era excelente cozinheiro. Não admira que tenha durado tanto tempo, 85 anos, afinal estava sempre com a mente ocupada, unindo corpo e espírito.
Burle Marx criou uma escola tropical de paisagismo, utilizando plantas nativas que permanecem verdes o ano todo, abandonando a idéia de jardins moldados nas plantas de países temperados que só ficam belas em certa época do ano. E pasmem, ele só foi descobrir a flora tropical quando estava em Berlim, abrindo a partir de então uma trilha que colocou sua arte no mapa internacional. Na ida ao seu sítio, passando em frente àquela famigerada Estátua da Liberdade em frente a um shopping center na Barra da Tijuca, não pude deixar de lamentar como nós brasileiros insistimos em sermos copiadores ao invés de inventores. Que as visitas ao sítio do Burle Marx nos inspirem a prestarmos mais atenção às nossas especificidades e cultivá-las sem cairmos no triunfalismo ingênuo de um Policarpo Quaresma. Neste vale de lágrimas em que estamos em termos de indigência moral, intelectual e espiritual, é reconfortante vermos que houve na história brasileiros que pensaram o Brasil, propuseram uma visão do nosso país. Viva a Pecadópolis de Burle Marx – assim ele chamava seu sítio – que longe de ser lugar de perdição e miséria na verdade nos introduz a uma beleza que nos anima a seguir adiante.