Bem, então ficou decidido (propositalmente não usei o sujeito porque não sei quem decidiu, ou melhor, quem autorizou a ser decidido por um grupelho) assim. O projeto de longo prazo do Estado brasileiro será garantir a realização da Copa do Mundo de acordo com as minuciosas regras da FIFA. Em São Paulo nossos nobres edis aprovaram 420 milhões de reais em isenções fiscais para que os empreendedores privados se animem a construir o Itaquerão, que será a sede da abertura da Copa, nos garantem. O Estádio da Fonte Nova em Salvador será construído com 80% de verbas públicas e no geral 60% das verbas para construção dos estádios virão dos cofres públicos. O BNDES já aprovou financiamentos de R$ 1 bilhão para os governos do Ceará, Bahia e Pernambuco (http://esportes.terra.com.br/futebol/brasil2014/noticias/0,,OI5234592-EI10545,00-Dinheiro+publico+sustenta+parcerias+em+estadios+para+Copa+de.html).
Ora, e as tais das parcerias público privadas? Grande idéia esta para reconstruir e construir nossa infraestrutura. Ao contrário das concessões normais de serviço público, em que a remuneração do concessionário se limitava às tarifas cobradas do usuário, nas PPPs o parceiro privado tem direito a contraprestação pecuniária do Poder Público, a garantias de que não levará o calote e a financiamento facilitado pela realização da parceria com a mãe de todos os brasileiros, a Viúva como diria o Elio Gaspari. Para isso basta criar uma sociedade de finalidade específica para captar recursos. E pimba na gorduchinha, o empreendedor privado consegue o dinheiro e seu risco fica bem mais palatável, porque poderá pagar juros camaradas aos órgãos públicos de financiamento e cobrar tarifas de primeiro mundo de nós pobres mortais, que na festa das PPPs entramos com a bolsinha, para arcar com as despesas, e com nossa infinita paciência para agüentar as traquinagens dos nossos governantes.
Não nego que não haja a necessidade de parcerias entre a iniciativa privada e o setor público para a realização de investimentos de longo prazo. É preciso tanto a ajuda financeira do governo quanto a expertise técnica e gerencial da iniciativa privada. Mas será que estamos usando este instituto para bom fim? Afinal, a finalidade do Poder Público é servir o interesse de todos os brasileiros. A preocupação incessante de todo governo neste século XXI deve ser a de investir em infraestrutura física e humana para que o setor privado tenha condições de fazer negócios de maneira mais barata e eficiente, e assim criar empregos e riqueza. É isso que qualquer governo minimamente competente faz, estabelecendo estratégias para que o país possa aproveitar os ventos da globalização e não ser por ela engolfado.
Na Alemanha, atolada por dívidas originárias da reunificação e com mão de obra excedente devido ao desemprego na parte leste, estabeleceu-se um pacto social em que os trabalhadores aceitaram a estagnação de sua renda em troca da garantia de emprego e do treinamento constante. Isso permitiu ao país manter sua indústria manufatureira competitiva, imune, pelo menos por enquanto, aos ataques predadores dos chineses em sua corrida ao fundo do poço. (Para quem se interessar, há um estudo de dois economistas americanos do Council on Foreign Relations sobre o assunto intitulado “The Evolving Structure of the American Economy and the Employment Challenge” Outros países adotaram igualmente como foco o binômio competitividade e emprego. A Suécia aparou as benesses mais gritantes de seu Estado do Bem Estar para incentivar o trabalho e conseguir se manter capaz de criar riquezas no mundo cada vez mais duro (http://www.exacteditions.com/exact/browse/5/2/9089/3/23?dps=).
Citei o exemplo desses dois países para colocar a pergunta aos leitores do Montblatt. Qual o interesse estratégico do Poder Público de subsidiar a construção de estádios por meio das PPPs? No que estará ajudando a aumentar nossa competitividade no mundo global e a criar fontes PERMANENTES de emprego? Qual o interesse estratégico do nosso país de fazer as mínimas vontades da FIFA, uma entidade formada de picaretas cujo único interesse é se locupletar tendo como meio o vício das massas pelo futebol? Será que o turismo não seria mais bem servido em nossas plagas se houvesse investimento em capital humano que nos livrasse da miséria e da violência, que justificadamente tanto assustam os turistas?
A Grécia quis, ao sediar os Jogos Olímpicos, selar sua aceitação no clube europeu e se livrar do seu passado balcânico. Bem, o resultado está aí, um país com dívida impagável, a ponto de dar um calote. O Brasil parece querer trilhar o mesmo caminho, mostrar uma fachada de país moderno à custa de dores de cabeça futuras. Paremos com nossa mentalidade de ciclos: vivemos o ciclo do pau Brasil, da cana de açúcar, do ouro, do algodão, da borracha, do café, agora estamos embarcando no ciclo da Copa, a próxima parada é o ciclo do pré-sal. As PPPs não devem ser parcerias de picaretas e paspalhos para servir interesses imediatistas de uns poucos. Acorda Brasil, antes que sobre nós recaia a maldição grega!