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A IA e os maratonistas do século XXI

Posted by on 26/02/2025

O futuro da IA não será conquistado se nos preocuparmos exageradamente com a segurança, será conquistado construindo a IA.

Trecho do discurso do vice-presidente dos Estados Unidos, J. D. Vance proferido em 11 de fevereiro na cúpula sobre Inteligência Artificial realizada em Paris

Ele alertava sobre deixar que o progresso da ciência, que simplesmente aprimora nossas ferramentas, ultrapassasse o desenvolvimento da literatura e da filosofia, que considera nossos objetivos, de forma que o exercício irrestrito da faculdade do cálculo tinha enriquecido ainda mais a minoria inteligente, e havia aumentado a concentração de riqueza e de poder.

Trecho retirado do livro “The Age of Napoleon”, escrito por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981) sobre as ideias do poeta romântico inglês Percy Bysshe Shelley (1792-1822)

Muitas empresas têm reportado que enfrentam um problema que já compromete suas atividades e investimentos: está difícil contratar trabalhadores, e o motivo principal não é o número mais baixo de desempregados, como o senso comum poderia supor. A situação é fruto de uma desregulação mais grave do mercado de trabalho. “A escassez é generalizada”, diz Anaely Machado, economista do Observatório Nacional da Indústria. “A falta de pessoal vai desde as funções mias simples até as mais qualificadas.”

Trecho do artigo O apagão de mão de obra, publicado na revista VEJA de 21 de fevereiro

A vida não é uma corrida de cem metros, que termina em segundos. A vida é uma maratona cada vez mais longa. E maratona precisa de perseverança, determinação, resiliência e sobretudo de aprendizado. O País só vai dar certo com educação da infância à velhice”.

Trecho de palestra dada pelo geriatra Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil em 14 de outubro de 2024

    Prezados leitores, o mundo dos sprinters ficou para trás, chegou a era dos maratonistas. Somos todos maratonistas, isto é, pessoas que terão muito mais de meio século de vida e não tendo o medo de morrer que acometia nossos antepassados, que corriam contra o tempo e tentavam fazer tudo o que podiam antes que “A Ceifadora” os pegassem, precisam aprender o que fazer com uma vida tão longa. O desafio dos maratonistas é cadenciar o ritmo, tornar o esforço físico suportável ao longo do tempo de corrida, não acelerar demais para não cair de maduro no meio da pista e ao mesmo tempo não ser muito lentos que nos faça sermos os últimos a cruzar a linha de chegada. Qual o segredo do equilíbrio, da sintonia fina entre ritmo e regularidade?

    Para Alexandre Kalache, citado na abertura deste artigo, o segredo é cultivar bons hábitos de alimentação e exercícios e aprender continuamente, fazer da vida uma eterna sala de aula para que possamos nos adaptar às diferentes fases da vida e aproveitar o que cada uma tem de bom. E observando o que está acontecendo no Brasil neste momento sua ênfase no aprendizado parece justificar-se.

    A taxa de desocupação no país está em 6,2%, a menor desde 2012, mas ela esconde um grave problema: a grande defasagem entre a mão de obra de que as empresas precisam e aquilo que as pessoas oferecem, de forma que as vagas abertas não são preenchidas pelo fato de que os que estão à busca de um emprego não têm as qualificações necessárias. De forma que se os trabalhadores estivessem investindo no aprendizado contínuo, como preconiza Kalache, a taxa de desemprego seria muito menor, pois 60% das empresas hoje no Brasil enfrentam dificuldades para preencher vagas, de acordo com o artigo de VEJA, tanto que deixam de investir e de expandir a produção por causa desse apagão.

    Que maravilha então para os maratonistas! Com empresas ávidas por achar gente para trabalhar e assim poder fazer dinheiro, basta adquirirmos as qualificações necessárias e conseguiremos emprego em todas as etapas da vida. Poderemos assim seguir tranquilamente na corrida, mantendo o passo firme e constante, hidratados e alimentados, sob o sol tropical, cada vez mais escaldante, sem medo de entrarmos em colapso no meio do caminho. Será? Como diria o poeta, tinha uma pedra no meio do caminho.

    Essa pedra se chama inteligência artificial. Ela reconhece padrões, resume e traduz textos, escreve seguindo o estilo de determinado autor, colhe informações e apresenta conclusões. Foi-se o tempo em que os robôs eram colocados no chão de fábrica ou no fundo do mar para realizar tarefas perigosas ou cansativas, que poderiam matar ou injuriar o homem. Hoje, o Grok e o ChatGPT estão na tela do seu celular, respondendo em poucos segundos a uma pergunta sobre sintomas médicos, elaborando uma petição com base nos dados que o usuário insere e por aí vai. O que será daqueles profissionais que antes realizavam tudo isso por si mesmos? O que será dos tradutores que vertem de uma língua para a outra, dos advogados que produzem uma argumentação a ser apresentada ao juiz, do médico que faz diagnósticos com base no que o paciente lhe relata?

    Eles podem se transformar em revisores do que a IA entrega, retocar o produto final, corrigir erros, melhorar o texto, checar o diagnóstico fazendo o exame físico do paciente. Mas serão necessários tantos revisores quanto o número de pessoas que eram responsáveis pela elaboração do produto ou serviço em todas as suas etapas? Atualmente nas empresas, a IA é apresentada em uma bandeja dourada com laço de fita vermelha, como uma nova ferramenta que ajudará os funcionários a serem mais produtivos, a entregarem com qualidade maior, e devemos estar todos entusiasmados com essa inovação tecnológica, pois como cantava Elis Regina, o novo sempre vem. Melhor aceitá-lo e fazer as devidas adaptações.

    É o que pensa também o vice-presidente dos Estados Unidos, J. D. Vance, conforme ele explicou em sua palestra sobre IA em 11 de fevereiro em Paris. Não vale a pena preocupar-se com a segurança da IA e muito menos tentar controlá-la, impondo normas regulatórias. Isso só inibirá a inovação e o investimento e a IA tem o potencial de causar uma disrupção na economia, uma destruição criativa de funções que pode levar à Sociedade 5.0 ou à sociedade super inteligente, em que todos os aspectos da vida serão organizados por meio de dados, em que a ação humana ficará limitada ao fornecimento de dados às máquinas, que serão capazes de coletá-los, processá-los e transformá-los em produtos e serviços. Em suma, a IA deve ser uma cria do capitalismo, o melhor sistema de produção de riquezas que o mundo já conheceu.

    Sob essa perspectiva, coibir o desenvolvimento da IA por meio de proibições e restrições é privarmo-nos da oportunidade de crescimento da economia por meio do investimento em um novo mercado que com certeza criará novas atividades e portanto, novos empregos. Mas será que se a IA tiver rédea solta ela não acabará desenvolvendo-se mais rapidamente do que a capacidade dos trabalhadores de atualizarem suas qualificações?

    No Brasil ocorre o apagão da mão de obra porque a educação no geral é ruim demais para preparar as pessoas para um mercado que mal chegou à era digital. O que ocorrerá daqui a alguns anos, quando tivermos importado ferramentas de IA dos Estados Unidos (ChatGPT) ou da China (DeepSeek), por exemplo? Nossa educação, já retardatária para a era do uso disseminado de computadores, estará a anos-luz da era da Sociedade 5.0, em que o emprego estará disponível somente para aqueles que saibam desenvolver ferramentas de IA, pois os outros terão sido substituídos pelas máquinas.

    A calamidade vislumbrada pelo poeta romântico inglês Shelley pode estar à nossa porta, conforme o trecho que abre este artigo: a ciência e a tecnologia desenvolvidas exponencialmente para o benefício de uns poucos e o desespero da maioria. Shelley, morto aos 30 anos no mar, criticava o fato de nem católicos nem protestantes buscarem exercer a compaixão pregada por Cristo nas suas relações com os mais pobres. Afinal, a Primeira Revolução Industrial foi executada às custas dos operários das fábricas, que trabalhavam muito mais de 8 horas por dia em condições insalubres, porque esse era o modo eficiente de produzir que gerava lucro e permitia reinvestir. Pode ser que a Sociedade 5.0 seja erigida sobre a pilha de trabalhadores tornados obsoletos cujo futuro na vida será o de receber uma renda mínima mensal para subsistência em um mundo sem emprego.

    Prezados leitores, nesses tempos de maratona que estamos vivendo no século XXI, a IA pode acabar exercendo o papel daquele espectador que se coloca na rua à espera do corredor e que ao tentar agarrá-lo, destrói suas chances de vencer tirando-lhe o foco e quebrando-lhe o ritmo. Só nos resta torcer para que as mentes brilhantes dos calculistas que desenvolverão a IA na sua máxima potencialidade reflitam sobre as consequências que ela terá para os maratonistas, que correm o risco de se verem condenados a viver décadas sem perspectiva nenhuma.

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