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Saudosismos

Posted by on 01/02/2025

O fazendeiro do Oeste paulista – a região que, centralizada em Campinas, vai se tornar, a partir da segunda metade do século XIX, o núcleo vital, e muito mais importante, da produção do café – é uma figura tão caracterizada pelo dinamismo quanto o outro [o fazendeiro do Vale do Paraíba] pelo imobilismo. Serão suas marcas registradas o reinvestimento constante, em terras e cafezais, a atenção para a substituição da mão de obra escrava pelo colono europeu, e a extensão de seus interesses para setores industriais e comerciais, o das ferrovias em primeiro lugar.

Trecho retirado do livro “A Capital da Vertigem – Uma História de São Paulo de 1900 a 1954” de Roberto Pompeu de Toledo

 

A história da Light em São Paulo – e no Brasil, pois seus tentáculos se estenderiam a Santos, Rio de Janeiro, Salvador e outras partes – mistura escusas manobras políticas e excelência técnica, truculência contra os concorrentes e impulso ao progresso do país.

Trecho retirado do livro “A Capital da Vertigem – Uma História de São Paulo de 1900 a 1954” de Roberto Pompeu de Toledo sobre a empresa de capital canadense The São Paulo Railway Light and Power Co. Ltda, fundada em abril de 1899 e conhecida pelo nome de Light

Os economistas Fabio Silveira, sócio da MacroSector, e José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), alertam que, do ponto de vista estratégico, um desdobramento negativo da forte dependência do agronegócio nas exportações é a baixa geração de empregos qualificados. “Mão de obra qualificada seria demandada se as exportações fossem focadas em segmentos de densidade tecnológica, como a indústria automobilística, eletroeletrônica e nos bens de capital”, observa Silveira.

Trecho retirado do artigo “Baixa geração de emprego qualificado é um efeito da ‘agrodependência’ do País, publicado no jornal O Estado de São Paulo de 26 de janeiro

    Prezados leitores, um dos problemas de envelhecer é a quantidade de memórias que vamos acumulando ao longo da jornada. Memórias de lugares, de pessoas, de acontecimentos. Elas acabam pesando no espírito e fica difícil escapar da tristeza sobre aquilo que se perdeu e não volta mais. Na semana passada, por exemplo, fui a São João Del Rey e conheci a Igreja de São Franciso de Assis. Eu fiz questão de visitar o cemitério atrás da igreja, onde está enterrado Tancredo Neves (1910-1985) e sua esposa Risoleta Neves (1917-2003). Quando cheguei perto dos respectivos túmulos me veio à mente as imagens do enterro transmitido ao vivo pela Rede Globo, o cemitério apinhado de gente, o cortejo com o caixão pelas ruas da cidade. Àquela época a morte de Tancredo Neves foi uma tragédia, por ter nos dado José Sarney como presidente da República, e pelo fato de as esperanças depositadas no primeiro presidente eleito na Nova República, no momento da transição da ditadura para a democracia, terem sido desfeitas. E hoje, passados quase 40 anos do evento, quem se lembra de Tancredo Neves? Por acaso as gerações mais novas sabem quem foi?

    E no entanto, para mim aquele cemitério era cheio de significados, por eu ter acompanhado o drama do homem que passou quase dois meses em um hospital em São Paulo e que acabou enterrado em sua cidade natal. O cemitério ostenta até uma placa comemorativa da visita do presidente francês François Miterrand (1916-1996), o que mostra que um dia os mortos de lá tiveram alguma importância. E hoje os turistas que passam pelo local precisam ser lembrados pelos guias de que um presidente do Brasil que não chegou a tomar posse está enterrado atrás da Igreja, descansando eternamente.

    Há uma outra memória, que guardo no meu saco já pesado. A memória da Light, a empresa canadense que foi responsável pela construção da infraestrutura que permitiu a Sâo Paulo, no começo do século XX, dar um salto de qualidade. Represa de Guarapiranga, Usina Henry Borden, Represa Billings, Usina de Santana de Parnaíba, bondes elétricos, luz elétrica, telégrafo, telefone, tudo que viabilizou a expansão industrial de Sâo Paulo e sua urbanização foram obra da São Paulo Railway Light and Power Co. Ltda. O que me fez lembrar da Light não foi uma viagem, mas a leitura do livro de Roberto Pompeu de Toledo, citado na abertura deste artigo. Se o túmulo de Tancredo Neves me fez lembrar dos rumos que o país poderia ter tomado se tivesse tido a liderança do político mineiro, a descrição do autor de “A Capital da Vertigem” me fez lembrar o que São Paulo foi e representou para o Brasil e que foi perdido.

    Roberto Pompeu de Toledo não doura a pílula a respeito da atuação da São Paulo Railway Light and Power Co. Ltda em terras tropicais. Ele narra a disputa da empresa com o grupo Graffrée e Guinle, donos da Companhia Docas de Santos, narra a interferência da empresa nas eleições da Câmara Municipal de São Paulo, o lançamento de um jornal, a Gazeta, para defender os interesses da Light. Não há dúvida de que ela tinha ambições monopolistas, querendo se tornar a única prestadora de determinados serviços públicos e ser regiamente paga por isso. Por outro lado, como não se impressionar pelo legado que ela deixou e que pode ser comprovado ainda hoje para quem vê a tubulação da Usina Henry Borden encravada na Serra do Mar, para quem passa pela Represa Billings na ida à Baixada Santista? Para não falar do Shopping Light, à beira do Viaduto do Chá, localizado na antiga sede da empresa canadense.

    Naquele início do século XX, a ambição da Light de controlar toda a infraestrutura urbana de São Paulo refletia a ambição da cidade de caminhar rumo ao futuro, representada pelas melhorias urbanas proporcionadas a uma população que não parava de crescer, atraída pelas oportunidades que a cidade oferecia em termos de trabalho nas indústrias nascentes. Nesse sentido, essa ambição era concretizada pelos dirigentes da cidade, entre os quais destacou-se Antônio da Silva Prado, o primeiro prefeito de São Paulo, de 1899 a 1911. Conforme explica Roberto Pompeu de Toledo no trecho que abre este artigo, ele pertencia à classe dos fazendeiros do Oeste paulista, que souberam fazer a transição da agricultura para a indústria, investindo o dinheiro acumulado pela exploração dos cafezais do interior paulista em novos empreendimentos comerciais e industriais, dinamizando a economia. Antônio da Silva Prado fundou o Banco Comind, a Vidraria Santa Marina, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a Casa Prado-Chaves de exportação de café e ainda loteou as terras da Chácara do Carvalho, que dariam origem ao bairro da Barra Funda. O sociólogo José de Souza Martins considera que ele formulou a ideologia do trabalho que marcaria a vida da cidade.

    Ideologia esta que parece ter sido totalmente superada no século XXI. São Paulo, que foi o motor da industrialização do Brasil no século XX, graças ao pioneirismo dos fazendeiros abastados do Oeste paulista, perdeu o dinamismo nesses tempos de globalização que se iniciaram em 1990. Parece que consolidamos nosso papel de fornecedor de commodities agrícolas no mercado mundial e que nos conformamos com essa posição. E como mostra a reportagem sobre a agrodependência do Brasil citada na abertura deste artigo, o lado negro dessa dependência é justamente a perda da oportunidade de criar empregos qualificados pelo não investimento na indústria. De acordo com José Augusto de Castro, o déficit na balança comercial de manufaturados, de US$ 135 bilhões em 2024, levou o Brasil a deixar de gerar 4 milhões de empregos diretos e indiretos ligados à indústria.

    Essa perda do ímpeto da industrialização e do urbanismo associado à dinâmica econômica está estampada na cidade de São Paulo: os galpões abandonados, os prédios comerciais vazios, os sem-teto e sem-emprego que ocupam as calçadas e praças com suas barracas, a sujeira por toda parte. No começo do século XX tínhamos um conselheiro que inaugurou a Pinacoteca do Estado, a Estação da Luz e hospedou os reis da Bélgica em sua Fazenda Guatapará. Hoje temos Ricardo Nunes, acusado de vínculos com o crime organizado. No começo do século XX, tínhamos a Light que fazia e acontecia, cobrava caro, mas entregava. Hoje temos a ENEL que não inspira nenhuma confiança nos paulistanos, depois de tantos apagões ocorridos na cidade em 2024.

    Prezados leitores, entendem por que sou saudosista? As boas memórias são acachapantes, mesmo que elas sejam edulcoradas pelo tempo. Sou do tempo em que tínhamos eficiência na prestação de serviços públicos, liderança, visão estratégica sobre aonde queríamos chegar e corríamos acelerados rumo ao futuro, da agricultura rumo à indústria. Hoje voltamos à agricultura e estamos chafurdados nela. Será que teremos um rumo no século XXI? Ou só lembraremos de bons tempos que se foram, isso para quem tem idade suficiente para lembrar? Aguardemos.

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