De acordo com este sistema de liberdades naturais, o soberano [ou o Estado] tem somente três obrigações a cumprir: … primeira, a obrigação de proteger a sociedade da violência e de invasão por outras sociedades independentes; segunda, a obrigação de proteger, tanto quanto possível, cada membro da sociedade da injustiça e da opressão de qualquer outro membro, ou a obrigação de estabelecer uma administração precisa da justiça; e terceira, a obrigação de manter determinadas obras públicas e instituições públicas, as quais nunca podem ser do interesse de nenhum indivíduo, ou de um pequeno número de indivíduos, erigir ou manter.
Trecho retirado do livro “A Riqueza das Nações”, do economista escocês Adam Smith (1723-1790)
No restaurante dele, são 22 funcionários, mas deveriam ser 25. Ele não consegue preencher três vagas. Na pandemia, diz, muitos migraram para pequenos negócios, montaram delivery, foram trabalhar como motorista de aplicativo ou nem voltaram para o mercado de trabalho. Para Vitali, programas do governo como o Bolsa Família, que teve reajuste significativo nos últimos anos, fazem muitos preferirem trabalhar como autônomos, sem carteira assinada, para não perder o benefício. Empresários têm de pagar mais.
Trecho retirado do artigo “Pleno Emprego – Qualificada ou não, mão de obra começa a ficar escassa nas empresas”, publicado no jornal O Globo de 18 de agosto sobre o apagão de mão de obra vivido no Brasil
A desigualdade não desaparecerá enquanto o acesso a escolas de base com qualidade continuar restrito. Universidade para todos é uma ilusão demagógica se o sistema educacional não superar a divisão entre “escolas senzala”, para a maioria pobre, e “escolas casa-grande”, para a minoria rica. O entorno do presidente precisa perceber que os produtos da mesa são comprados, mas a educação universitária é conquista de cada indivíduo, desde que tenha acesso à escola pública de qualidade. A mudança necessária não está em políticas que aumentem as vagas para ingresso no ensino superior. Está em garantir a universalização do egresso oriundo de escolas com a máxima qualidade para todos.
Trecho do artigo “Mesa, Escola e Bola” publicado por Cristovam Buarque na edição de Veja de 9 de agosto
Prezados leitores, há duas semanas, no artigo “Útil para quê?”, ao falar sobre o utilitarismo e a eutanásia, fiz menção à crítica feita pelo filósofo inglês Bertrand Russell (1872-1970) ao laissez faire proposto por Adam Smith em sua obra-prima, “A Riqueza das Nações”. Para Adam Smith, o melhor sistema econômico possível, isto é, aquele que gerará a maior quantidade de riqueza possível e portanto o melhor do ponto de vista utilitarista, é aquele em que cada indivíduo tem a liberdade de perseguir seus objetivos na vida, pois num ambiente de liberdade econômica haverá um maior incentivo à criação e à inovação que geram investimentos e empregos. O lado negro do laisser faire, para Russell, é que na prática a liberdade, apesar de ser útil sob o ponto de vista econômico, causa uma imensa desigualdade e permite uma grande exploração das pessoas, como ocorreu na Revolução Industrial, que teve início no século XVIII na Inglaterra. Meu objetivo nesta semana é mostrar uma faceta menos conhecida do pai do liberalismo econômico, que via o Estado desempenhando um papel fundamental na economia. Esse lado obscurecido do livro “A Riqueza das Nações” servirá para lançar luz sobre alguns dos problemas enfrentados hoje no Brasil.
De acordo com o trecho que abre este artigo, para Adam Smith o Estado deveria prestar três serviços à sociedade para que cada membro pudesse ter condições de colocar em prática seu projeto de vida particular: garantir a segurança do cidadão contra a violência interna ou externa, aplicar a justiça às disputas entre os cidadãos de forma que nenhum levasse vantagem exagerada em relação ao outro e por último realizar os tais trabalhos públicos. E o que são tais trabalhos públicos? Hoje em dia diríamos que são bens públicos que criam externalidades positivas, isto é, bens que devem ser proporcionados pelo Estado porque eles geram benefícios que se espalham pela sociedade e não podem ser capturados por agentes privados através da precificação, pois o preço não refletiria o valor que tal bem agrega à sociedade.
A educação básica para todos é um exemplo disso, mostrado no artigo de Cristovam Buarque. A educação básica de qualidade permite que as pessoas tenham acesso às melhores universidades e consigam se qualificar para buscar empregos de boa remuneração. Para quem não tem acesso à educação básica de qualidade, que infelizmente é a maioria dos brasileiros, o acesso ao ensino superior, quando se dá, é por meio de vagas subsidiadas em faculdades particulares, que oferecem um diploma que pouco contribui para que as pessoas consigam empregos que satisfaçam suas expectativas, pois não as provê das habilidades exigidas pelo mercado de trabalho no século XXI. O resultado na economia brasileira é catastrófico, como mostra o artigo do O Globo.
De acordo com o IBGE, no acumulado de 12 meses o Brasil teve um crescimento de 2,5%, o que é insuficiente para gerar as riquezas necessárias para aumentarmos nosso nível de desenvolvimento. Por outro lado, a taxa de desemprego está em 6,9%, a menor em uma década, de acordo com o artigo. E por quê? Ora, há um apagão de mão de obra nas duas pontas. Na ponta de cima, aqueles que têm diploma de curso superior não tem a formação solicitada pelo mercado. Faltam engenheiros civis, faltam gestores de projetos. Na ponta de baixo, aqueles que não têm diploma universitário não se sentem atraídos pelos baixos salários pagos à mão de obra pouco qualificada. O artigo informa que um indivíduo que faz bicos e recebe benefício social ganha em média R$1.399,00, que é menos do que o salário mínimo de R$1.412,00, mas que não é muito menor. Daí o comportamento constatado pelo empresário Leonardo Vitali, dono de um restaurante em Goiânia, cuja fala é citada na abertura deste artigo. É difícil recrutar gente para trabalhar em restaurantes porque o salário não é lá grande coisa e para o candidato a garçom ou a auxiliar de cozinha ou de limpeza é muito melhor manter-se no rol de beneficiários da assistência governamental e fazer alguns bicos do que prender-se a um emprego formal que requer jornadas fixas de trabalho e dias de descanso estabelecidos pelo patrão.
É clara a catástrofe para o Brasil gerada pela falta de educação básica, que cria um círculo vicioso nas duas pontas: na ponta de baixo, sem qualificação, a pessoa só tem acesso a empregos de baixa remuneração, fazendo com que seja preferível não ter carteira assinada, o que por si só aumenta a desqualificação pela própria falta de formalização; na ponta de cima, devido à falta de pessoas com os diplomas úteis à economia, o empresário enfrenta restrições ao investimento produtivo, pois as atividades que não podem ser automatizadas carecem de mão de obra para serem exercidas.
Prezados leitores, quando forem votar em outubro, lembrem-se das lições de Adam Smith sobre a necessidade de o Estado proporcionar aqueles bens que só ele tem a capacidade para prover: um dos mais importantes é a educação básica de qualidade para todos, que ao qualificar as pessoas viabiliza a criação de riqueza. À pergunta de “Governo para quê?” podemos responder: proporcionar os serviços que permitam a cada um, nos dizeres de Cristovam Buarque, “ter o mapa que lhe permita buscar sua felicidade”.