browser icon
You are using an insecure version of your web browser. Please update your browser!
Using an outdated browser makes your computer unsafe. For a safer, faster, more enjoyable user experience, please update your browser today or try a newer browser.

Materialismo para quê?

Posted by on 27/09/2023

O materialismo mecânico é a teoria de que o mundo consiste inteiramente em objetos materiais e sólidos os quais, mesmo que sejam imperceptivelmente pequenos, são de outro modo coisas como as pedras. […]Esses objetos interagem da maneira que as pedras fazem: pelo impacto e possivelmente também pela atração gravitacional. A teoria nega que coisas imateriais ou aparentemente imateriais (tais como mentes) existam ou de outro modo as explicam como sendo coisas materiais ou movimentação de coisas materiais.

Trecho retirado do verbete sobre “Materialismo” da edição de 1974 da Enciclopédia Britânica

Darwin elaborou uma teoria da evolução com base nas mudanças aleatórias e na seleção natural … uma versão da evolução rigidamente materialista (e basicamente ateia).

Trecho retirado da palestra intitulada “A humanidade esqueceu-se de Deus? dada em Dallas, no Texas, em maio de 2023 por Stephen Meyer (1958-), doutor em filosofia da ciência americano e proponente da teoria do design inteligente, citando o paleontólogo e biólogo americano Stephen J. Gould (1941-2002)

 

Quero abordar hoje a falsa disputa entre design inteligente e as explicações da ciência biológica baseada na teoria da evolução”, afirma. […]O físico aponta que o principal argumento em defesa do design inteligente é que a complexidade dos seres vivos e de seus órgãos não poderia surgir do acaso, hipótese apresentada como complexidade irredutível: sem um “projetista” inteligente essas estruturas não poderiam existir. “A hipótese de que um criador ‘inteligente’ é responsável pelo surgimento da vida (e do próprio universo) não se presta a testes experimentais”, ressalta. “Portanto, não pode ser considerada científica.”

Trecho do artigo ”Design inteligente não é ciência e não deve ser ensinado nas escolas”, publicado no Jornal da USP de 12 de fevereiro de 2020, citando o professor do Departamento de Física Experimental da Universidade de São Paulo, Paulo Nussenzveig

 

Tanto em períodos pré-paradigmas quanto durante as crises que levam a mudanças de larga escala no paradigma, os cientistas normalmente elaboram muitas teorias especulativas e não articuladas que podem elas mesmas apontar o caminha para a descoberta. Frequentemente, no entanto, a descoberta não é exatamente aquela prevista pela hipótese especulativa e provisória. Somente à medida que os experimentos e a teoria provisória são articulados de modo a terem uma correspondência é que a descoberta emerge e a teoria torna-se um paradigma.

Trecho retirado do livro a “Estrutura das Revoluções Científicas” do físico e filósofo da ciência americano Thomas S. Kuhn (1922-1996)

 

    Prezados leitores, há algumas semanas tenho abordado a questão de como a religião começou a ser desafiada no Ocidente a partir da Reforma Protestante no século XVI e quanto esse desafio evoluiu ao longo dos séculos XVII e XVIII: deixou de ser um ataque meramente institucional à Igreja Católica e passou a ser um ataque intelectual e epistemológico. Intelectual porque a fé que acreditava em coisas inverossímeis, improváveis ou até impossíveis foi contraposta à razão que analisava o mundo natural. Epistemológico, porque a Bíblia deixou de ter a última palavra sobre assuntos como a origem do mundo e do homem, que podiam ter uma explicação baseada na premissa de que não era preciso recorrer a um Criador para que o ser humano entendesse como os fenômenos naturais se desenrolam de acordo com leis que descrevem os mecanismos de operação desses fenômenos.

    O resultado deste duplo ataque foi a ascensão do materialismo, isto é, a ideia, conforme explica o trecho que abre este artigo, que o mundo é composto unicamente por matéria que interage entre si. Conceitos como o Espírito Santo, a Santíssima Trindade e a Transubstanciação não tinham mais função explicativa, porque só objetos materiais poderiam ter efeito sobre outros objetos materiais. Não havia lugar para conceitos metafísicos que pudessem ser causa suficiente dos fenômenos observados no mundo fenomenológico. Sob essa perspectiva, a mente e a consciência não têm existência autônoma, como propõe o idealismo, a corrente filosófica que se opõe ao materialismo: elas são apenas manifestações de processos materiais que ocorrem no cérebro do homem e só atuam no mundo na medida em que tenham uma concretização material.

    Muitos foram os produtos deste materialismo filosófico triunfante. Neste meu humilde espaço já mencionei a física newtoniana, nesta semana meu objetivo será tratar da teoria da evolução do biólogo inglês Charles Darwin (1809-1882). A teoria da evolução foi a pá de cal na possibilidade de fé religiosa por parte dos intelectuais porque, conforme Stephen Mayer explica na palestra mencionada na abertura deste artigo, ela explica a vida não como uma dádiva divina, mas como um produto da evolução de seres mais simples aos mais complexos, por meio de mudanças biológicas graduais ao longo de longos períodos de tempo que permitem que os indivíduos se adaptem às condições ambientais e sobrevivam. Os neodarwinistas, entre os quais colocou-se Stephen Jay Gould, atualizaram a teoria de Darwin à luz das descobertas mais recentes sobre o DNA e as mutações dos genes, para esclarecer que essas mudanças graduais consistem em mutações genéticas que, se permitem uma melhor adaptação, serão preservadas para as próximas gerações porque permitirão aos seus portadores sobreviver e reproduzir-se; e se não facilitam a adaptação serão descartadas ou tornadas menos prováveis porque farão com que seus portadores ou morram ou não consigam reproduzir-se de maneira bem-sucedida, evitando a propagação dessa mutação genética maléfica.

    Assim, a teoria de Darwin parece ser a cereja do bolo dos materialistas, pois permite descartar Deus como agente causal de efeitos sobre o mundo material: bastam os objetos materiais eles mesmos, no caso os organismos vivos, para mudarem, evoluírem e propagar-se a depender do sucesso ou do fracasso da sua adaptação ao meio ambiente. E no entanto, eis que os próprios frutos científicos conquistados, notadamente o entendimento do papel do DNA na constituição dos organismos, abrem novas perspectivas neste século XXI, levando ao questionamento da teoria da evolução como suficiente para explicar a vida. Esse questionamento se materializa na teoria do desenho inteligente, que seus detratores como o físico Paulo Nussenzveig citado na abertura deste artigo, chamam de uma vertente do criacionismo, que vigorava antes de Darwin entrar em cena, sob a inspiração dos mitos bíblicos sobre a criação do mundo e do homem.

    Conforme Paulo Nussenzveig explica na conversa de rádio de 2020, reproduzida no Jornal da USP, os designers inteligentes propõem que a complexidade dos organismos vivos é muito grande para que sua constituição possa ser explicada por mutações aleatórias. É preciso haver uma mente brilhante que permite que os diferentes órgãos em uma célula, por exemplo, se organizem de forma que cada um desempenhe uma função e todos juntos em sintonia possam fazer com que a célula seja uma estrutura perfeita que existe como tal somente porque suas partes foram concatenadas em prol desse objetivo. Ora, para o físico da USP, propor a hipótese de um projetista que não pode ser testada devido à própria natureza etérea do projetista, é algo não científico.

    No entanto, há mais objeções que os proponentes da teoria do design inteligente, pessoas como Stephen Meyer e o químico orgânico americano James Tour (1959-) colocam à teoria da evolução. Darwin explicou como os organismos evoluem, mas não explicou como a vida surge. Até hoje ninguém nunca conseguiu criar vida em laboratório de maneira espontânea, sem a ajuda do pesquisador, e isso por uma razão fundamental: conforme Francis Crick e James Watson descobriram ao revelar a estrutura química do DNA, a vida requer instruções precisas: para que as proteínas que são os tijolos dos organismos vivos sejam produzidas, elas precisam ser codificadas, e tal codificação é feita pelo DNA, que é formado por letras químicas cuja ordem precisa determina o tipo de proteína que será produzido. Ora, se o DNA é uma instrução baseada em uma linguagem, não há como descartar uma mente que cria a linguagem e dá as instruções por meio dela.

    Assim, o ponto principal dos designers inteligentes é que, com base no nosso conhecimento atual sobre como a vida é possível, ela é baseada em informação química, e sem tal elemento mental, que dá as instruções para a síntese de proteínas, não é possível que a matéria inerte seja transformada de tal forma a ser considerada como tendo vida. Uma abordagem materialista que enfoca os impactos mútuos dos objetos materiais sem levar em conta a mente que atua sobre eles e lhes dá função e propósito não explica o aspecto mais fundamental da biologia, que por definição é a ciência que estuda a vida e os organismos vivos. Darwin pode ter explicado como os organismos vivos evoluem, mas sua teoria materialista e ateia não explica como a vida surge, pois a base da vida é a informação.

    Prezados leitores, pode ser que os designers inteligentes sejam derrotados pelos darwinistas e que no final das contas estes consigam chegar a uma explicação materialista satisfatória que dê conta da biologia como um todo. Ou conforme explica Thomas Kuhn em seu famoso livro, citado na abertura deste artigo, a tentativa incipiente de explicação alternativa proposta pelos ditos “criacionistas” leve a descobertas não vislumbradas por nenhuma das partes, mas robusta o suficiente para permitir a mudança do paradigma e a substituição da teoria darwinista por uma teoria que se adeque melhor ao que se sabe sobre a função do DNA como o código da vida. Aguardemos, com a mente aberta, sem pré-conceitos, se possível. Talvez o século XXI seja o momento em que a oposição dialética entre ciência e religião, entre materialismo e idealismo, seja superada por uma síntese revolucionária, quem sabe?

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *