A Copa do Mundo que se desenrola na África do Sul nos dá muitos motivos para reflexão. À parte a pífia participação de nossa seleção, é de causar espanto a quantidade de bobagens que os locutores falam. Não citarei como exemplo o óbvio Galvão Bueno, que é a epítome do jornalismo chapa branca da Globo que lambe as botas dos poderosos de plantão até não mais poder e depois quando os poderosos caem descem o sarrafo no cachorro morto.
Assistindo eu à tragédia de Port Elizabeth na sexta-feira pela Band, o Luciano do Valle comentava acerca do erro dos sul-africanos de deixarem que os europeus prejudicassem a imagem deles pela divulgação exaustiva de notícias sobre a violência que grassa no país. Como resultado, foram cancelados antes do início da Copa 200.000 pacotes turísticos. O narrador então falava sobre a necessidade de o Brasil trabalhar nossa imagem para que o mesmo não ocorresse com nosso país, afinal a Copa “será nosso cartão postal”.
Pois é, me preocupa esse conceito de cartão postal. A África do Sul promoveu a “rainbow nation”, construi estádios maravilhosos importando os materiais exigidos pela FIFA da Alemanha. E o que ela conseguiu em se fazendo cartão postal? Além de uns empregos temporários para a peãozada que trabalhou nos canteiros nada de muito substancioso: menos da metade do público esperado realmente veio assistir à Copa, pois para além do cartão postal os europeus sabem existir uma sociedade extremamente desigual e violenta. O legado da Copa do Mundo aos africanos será uma dívida monstruosa para arcar com a construção dos reluzentes estádios que para nada servirão depois do evento. Em troca tiveram o parco reconhecimento dos brancos europeus que ficaram com o filé dos lucros – direitos de transmissão, venda de know-how, materiais, serviços de gestão, etc. – e ainda reclamaram da violência, da pobreza.
Será que também acontecerá o mesmo conosco? Construiremos estádios com dinheiro público através da encenação das tais das parcerias público-privadas? Proporcionaremos a infraestrutura para uns poucos, como a FIFA, a CBF, empreiteiros e quejandos, se locupletarem? E ao final o que o povo brasileiro terá em troca? Por acaso teremos nos transformado, depois de gastar milhões que não temos, num país de cartão postal ou será a repetição da velha história do Ministro Potemkin da imperatriz russa Catarina a Grande, que ao levar a soberana aos rincões do império mandou que as faixadas das casas fossem pintadas para esconder a decrepitude de tudo?
Apresentarmo-nos com uma boa imagem aos olhos do mundo, como querem os defensores da Copa, será agir como Potemkin. Mas se Catarina se deixava docemente enganar não conseguiremos enganar o mundo com a encenação. Eles sabem que o Brasil é tão dividido e violento quanto a África do Sul. O resultado para nós, ao invés de incremento no turismo, poderá ser uma ressaca tal qual aquela que vivenciamos depois da construção do elefante branco chamado Brasília. Quisemos nos modernizar a todo vapor, cinqüenta anos em cinco e o que nós conseguimos foi aumentar nossa dívida pública e reforçar este caminho infeliz de desenvolvimento dependente que trilhamos até hoje, à cata de dinheiro alheio.
Oxalá que pelo menos o Ministério Publico tenha capacidade de vigiar as mutretagens que vão pulular no caminho para 2014 para que a Copa não nos deixe um legado tão nefasto quanto foi Brasília.