Temos a tendência, diz ele, de ceder a quatro tipos de fraquezas mentais, que ele chama de ‘ídolos’. Primeiramente, há os ‘ídolos da tribo’, que nos pertencem porque somos humanos. O pensamento positivo seria um exemplo, particularmente a expectativa de uma maior ordem nos fenômenos naturais do que de fato existe. Além disso, há os ‘ídolos da caverna’, que são as idiossincrasias de cada pessoa, as quais são infinitas. Os ‘ídolos do mercado’ são os erros causados pela tendência da mente de deslumbrar-se com as palavras, um erro particularmente comum na filosofia. Por último, os ‘ídolos do teatro’ são os erros que resultam dos sistemas e das escolas de pensamento. O aristotelismo era o exemplo típico mencionado por Bacon para esse tipo de erro.
Trecho retirado do livro “The Wisdom of the West” do filósofo e matemático inglês Bertrand Russell (1872-1970) sobre o filósofo, político, advogado e diplomata inglês Francis Bacon (1561-1626)
As vertentes platônica e artística da Renascença pouco se coadunavam com uma economia pujante; crescia a demanda por um procedimento mental que lidasse com fatos e quantidades, assim como com teorias e ideias […]. A ênfase do humanismo italiano nas glórias da literatura e da arte antigas deu lugar a uma ênfase menos etérea nas necessidades práticas do momento. Os homens precisavam contar e calcular, medir e desenhar, com precisão e velocidade competitivas.
Trecho sobre a ciência no século XVI retirado do livro “Começa A Idade da Razão”, do filósofo e historiador americano Will Durant (1885-1981)
Minha irmã, meu irmão, não dê o seu voto precioso a quem não aceita sequer ir aos debates para apresentar propostas para o futuro do Brasil. Como disse Einstein, “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.
Twitter do candidato à Presidência, Ciro Gomes, postado em 12 de agosto de 2022
Prezados leitores, em seu livro sobre a História da Civilização Europeia de 1558 a 1648, Will Durant, mostra, conforme o trecho que abre este artigo, como as necessidades intelectuais da sociedade mudaram radicalmente devido à expansão da atividade econômica e à descoberta pelos europeus de novos continentes a serem explorados. Não era mais possível, como na Renascença, somente cultuar as belas palavras, as ideais abstratas, os sistemas filosóficos criados pelas grandes autoridades do pensamento ocidental, como Platão e Aristóteles.
A necessidade de traçar rotas marítimas, de calcular distâncias entre locais distantes no globo, de elaborar mapas, de calcular o capital a ser investido em um empreendimento e o valor do seguro necessário para diminuir o risco do negócio, tornava premente o desenvolvimento de novas habilidades intelectuais. De acordo com a descrição de Durant, Francis Bacon foi um dos grandes pensadores que no século XVI ousou formular uma nova estrutura conceitual, tanto assim que hoje ele é considerado o pai do método indutivo.
Para Bacon, era inútil elaborar sistemas filosóficos pela dedução de verdades eternas a partir de uns poucos axiomas e princípios. Há dois problemas fundamentais com essa abordagem. Esses axiomas e princípios muitas vezes não são neutros ou objetivos, mas são fruto da tradição, do preconceito ou do desejo, a que ele dá o nome de ídolos, dividindo-os em quatro categorias conforme explica Bertrand Russell no trecho que abre este artigo. Apegamo-nos a certas hipóteses porque elas estão estabelecidas há muito tempo e foram elaboradas por aqueles que são considerados como as autoridades intelectuais supremas; porque temos nossas idiossincrasias individuais que nos faz valorizar certas coisas em detrimento de outras; porque desejamos que a realidade seja algo que ela na verdade não é; e porque temos uma tendência a admirarmos palavras rebuscadas que nada mais são do que absurdos verbais que só denotam um pensamento obscuro.
Tais ídolos, não sendo intelectualmente puros, mas ainda assim utilizados para abordar a realidade, acabam deturpando o pensamento, levando-nos a selecionar na experiência aquilo que os confirma e deixando de lado aquilo que os contraria. Daí o método indutivo de Francis Bacon: entender a realidade requer que nós no livremos dessas hipóteses, premissas e teorias mergulhando na experiência e na experimentação, acumulando fatos, analisando-os, comparando-os e classificando-os e em assim fazendo, rejeitando e eliminando uma hipótese atrás da outra. Ao final, chegaremos à essência e à ordem subjacente dos fenômenos e de posse desse conhecimento, dado pelo método científico, remodelaremos o ambiente e o próprio ser humano. “Ipsa scientia potestas est”, nas palavras do autor do Novo Organum, o próprio conhecimento é poder.
Prezados leitores, será que neste momento no Brasil não estamos cultivando um dos ídolos descritos por Francis Bacon, qual seja, o do pensamento positivo? É a isso que Ciro Gomes parece se referir quando adverte, no Twitter citado na abertura deste artigo, sobre a insanidade de repetir a mesma receita fracassada e achar que desta vez a coisa dará certo. Na entrevista que o candidato deu ao programa Roda Viva no último dia 15 de agosto, ele explicou o que ele quis dizer ao citar o físico Albert Einstein.
Se votarmos em Lula ou em Bolsonaro estaremos insistindo na ideia, já sobejamente testada na realidade política brasileira, de que fazer acordos com um amplo espectro de partidos políticos, no chamado presidencialismo de coalizão, só leva ao toma-lá-dá-cá, à corrupção e ao enfraquecimento da Presidência da República. Essas grandes costuras políticas enfraquecem o Executivo Federal porque se baseiam em um mínimo denominador comum e impedem que uma agenda de reformas seja executada para que nós nos livremos da estagnação econômica e o governo entregue resultados à população. O saldo de anos de conchavos é que de 2000 a 2021 o crescimento médio do PIB foi de 2%, de acordo com os dados do IBGE, o que não é suficiente para resolvermos nossas disparidades de renda e aumentarmos o nível de vida da população. Considerando as mudanças cataclísmicas que ocorrerão com a disrupção da ordem mundial estabelecida pelos Estados Unidos desde 1945, a não solução desses problemas tornará nossa vida ainda mais difícil em termos de acharmos nosso lugar ao sol na nova ordem que se estabelecerá neste século XXI.
Apostar em candidatos que adotarão o mesmo modelo de governança baseado em busca de apoios no Congresso a todo custo, sem estratégia nem programa, e achar que dessa vez o resultado será diferente, é cultivar ídolos e fechar os olhos ao teste anterior da hipótese de que o presidencialismo de coalizão funciona. Ao contrário, esse regime tem levado a impeachments recorrentes, à prisão de ex-presidentes e tem condenado o Brasil a seguir tapando buracos sem enfrentar as questões de fundo. Quem sabe um dia possamos nos livrar dos nossos ídolos e seguirmos o caminho traçado por Francis Bacon há quase quinhentos anos? Será que ainda teremos tempo?