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Entre a WIC e Nassau

Posted by on 28/12/2021

“Nassau podia transplantar florestas e árvores frutíferas, mas não as benéficas instituições da sua própria pátria, que são coisas que têm suas raízes na história e nos hábitos e sentimentos daqueles a par de quem foram crescendo e a cujo crescimento se acomodaram.” Sua política não poderia triunfar nem sobre a cultura local, pois a “língua, a religião, os costumes, o caráter e o orgulho nacional dos portugueses eram outros tantos obstáculos, fortes em si mesmos e, na sua união, insuperáveis; nem sobre o caráter mercantil de uma conquista, em que o lucro da Companhia [era] o único fito, a estrela polar de toda a política”. Ao cabo dos seus anos de governo, Nassau já chegara a idêntica conclusão.

Trecho retirado do livro Nassau, escrito pelo historiador Evaldo Cabral de Mello

O endividamento luso-brasileiro avolumava-se desde 1640, pois, confiada na armada do conde da Torre, a gente da terra endividara-se pesadamente, comprando partidas de escravos e mercadorias a preço extorsivos, na expectativa de não ter de pagar. Houve, ademais, a frustração pela safra de 1641-2, além de que o suprimento das expedições contra Angola e o Maranhão havia esgotado os armazéns da Companhia.

Trecho retirado do livro Nassau, escrito pelo historiador Evaldo Cabral de Mello

    Prezados leitores, já tratei anteriormente neste meu humilde espaço das realizações de João Maurício de Nassau-Siegen (1604-1679) à frente do governo do Brasil holandês de 1637 a 1644 no que concerne à urbanização da Ilha de Antônio Vaz, com  a construção da Cidade Maurícia, a Mauritsdat, do Palácio de Vrijburg, a sede do seu governo que incluía parque, jardim botânico e zoológico e da Boa Vista, a casa de recreio; e à exploração científica e artística da flora e fauna brasileiras por aqueles que vieram na comitiva de Nassau, como Willem Piso, Frans Post e Albert Eckhout. Nesta semana, o foco será nas razões que levaram Nassau a ser convidado a se retirar do governo e o que isso revela sobre a colonização holandesa no Brasil, à luz do livro de Evaldo Cabral de Mello.

    Para entender tais razões, é preciso ter em mente que a conquista do Brasil foi um empreendimento da Companhia das Índias Ocidentais, conhecida pelo seu acrônimo na língua batava, WIC, que contrata Nassau para ser o governador, considerando sua experiência militar nos Países Baixos. No aspecto bélico Nassau não os decepcionou, pois o capitão e almirante-general do Brasil holandês expulsa os portugueses de Alagoas, conquista o forte português de São Jorge da Mina, ocupa o Ceará, repele o ataque da armada luso-espanhola, liderada pelo conde da Torre e enviada ao Brasil para restaurar o domínio lusitano no Nordeste, e rechaça o ataque terrestre desencadeado a partir da Bahia contra a colônia da WIC.

    Por outro lado, Nassau tinha uma visão administrativa de longo prazo que levou a desentendimentos com a WIC, cuja ótica era a de uma companhia que queria dar lucros aos seus acionistas. Considerando suas despesas com os funcionários atuando no Brasil, com as guarnições que mantinham o domínio da WIC e com as expedições militares, a WIC insistia em obter receitas de qualquer jeito, o que incluía cobrar dívidas de senhores de engenho os quais, conforme descreve o trecho acima, haviam tomado empréstimos para investir na produção e não tinham a mínima condição de pagamento, tendo em vista os baixos preços do açúcar no mercado internacional e as safras ruins.

    Se para a WIC o empreendimento colonial era uma operação contábil, para Nassau era preciso conquistar o coração e a mente dos luso-brasileiros para que eles não se revoltassem contra o domínio holandês. Isso requeria uma moratória das dívidas, sobre as quais incidiam juros de 3 a 4% ao mês, e o não confisco da propriedade, isto é, das instalações fabris e da escravaria, daqueles que estavam totalmente desprovidos de caixa para amortização dos juros e do principal. Além disso, Nassau considerava que a WIC deveria fazer mais investimentos em termos de suprimento de tropas que pudessem ser usadas para consolidar a conquista e rechaçar as ameaças dos luso-brasileiros contrários à presença batava que se concentravam na Bahia.

    Nenhum dos pedidos de Nassau foi atendido, pois a WIC pretendia realizar seus ativos brasileiros da melhor maneira possível para fazer caixa e dar uma satisfação àqueles que haviam investido na Companhia. O resultado foi que em 1643 Nassau é dispensado do governo do Brasil holandês. Em 1654, depois das duas batalhas de Guararapes em 1648 e 1649, nas quais os holandeses tentaram romper o sítio do Recife realizado pelas tropas de Fernandes Vieira, o que restava do Brasil Holandês capitulou. A perda da sua colônia nos trópicos foi um golpe mortal na WIC, que foi à falência em 1671.

    De certa maneira, a derrocada da WIC provou que Nassau estava certo. A visão mercantilista da empresa não era suficiente para manter a colônia e fazê-la prosperar, era preciso algo a mais que a direção da WIC não estava disposta a oferecer porque seu intuito não era  construir um Brasil holandês, mas basicamente vender escravos a preços altos aos colonos para compensar os investimentos na conquista pela Companhia dos entrepostos africanos e comprar açúcar a preços baixos para revendê-lo nos mercados europeus.

    E nesse sentido, Evaldo Cabral de Mello desmistifica a tese segundo a qual um Brasil holandês teria sido melhor do que um Brasil português, como acabamos sendo, depois dos 24 anos de presença batava no Nordeste do Brasil, desde a foz do Rio São Francisco até o Maranhão. Conforme o primeiro trecho que abre este artigo, as instituições que faziam a pujança dos Países Baixos no século XVII jamais foram transplantadas para o Brasil, a saber: seus órgãos republicanos de governo, como os Estados Gerais; sua monarquia não absolutista, em que a dinastia dos Orange, família da qual os stadtholder, que eram os chefes de Estado, originavam-se, e da qual Nassau fazia parte, não podia fazer o que bem entendesse, pois estava submetida ao controle dos Estados Gerais.

    E sabedor dessa discrepância entre o que era possível na Europa e o que era factível ao sul do Equador, Nassau, ao ser convidado a voltar ao Brasil como governador em 1647, faz exigências inaceitáveis para que fossem recusadas e ele não tivesse que simplesmente dizer a verdade aos dirigentes da WIC. De volta aos trópicos, Nassau encontraria os mesmos problemas que encontrou no seu primeiro período – as diferenças religiosas entre os luso-brasileiros católicos e os batavos calvinistas, a penúria econômica dos fazendeiros descapitalizados e acachapados por dívidas impagáveis – e estaria de mãos atadas da mesma maneira que em grande medida esteve de 1637 a 1644 pois teria que se submeter aos interesses da WIC de tratar o Brasil como uma vaca a ser ordenhada, não um país a ser organizado de acordo com a cultura, os hábitos e a moral do povo que o constituía.

    Prezados leitores, a sorte do Brasil Holandês, de efêmera duração, nos faz refletir sobre se de fato aprendemos, nesses trezentos e sessenta e sete anos que se passaram, a ter uma visão de longo prazo sobre o melhor caminho a trilhar para viabilizar um país e não simplesmente servir interesses contingentes de determinados grupos. O que tem predominado em nossa história? A opção pelo lucro rápido da WIC ou a estratégia nassoviana pela organização gradual de modo a obter a adesão do povo e assim consolidar o que foi construído? Pensem em todos os planos e projetos que já foram idealizados, executados em maior ou menor grau (planos econômicos de combate à inflação, políticas econômicas nacionalistas, programas habitacionais, obras faraônicas, CIEPS, CÉUS) e ao final acabaram sendo destruídos e vocês terão a resposta.

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