Enfim, chega o fim do ano. É tempo de fazermos votos, de termos esperança de que tudo vai melhorar, de que 2011 está prenhe de realizações, saúde, etc. Nós brasileiros somos sempre muito otimistas. De acordo com uma pesquisa da Pew Research Centre, 50% acham que o país está no rumo certo e de acordo com o Data Folha 83% dos brasileiros acreditam que Dilma será tão boa ou melhor que Lula. Será que há bases factuais para termos tanta esperança? Mesmo que consideremos que a Dilma Rousseff provará ser muito mais do que uma presidente-tampão que permitirá a Lula voltar ao poder em 2014, será que podemos crer que haverá grandes realizações em seu governo?
Se analisarmos a composição ministerial, veremos que não houve grandes surpresas, apenas uma reciclagem do que está disponível na praça para atender à base política. Palocci, de volta como o primeiro-ministro, como se o Mensalão não tivesse acontecido; Pedro Novais, afilhado de Sarney, para cuidar do nosso maior produto de exportação, o turismo sexual, em que tirou PhD por suas reiteradas visitas a motéis em São Luis às custas do povo; Fernando Haddad continuando como ministro da Educação por sua grande atuação na aplicação do ENEM e por seu desabrido otimismo em ver que subimos alguns degraus na escala do PISA, o suficiente para sairmos do último lugar: é verdade que ainda estamos no pelotão dos asininos globais, mas o importante é que lenta, gradual e seguramente estamos melhorando nossa educação. Em algumas décadas talvez cheguemos ao nível em que estão os países desenvolvidos hoje, por que não? E o que importa sermos burros e ignorantes se o mundo poderá ter acabado em 50 anos, vítima do aquecimento global?
Não vale a pena se estender sobre a qualidade do saco de gatos que é o ministério, importa reter que esses conchavos são essenciais ao exercício do poder em Brasília, independentemente de o presidente ser bem ou mal intencionado. E são essenciais porque entre outras razões temos um sistema em que o povo não tem cultura política suficiente para votar de maneira responsável e acabamos transformando o Congresso em um antro de grupelhos que defendem interesses específicos, sem nenhuma noção do todo. Há os evangélicos, os ruralistas, os funcionários públicos e outros cujo objetivo é criar dificuldades para vender facilidades. Nossos nobres deputados e senadores só ousam ir contra o Executivo se puderem usar isso como moeda de troca. O toma lá dá cá, tão candidamente enunciado pelo finado Roberto Cardoso Alves na Constituinte de 1988, tem sido responsável pelas grandes votações pós-ditadura: a Constituição de 1988, as emenda propostas por Fernando Henrique para colocar um pouco de ordem nas finanças públicas, a famigerada eleição que ele propôs por puro cabotinismo.
E nessa toada de inspiração franciscana (“é dando que se recebe”) conseguimos superar o pesadelo da hiperinflação e a insegurança que ela trazia. Vendemos as jóias da coroa, conseguimos um dinheirinho, juntamos umas reservas em dólares e assim demos uma paulada na cabeça do dragão da inflação (lembram dessa metáfora, usada e abusada nos tempos da inflação de dois dígitos mensais?). Foi uma boa gambiarra, digna do nosso jeitinho, mas também da nossa cordialidade, da nossa índole pacífica. Sim, porque não resolvemos problema estrutural nenhum: continuamos sem capacidade de investir, com uma infra estrutura literalmente caindo aos pedaços, continuamos sem capacidade de criar produtos inovadores porque nossa criatividade, carente de educação, é incapaz de ir além do nível do gato da TV a cabo, continuamos com uma desigualdade de renda brutal porque além de o Estado abdicar de prover saúde e educação de verdade, não conseguimos ter um desenvolvimento econômico sustentável, mas apenas vôos de galinha, como diria o Carlos Lessa.
A única coisa que fomos capazes de fazer foi engolirmos o sapo boi do Consenso de Washington, digerindo muito mal a tal da liberalização, que para nós se limitou a nos tornarmos receptivos aos capitais internacionais para sustentar a “nóia” da dívida pública sem que tenhamos tido a coragem de admitir que somos viciados em dinheiro podre e de ir atrás da cura, na forma de estabelecer meios para termos nossa própria poupança.
Tais meios incluiriam estabelecer um regime previdenciário mais justo que não criasse uma casta de privilegiados funcionários públicos e os dalit da iniciativa privada, uma reforma tributária que minorasse o problema da sonegação e lixasse os dentes afiados do Leão da receita, uma reforma política que estimulasse os eleitores a votar melhor para formar o Parlamento. Isso como premissas para outras reformas que recuperassem a capacidade do estado de investir de fato no que interessa, e na simplesmente ficar fazendo maquiagens nas contas públicas para ajudar grandes empresas.
Infelizmente nenhuma pessoa que não negue a realidade poderá crer que em 2011 teremos o poder Legislativo e o Executivo unidos nesse esforço de criar as bases de nosso desenvolvimento. Continuaremos seguindo o caminho mais fácil e mais ruinoso: enfocando o crédito em detrimento da produção, tomando medidas paliativas para ir empurrando o problema da dívida pública com a barriga, torcendo fervorosamente para que a China continue a crescer e não ocorra um grande desastre com o euro, torcendo para que os especuladores globais continuem confiando em nossa capacidade de fazê-los felizes, remunerando-os com as mais altas taxas de juro do mundo.
Grandes esperanças. Somos um país que adora sonhar com o Eldorado, com o pré-sal, com as soluções repentinas e rápidas, mas incapaz de lidar com a realidade, de seguir um caminho árduo e prosaico feito de pequenas e continuadas melhoras, conseguidas à custa de trabalho e de perseverança. Perdoem-me se não consigo fazer votos para o Brasil, mas permitam-se desejar que ao menos 2011 seja individualmente para cada leitor do Montblatt um ano melhor do que 2010.