Confesso a vocês, leitores do Montblatt, que tenho uma alma ludita. Tenho uma aversão natural à tecnologia, aversão que me torna incapaz de ler manual de instrução, de fuçar em programas de computador para descobrir novas funcionalidades. Aquilo que eu sei sobre computadores é suficiente para eu não perder meu emprego por flagrante analfabetismo cibernético, mas não é o suficiente para eu me entusiasmar com tecnologia e compartilhar os pressupostos hoje em vigor e aparentemente inquestionáveis.
O mais óbvio deles é o de que tudo o que é novo é necessariamente melhor e qualquer versão mais antiga é como uma praga que deve ser extirpada, tão logo um novo herbicida, isto é, uma atualização, apareça no mercado. No meu trabalho eu uso um programa de tradução que memoriza aquilo que traduzi criando um banco de dados que recupera os segmentos para um novo projeto. Eu trabalho há seis anos com memória de tradução e já tenho um acervo respeitável com mais de 246.000 unidades. Um colega meu, que não chegou aos 30 anos, e claro, é mesmerizado pela tecnologia, vive me pressionando para eu aderir à versão mais novas, apesar do risco de eu perder uma parte do meu banco de dados. Por que eu haverei de arriscar o desaparecimento do patrimônio arduamente acumulado se o programa que eu uso satisfaz minhas necessidades? Na minha modestíssima opinião, devemos trocar o certo pelo duvidoso se a possibilidade de sucesso do incerto for de tal grandeza que valha a pena dar o salto no escuro, caso contrário perder o que se tem por mera idolatria da novidade é bobagem.
Não só bobagem por não ter uma relação custo-benefíco adequada, mas ambientalmente incorreto. Afinal, como garantiremos a sustentabilidade, tão apregoada aos quatro ventos por ONGS, governos, diplomatas desde a Rio 92? Há um mês tentei consertar uma impressora Lexmark que me servia fielmente há 10 anos. Pois bem, ao levá-la à assistência técnica recebi uma sentença de morte. A peça que precisava ser trocada não estava mais disponível em nenhum lugar no planeta Terra. Com dor no coração deixei minha companheira na câmara de gás para ser desmanchada, incinerada ou sei lá mais o que. Minha única saída foi comprar outra impressora, sendo que eu podia ter minha antiga recauchutada e assim impedir um ato de consumo. Como poderemos preservar o meio ambiente se o sistema econômico não leva em conta o impacto ambiental da compra de um novo produto e torna mais barato jogar fora um artigo mais velho do que consertá-lo para que ele dure mais e tenha um aproveitamento que justifique o gás carbônico que foi emitido, as árvores que foram cortadas, as minas que foram exploradas para sua manufatura?
Outro pressuposto amplamente compartilhado diz respeito à nova geração, que é considerada antenada, rápida, já nascendo familiarizada com as novas tecnologias e que ensina aos seus pais embasbacados como usar smart phones, blackberries e I-phones, como tuitar, como criar perfis no facebook e tudo o mais. Quem nunca viu um pai se pavonear das habilidades do filho com os equipamentos eletrônicos? E de fato, não há como negar que os mais jovens mostram uma velocidade impressionante para captar tudo o que é novo, para baixar músicas e joguinhos, para descobrir como funciona um aparelho siumplesmente apertandotodos os botões, usando como nunca dantes o velho método da tentativa e erro. Dizem certos psicólogos até que os que nasceram já com a internet têm maior capacidade cognitiva do que as gerações mais velhas.
Eu, que sou uma incorrigível rabugenta, vejo um lado sinistro nesses jovens imersos na tecnologia, que cultuam o novo pelo novo e estão sempre adaptados à mais nova versão de tudo. A precocidade que eles demonstram muitas vezes revela uma maturação fora do tempo, como um desses cachos de banana que foram colhidos antes do momento certo e que fora da bananeira nunca conseguem chegar ao ponto ideal de textura e sabor. Isso me veio à mente outro dia enquanto eu zapeava a TV e peguei o anúncio de um programa com a Sabrina Sato em que ela era “sabatinada” por crianças de não mais de 10 anos que ficavam ao seu redor fazendo perguntas. Um dos pimpolhos disparou: “Como é que a gente faz para pegar uma mulher gostosa como você?”
Eu, quarentona antiquada, fiquei chocada com a vulgaridade do “pegar” e da “gostosa” especialmente porque brotavam da boca de uma criança que ainda nem havia entrado na adolescência e portanto ainda não tinha testosterona suficiente para começar a sonhar com transar com uma mulher que lhe instigasse o desejo. Sabrina Sato, obviamente mais antenada do que eu com o novo, riu desbragadamente e disse: “Meu Deus, que garotada esperta!” Realmente ouvindo-os falar fica a impressão de que sabem tudo sobre sexo, como abordar uma mulher, como levá-la para a cama. E claro que sabem! Afinal, podem ter acesso a esse conhecimento facilmente em vídeos no You Tube. Para que aulas de educação sexual na escola, e mesmo para que professor, se eu posso num clique ter a informação que quiser baixada diretamente da Wikipedia?
Aliás, convivendo com meus colegas da faculdade, sempre me horrorizo com a maneira prosaica com que homens e mulheres falam de sexo, usando palavras de baixo calão como se tivessem larga experiência na zona do meretrício, como se já tivessem experimentado todas as posições sexuais, todos os modos de proporcionar prazer e ser gratificado. Enfim, todos precoces, espertos, mas a mim me parece que esse acesso fácil a tudo de maneira indiscriminada acaba tirando o encanto e a profundidade da descoberta do conhecimento, da complexidade das relações humanas. Ao final, corremos o risco de nos transformarmos em uma banana que terá sempre um gosto amargo, porque não cumpriu as etapas normais do ciclo da vida, em que a inocência precede a experiência, que leva à decepção, ao conhecimento e às vezes à sabedoria.
Quando penso nisso sinto-me felizarda em ter nascido e me criado antes da explosão de tecnologia do século XXI. Consigo aproveitar o que ela tem de bom, mas sem a precocidade característica danova geração. Falo com os meus melhores amigos pela internet, pois estão geograficamente muito distantes de mim, leio as publicações de que gosto na internet, não fico sem acessar meus e-mails nem um dia do ano, ganho meu dinheiro porque envio arquivos traduzidos para qualquer lugar do mundo e paro por aí. Tenho minha própria escala de valores, conseguida a duras penas tendo grandes expectativas e perdendo ilusões aos poucos, e coloco o computador no seu devido lugar porque sou humana e ele é uma simples ferramenta que atende algumas das minhas necessidades, mas não me diz o que é certo e o que é errado, o que devo ou não devo fazer.Antiquada e reacionária posso ser, mas recuso-me a me transformar em banana eternamente verde por excesso de precocidade.
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