Eu não tenho muita fé no assim chamado “processo democrático”. Deem uma olhada na União Europeia e me digam: vocês realmente acreditam que as pessoas no poder representam a vontade e os interesses das pessoas que supostamente os elegeram? Há exceções, claro, a Suíça é provavelmente um dos países comparativamente mais democráticos, mas a maior parte do que vemos é que as democracias ocidentais são controladas por gangues de oligarcas e burocratas que não têm quase nada em comum com o povo que eles supostamente representam.
Trecho retirado do artigo “Eleições Presidenciais na Rússia: Chata, Úteis e Necessárias?” publicado em 23 de fevereiro por um homem de ascendência russa que mora nos Estados Unidos e escreve sob o pseudônimo de The Saker
Nos últimos dez anos, o Brasil já perdoou R$ 176 bilhões de juros e multas de dívidas em nove programas de parcelamento tributário. O montante equivale a duas vezes o rombo previdenciário no regime próprio dos servidores públicos da União.
Trecho retirado do artigo “Devedores do Refis voltam a dar calote, publicado no jornal O Estado de São Paulo em 25 de fevereiro
Os eleitores que não votaram nem justificaram a ausência na última eleição devem R$ 98.404.457,58 à Justiça Eleitoral. Dos eleitores multados no pleito passado (29 milhões), apenas 3,6% – cerca de 1 milhão – pagaram a multa de R$ 3,51.
Informação publicada em 25 de fevereiro no site de notícias G1
Parthenon, na Acrópole de Atenas, Grécia, berço da democracia ocidental
Prezados leitores, neste ano de eleições seguimos o mesmo ritual que temos seguido desde 1989. Procuramos o candidato da mudança, aquele que capta os sentimentos do povo, seja de indignação contra a corrupção em todas as suas manifestações, expressa por Fernando Collor em 1989, seja o sentimento de alívio pela estabilidade proporcionada pelo controle da inflação, como foi o caso de Fernando Henrique Cardoso em 1998. Ao mesmo tempo, a mudança precisa ser respeitável, de bom tom. Para isso é imprescindível que o homem que vai renovar o cenário político venha acompanhado de um economista que elabore um programa de governo para mostrar ao mercado, isto é, aos que controlam como as políticas são formuladas e executadas, que a tal da mudança é apenas um chamariz eleitoral.
Fernando Collor de Mello teve a xerife Zélia Cardoso de Mello, aquela que foi acusada de receber propina de empresas de ônibus para decretar aumento das passagens interestaduais. Fernando Henrique não precisou desse guarda-costas porque o mercado confiava nele, Lula usou Antonio Palocci para mostrar ao mercado que ele faria os banqueiros felizes. A democracia representativa funciona assim: para manter a pretensão de que a população é soberana em suas escolhas, o candidato precisa ser carismático, isto é, precisa saber falar frases de efeito, tocar a alma do povo identificando-se com os valores dele. O caçador de marajás soube dar vazão à indignação dos brasileiros contra os privilégios de certas categorias do funcionalismo público, que perduram até hoje, como podemos ver nesta celeuma a respeito do auxílio-moradia dado a juízes. Lula, com seu discurso de justiça social, sabe como ninguém explorar o ressentimento dos mais pobres com a falta de oportunidades a que eles historicamente foram relegados. Uma vez mordida a isca fica fácil ao candidato conseguir a adesão cega dos eleitores a um programa econômico que na prática serve determinados grupos.
Digo cega porque essa receita do bolo que será feito uma vez tomado o poder passa despercebida nos debates televisivos para cargos majoritários. Ali não há verdadeiras discussões, que demandariam tempo para esclarecer as premissas fundamentais e assim estabelecer as diferenças e semelhanças de pontos de vista. O tempo é exíguo, não dá para perder preciosos segundos com sutilezas intelectuais, é preciso lançar bordões, normalmente alguma estatística, alguma pesquisa encontrada pelo economista guarda-costas que blinda o candidato contra as desconfianças que o mercado possa ter contra os carismáticos que são os únicos capazes de fazer a população sonhar. Citar números dá sempre credibilidade, mesmo que sejam colocados fora de contexto, ou pior, que nem a fonte seja citada para confirmação posterior. E depois desta citação de praxe dos fatos, vêm claro a parte mais picante para os espectadores, as acusações mútuas. Afinal, quem vota em um candidato por causa do programa econômico? Votamos em um candidato porque ele lava nossa alma, fala aquilo que soa como música aos nossos ouvidos. O programa econômico é um mero detalhe, mesmo porque ele só é executado na parte em que interessa àqueles capazes de exercer pressão de fato sobre os políticos.
No cenário atual, o candidato que parece estar em mais sintonia com o estado de ânimo da população é o Lei e Ordem Jair Bolsonaro, o homem do Exército em um momento em que a segurança pública do Rio de Janeiro está sob o comando do general Walter Souza Braga Netto com a missão de extirpar a corrupção da polícia carioca. E dando mais um passo para se desfazer da imagem de aloprado que defende a ditatura, Bolsonaro tem agora um guarda-costas, Paulo Guedes, que elaborou um programa econômico com ênfase total na privatização. Os eleitores do deputado carioca farão sua escolha em outubro de 2018 com base nas promessas do candidato de que ele vai combater o crime organizado, de que vai botar bandido na cadeia, de que vai acabar com a leniência da justiça com assassinos como Suzane von Richthofen, parricida e matricida a quem foi concedida folga da prisão no Dia dos Pais. Uma leitura superficial das sessões de comentários em sites de notícias mostra-nos que muitos e muitos brasileiros compartilham sua visão de que bandido tem que apodrecer na cadeia.
Pois bem, no frigir dos ovos, se for eleito, Bolsonaro será muito mais eficaz na execução do programa de privatização total do que no cumprimento da promessa de colocar ordem no galinheiro. Afinal, a criminalidade em terras tropicais é um buraco muito fundo, que remonta ao tempo em que éramos colônia e fazia-se o contrabando do pau-brasil ao largo da costa. Ao passo que para privatizar, basta seguir o script que já está aí pronto para ser seguido, que é o que o mercado quer. A privatização é boa para os acionistas que ficam sabendo dela antes de todo mundo, para os intermediários financeiros que viabilizam o financiamento da operação, para os adquirentes que normalmente ficam com a parte boa e deixam as dívidas e responsabilidades passadas com o governo. Já para o público é algo questionável, como exemplifica um artigo publicado no jornal o Estado de São Paulo de 25 de fevereiro, segundo o qual “levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) mostra que as tarifas subiram até 70% acima da inflação, sem que as empresas concluíssem obras obrigatórias, como duplicação de vias”.
Assim funciona a tal da democracia: o eleitor atira naquilo que lhe é mais caro, normalmente aspirações grandiosas de complexa realização prática, como justiça social, paz, ordem, segurança, e acerta no que não enxergou: a letra miúda dos programas econômicos que beneficiam determinados grupos cujos economistas guarda-costas os formulam. O fato de já terem sido lançados no Brasil nove programas de parcelamento de dívida tributária, os chamados REFIS, e que ao longo dos anos eles têm sido usados de má fé pelos devedores só para obter certidão negativa de débito, mostra como a política econômica na prática passa ao largo de tudo aquilo que é discutido com os eleitores. Essas leis do REFIS são aprovadas no Congresso de maneira tão certeira que os devedores param de pagar o acordado no parcelamento esperando que outro REFIS seja lançado. Uma ação entre os amigos congressistas e os amigos empresários. E ainda achamos que o principal problema do Brasil é o PCC ou os Amigos dos Amigos.
Prezados leitores, a democracia precisa ter seus protetores, e estes deveriam ser todos nós, mas estamos cada vez mais indiferentes a ela, como mostra a abstenção verificada em 2016, quando 29 milhões de pessoas não votaram e nem se deram ao trabalho de pagar a multa. Na prática, ela acaba tendo somente os guarda-costas contratados por algum dos grupos que disputam o controle da res publica. Pobres de nós, eleitores-espectadores chamado a comprar ilusões a cada quatro anos para que a farsa seja mantida.