E se a nossa crença na autodeterminação for um mito? E se a eleição de um partido político em vez de outro para controlar o Congresso muda somente as aparências? […] E se o verdadeiro objetivo daqueles que elegemos para o Congresso não é o de ser representantes da autodeterminação ou mesmo preservar nossos direitos fundamentais, mas o de permanecer no poder pela reeleição?
Trecho do artigo intitulado “E se realmente nós não governamos nós mesmos?” publicado em 20 de abril do juiz aposentado americano Andrew Napolitano
A democracia é um ônibus do qual você salta quando ele chega no ponto.
Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, que acaba de conseguir uma ampliação dos seus poderes por meio de um referendo realizado em 16 de abril
Nós tínhamos uma dívida de 239 bilhões em 1979, que hoje está em dois trilhões e 179 bilhões. Nesse entretempo, nós pagamos um trilhão e 400 bilhões de juros. Pedimos emprestado para pagar os juros da dívida. O dinheiro não é investido no desenvolvimento, mas em um sistema de bancos cassinos que mantêm entre si esse esquema.
Trecho de entrevista dada por Jacques Cheminade, candidato a presidente da França em 2017 ao jornal francês “La Voix du Nord”
Prezados leitores, as eleições presidenciais na França realizam-se no dia 23 de abril. Há 11 candidatos e tive a paciência e o interesse de assistir a um programa em que cada um deles teve 15 minutos para responder a perguntas-padrão dos jornalistas e apresentar suas propostas. Ao final tiveram dois minutos e trinta segundos para uma mensagem final. Entre tudo o que foi dito pelos nove homens e duas mulheres, incluindo a necessidade de reformar a União Europeia, o que fazer em relação à guerra na Síria, o que fazer em relação ao desemprego etc., chamou minha atenção uma proposta de um modesto candidato, François Asselineau, do partido União Popular Republicana.
Em suas considerações finais François considerou como tema prioritário que nas eleições os votos em branco sejam considerados como um voto à parte, um voto para um candidato, ou melhor, para um não candidato, e que se os votos brancos forem maioria em um determinado escrutínio que ele seja invalidado e que os candidatos que concorreram sejam proibidos de candidatar-se novamente, afinal, foram claramente rejeitados pelos eleitores. A ideia é que o sistema democrático possibilite que haja escolhas reais, por meio do “recall” das velhas raposas que perdem para os votos brancos. É claro que François não tem a mínima chance de eleger-se, mesmo porque provavelmente nem os franceses o conhecem e ele deve ter tido pouquíssima oportunidade de acesso aos grandes veículos da mídia, pois é considerado um candidato anão, irrelevante.
Eu se fosse francesa votaria nele pelo seu conjunto de propostas, que incluem a saída da França do euro e da OTAN, a volta do franco, e “a retirada da economia, dos serviços públicos e da mídia do domínio do feudalismo privado”, de acordo com seu site na internet. Mas no perfil dele no Wikipedia ele é considerado um adepto de teorias conspiratórias (particularmente a influência da CIA no cenário político europeu), em suma um aloprado, diríamos nós aqui no Brasil, digo nós os grandes veículos como a VEJA quando querem estigmatizar candidatos que apresentam visões alternativas e falam certas verdades. Independentemente dos problemas por que passa a França é salutar que eles tenham um número razoável de candidatos “aloprados” que abordam os assuntos de maneira nova. Entre eles poderia citar também Nathalie Arthaud, do partido “Luta Trabalhadora” que quando questionada sobre o terrorismo teve a coragem de apontar que os países ocidentais, capitaneados pelos Estados Unidos, têm uma grande responsabilidade na criação dos monstros, como o Estado Islâmico, que agora lhes escapa do controle. Além de Jacques Cheminade, do partido “Solidariedade e Progresso”, citado na abertura deste artigo, que propõe uma reforma do sistema financeiro internacional para estimular o investimento na economia física e suprimir a especulação financeira.
No Brasil infelizmente há poucos aloprados, ou melhor, vê-se claramente que aloprados como Levy Fidelix e Everaldo Pereira, candidatos nas últimas eleições presidenciais, querem é marcar presença na mídia sem preocuparem-se com alguma mensagem alternativa sobre a maneira de arranjar as coisas por aqui. A exceção talvez tenha sido Luciana Genro, do PSOL, partido que é uma dissidência do PT. Considerando que enfrentamos muitos dos problemas enfrentados por um país como a França, claro, guardadas as devidas proporções, talvez fosse o caso de nós importamos algumas dessas novas abordagens.
Afinal, quem duvida que nas próximas eleições em 2018 haverá um grande número de votos brancos, nulos e abstenções? Se todos os principais políticos estavam na folha de pagamentos da Odebrecht em quem votar? No Brasil votar em branco ou nulo em eleições majoritárias é votar para o candidato que está em primeiro lugar. Portanto, a proposta de François Asselineau de considerar que o voto branco é uma manifestação válida da opinião do eleitor é pertinente aqui também. Talvez ainda mais pertinente, considerando a quantidade de eleitores que se negam a votar para representantes do Legislativo em nosso país. Será que anulando o escrutínio não obrigaríamos os brasileiros a votar de maneira mais consciente, até porque outras opções lhe seriam oferecidas? Ou será que nós definitivamente não temos uma cultura democrática, e portanto não temos o mínimo interesse em participar da vida política, em discutir, em ter influência sobre as decisões? Será que no fundo para nós a democracia é um instrumento que pode ser jogado fora a qualquer momento, como o presidente da Turquia refere-se à democracia, de maneira depreciativa?
O valor que damos ou não à democracia é uma questão premente, considerando que a a Operação Lava-Jato, com os vazamentos das delações premiadas, com a fogueira das vaidades entre os membros do Ministério Público e do Judiciário, com as revelações escabrosas sobre o valor das propinas e sobre os beneficiários delas, e sobre as prisões realizadas pela Polícia Federal, transformou-se em uma novela mexicana acompanhada pelo povo pelas manchetes nos grandes veículos de mídia. Como sou partidária do grupo dos que creem em conspirações, considero que não é mera coincidência que enquanto ficamos fissurados nos próximos capítulos do drama, nosso Congresso comporta-se tal como o Congresso Americano denunciado por Andrew Napolitano em seu artigo: seus membros atendem interesses especiais, interesses esses que lhes garantem a eleição. No nosso caso específico, a grande questão que precisa ser resolvida urgentemente é a tal da dívida pública (aliás como na França, tão bem apontado por Jacques Cheminade), alguém precisa pagar o pato para que ela possa ser rolada ad infinitum, para que o Estado brasileiro possa ter condições de continuar pagando juros sobre juros. E resolver urgentemente significar passar o rodo em nós trabalhadores que não temos lobistas no Congresso e não conseguimos pagar propinas. Em suma, ao mesmo tempo que achamos que nossa democracia está sendo depurada pela Operação Lava-Jato, ela está novamente sendo sequestrada por interesses que têm voz ativa no Legislativo, mas que não são os interesses da maioria do povo brasileiro.
Qual a solução para nossa cambaleante democracia? Que se vayan todos! É a nossa resposta mais óbvia. Mas quem virá no lugar? Um Erdogan que saltou do ônibus? Tudo depende de quantos capítulos terá a novela mexicana e do seu desfecho. Aguardemos.