No dia 15 de agosto, ocorreu um pequeno evento de que tenho certeza quase ninguém ficou sabendo, mas que em minha modesta opinião é bastante revelador do estado atual das liberdades no mais poderoso país do Ocidente, os Estados Unidos. Brandon Raub, que serviu no Iraque e no Afeganistão, foi preso pelo FBI e mandado para um hospital psiquiátricopor causa de suas opiniões divulgadas no Facebook, esta maravilhosa ferramenta de comunicação que teoricamente protege a confidencialidade dos dados dos seus usuários. Brandon Raub conversava em um chat “privado” a respeito de suas dúvidas sobre a versão oficial dos atentados de 11 de setembro de 2001 e manifestava sua simpatia pelo candidato derrotadoà indicação do Partido Republicano, Ron Paul.
Para quem não sabe, Ron Paul é um velhinho tratado pela mídia americana como um ser lunático que defendeu em sua campanha o fim de todas as intervenções militares dos EUA pelo mundo, o fim do apoio incondicional dos EUA a Israel, e propostas libertárias, isto é, em defesa do Estado mínimo, como o fim da previdência social e do Federal Reserve, considerado por Ron Paul como o grande responsável pela completa degradação da moeda americana. Degradação esta ainda não foi percebida pelo mundo pela infindável capacidade do Federal Reserve de malabarismos financeiros, que têm permitidoao órgão encontrar compradores para os Treasury bonds americanos, a despeito do déficit público monstruoso, que está ao redor de um trilhão e trezentos bilhões.
Não me interessa aqui discutir se o Ron Paul é um republicano insensível ou se acreditar que há muitas coisas não reveladas sobreo 11 de setembro é o mesmo que acreditar que Elvis não morreu. O meu ponto é que no país que adora dar lições de moral sobre liberdade de expressão para todos os países, especialmente aqueles que contrariam seus interesses, as pessoas que ousam externar opiniões consideradas subversivas são perseguidas e amordaçadas. Felizmente, a mãe do ex-mariner acionou logo um advogado, que conseguiu convencer o juiz que não havia motivo palpável para ele ser internado num hospital psiquiátrico. John Whitehead, o advogado, disse em entrevista que há atualmente mais de 20.000 pessoas no Estado da Virgínia, onde ocorreu o incidente, que foram internadas à força, sem acusação formal de crime. Leitores do Montblatt, para mais informações queiram, por favor consultar o seguinte sitehttp://libertycrier.com/u-s-constitution/rutherford-institute-attorneys-to-file-civil-lawsuit-over-wrongful-arrest-detention-in-psych-ward-of-marine-brandon-raub-because-of-facebook-posts/
Realmente é algo inacreditável. Tratar pessoas como loucas é uma típica ferramenta detrabalho de ditaduras e regimes totalitários. Um caso de que eu me lembro é o de Mussolini que enfurnou sua ex-amante em um hospício, porque sua existência e a de um filho, que foi colocado em outra “casa de repouso”, manchavam sua imagem de homem de família. Os dois mofaram “em tratamento” até morrer. Por outro lado, tal tipo de arbitrariedade não é de se espantar em vista dos poderes cada vez maiores com que está sendo investido o Poder Executivo federal dos Estados Unidosa cada ano. Em 31 de dezembro de 2011 o “Presidente da Paz” Barack Obama assinou o National Defense Authorization Act, que tem como um de seus mais polêmicos dispositivos a possibilidade de detenção por tempo indefinido, sem julgamento, de pessoas acusadas de terrorismo que atentem contra a segurança nacional, inclusivo por membros das Forças Armadas. A novidade está no fato de que as pessoas incluem não só defensores da Al-Qaeda ou do Taliban, mas também cidadãos americanos em solo americano.
Na prática, isso significa o fim do habeas corpus e do devido processo legal se o Poder Executivo,e só ele, considerar que o indivíduo está realizando atividades subversivas. Conceito propositalmente vago, que pode incluir tanto barbudos muçulmanos que explodem bombas quanto loiros da Virgínia que manifestam opiniões considerada extremistas nas redes sociais, as quais na verdade acabam sendo usadas como mecanismo de controle do cidadão pelo governo.
Mas há pessoas de bem, intelectuais bem pensantes que ainda consideram que os Estados Unidos é um paradigma da liberdade de expressão e que qualquer acusação de que o Tio Sam está perseguindo alguém por suas opiniões é leviana e arrogante. Uma dessas pessoas é o Mario Vargas Llosa, de quem li um artigo no jornal O Estado de São Paulo, espinafrando o Julian Assange. Para o peruano a acusação de Julian, feita da sacada da Embaixada do Equador onde ele está refugiado, de que o governo americano está querendo amordaçá-lo é uma piada de um homem vaidoso, uma mera celebridade vulgar, como tantas outras por aí. Para Llosa, tal intenção malévola seria uma impossibilidade lógica, afinal países como os Estados Unidos e a Inglaterra são os principais defensores das liberdades fundamentais frente às “satrapias” orientais.
Não estou aqui a dizer que os países muçulmanos, a China ou a Rússia sejam modelos de livre manifestação da opinião. Pelo contrário, considero que os cidadãos globaisde hoje têm cada vez menos capacidade e oportunidade de exercitar sua capacidade crítica, ameaçada por todos os lados por governos despóticos, mídias sociais que enfatizam a fofoca, a maledicência da turba, e uma quantidade infinita de informações que confudem antes de explicar. Por outro lado, considero que imunizar os países centrais do Ocidente contra qualquer tipo de ressalva a respeito daquilo que seus habitantes na prática podem e não podem dizer acaba servindo os interesses dos grupos que estão no poder e que precisam que tudo fique no lusco fusco porque têm muito a esconder.O objetivo de intelectuais como Mário Vargas Llosa, que ressaltam as virtudes ocidentais para melhor combater os vícios dos países que em pleno século XXI não adotaram um mínimo de valores liberais, acaba lhes obscurecendo a visão sobre o real estado de coisas no Ocidente.
Por isso, em vez de optarmos por um duvidoso “menos pior”, acho que deve ser um compromisso das pessoas que consideram que o preço da liberdade é a eterna vigilância de ficarem atentas ao que os ditos modelos de democracia têm feito em nome do combate ao terrorismo. Tomando de empréstimo o lema dos nossos inconfidentes mineiros: “liberdade, ainda que tardia.”