Então a pergunta é: por que esta teoria econômica porcaria continua a vigorar por décadas a fio? A razão é porque os empréstimos são feitos à Grécia precisamente porque a Grécia não pode pagar. Quando um país não consegue pagar as regras do FMI e da UE e os banqueiros alemães por trás deles dizem: não se preocupe, nós vamos insistir que vocês vendam os bens públicos. Vendas as terras, o transporte público, os portos, as instalações elétricas. Esse é um programa que tem sido executado há décadas.
Trecho do artigo intitulado “Maus Credores fazem maus empréstimos” da entrevista dada pelo economista Michael Hudson a Sharmini Peries em 17 de fevereiro
Os investidores privados estão vendendo seus títulos da dívida pública de Portugal e da Itália para o Banco Central Europeu com lucro e investem os ganhos em fundos mútuos na Alemanha e em Luxemburgo. “O que isso mostra basicamente é que a união monetária está desintegrando-se lentamente a despeito do enorme esforço de Mario Draghi, ” afirma um ex-presidente do BCE. Só o Banca d’Italia deve agora 364 bilhões de euros ao BCE e as cifras continuam a aumentar.
Trecho retirado do artigo intitulado “Dívidas impagáveis e uma crise financeira existencial da EU – a derrocada do euro agora é inevitável? Do jornalista econômico inglês Ambrose Evans-Pritchard publicado em 23 de fevereiro
Prezados leitores, no próximo verão a Grécia precisa fazer um pagamento de 10 bilhões e meio de euros, mas como não consegue sair da estagnação econômica não terá dinheiro e precisará de uma outra parte do pacote de ajuda financeira de 86 bilhões de euros que lhe foi oferecido pela troika europeia. Vai utilizar esse outro naco para pagar juros da sua monstruosa dívida. Em suma, essa tal de ajuda não é para o povo grego recuperar-se, para investimentos na economia grega que gerem empregos e criem um novo ciclo de crescimento, do qual a população precisa desesperadamente. É para pagar os juros da dívida. O país está em um beco sem saída: quanto mais recebe ajuda para honrar seus compromissos financeiros internacionais mais números negativos acumula: de acordo com os dados da CIA, em 2014 o país cresceu 0,7%. Em 2015 a economia encolheu 0,2% em 2016 o crescimento foi de 0,1%, o que não é nada. A taxa de desemprego foi de 25% em 2016.
Menciono a Grécia mais uma vez neste meu humilde espaço porque houve Jogos Olímpicos lá em 2004, como aqui em 2016 e lá, depois de mais de dez anos os gregos referem-se aos elefantes-branco das Olímpiadas como as novas ruínas da Grécia. As arquibancadas enferrujadas, os assentos arrancados, o mato na areia onde foram disputados os jogos do vôlei de praia, as piscinas cheias de lodo e lixo, o teto do Estádio Olímpico que está ponto de cair são contrapostos pela população desencantada às gloriosas ruínas da Antiguidade, esteio da indústria de serviços que responde por 72% do PIB do país. É claro que seria tolice atribuir todas as trapalhadas feitas nas finanças pública da Grécia à realização dos Jogos Olímpicos, mas essa falta de legado, representada por instalações que custaram nove bilhões de euros e que em grande parte hoje estão se deteriorando, serve de símbolo dos erros na escolha das prioridades governamentais.
Será que o Rio de Janeiro e por extensão o Brasil, já que a falência do governo carioca será custeada em última análise por todos nós brasileiros, seguirá a mesma trilha dos gregos? Será que a Cidade Maravilhosa ficará como Atenas povoada de esqueletos olímpicos e ficará por décadas a fio arcando com uma dívida monstruosa? Pior, será que essa vulnerabilidade financeira fará com que nós brasileiros fiquemos inapelavelmente nas mãos dos banqueiros e tenhamos que vender todas as joias da coroa pública? Na semana passada a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) para aliviar a situação fiscal do Estado. A CEDAE presta um serviço público, cuja importância não precisa ser descrita.
É verdade que ao menos os nobres deputados garantiram uma tarifa social para a população de baixa renda. No entanto, será que a população fluminense não tem motivos para preocupar-se com tal transferência para a iniciativa privada, considerando que a própria Agência Nacional de Água já admitiu em um workshop realizado em março de 2015 que o Sudeste vive escassez hídrica? O que acontecerá quando passarmos por um novo período de falta de chuvas, como ocorreu em 2014, e for necessário tomar decisões sobre a prioridade de acesso à água? Qual será o critério que uma empresa privada utilizará para oferecer um bem escasso e essencial ao mercado? A ANA conseguirá garantir que haja um equilíbrio entre o objetivo de lucro do novo proprietário da CEDAE e as necessidades de uma população sedenta? Ou no final das contas nós contribuintes seremos chamados a garantir os lucros do novo dono e o acesso à água por quem precisa? Veremos daqui a alguns anos.
Ser um devedor crônico que precisa rolar sua dívida constantemente e precisa fazer concessões cada vez maiores em proporção ao aumento exponencial do passivo traz essas consequências. Nossa imprensa, assim como não nos alerta sobre os riscos de ficarmos nas mãos dos credores da dívida pública brasileira, não nos informa sobre a real situação da União Europeia, que na prática transformou-se num grande cassino. Atualmente os investidores privados estão com medo de quebradeira nos países do Clube Med, Portugal, Espanha, Itália, França além da Grécia. O spread entre os títulos da dívida pública da Alemanha e dos países do Clube Med está cada vez mais alto, de acordo com o artigo citado no início deste artigo, o que significa que fica cada vez mais caro para os meridionais rolarem suas dívidas.
Claro que eles sempre conseguirão tomar emprestado, afinal os banqueiros estão aí para isso, mas será preciso penhorar e vender cada vez mais bens públicos, o que inclui o bem-estar econômico da população. Os investidores, que lucram investindo em papéis de risco emitidos pelos países à beira da insolvência e repassando-os ao Banco Central Europeu quando querem realizar lucros, empurram a conta em última análise para os contribuintes. Estes são chamados a arcar com as medidas de austeridade (aumento de impostos, diminuição de benefícios sociais, aumento do desemprego) impostas aos governos pelas autoridades monetárias da União Europeia para garantir que haja um fluxo aceitável de pagamento de juros da dívida pública.
Em tal cenário, não é de admirar que estejam surgindo políticos que a imprensa chama pejorativamente de populistas, como Beppe Grillo na Itália e Marine Le Pen na França. Os populistas são aqueles que, empurrados pelos votos que conquistam nas urnas, conseguem incluir na agenda política assuntos que são motivo de preocupação da população em geral, mas são deliberadamente ignorados pelas elites porque tratá-los não lhes serve os interesses. Os sacrifícios a que a população do sul da Europa está sendo submetida para manter o euro é um desses assuntos tabu. Até que ponto as pessoas tolerarão ver seus bens mais preciosos sendo dados aos credores?
Eu, como brasileira que desde a década de 80 vi o Brasil render-se de uma maneira ou de outra aos credores da dívida, e entregar as joias da Coroa, só digo uma coisa aos portugueses, espanhóis, gregos, italianos e franceses: bem-vindos ao clube dos sacrificados!