Não há como deixar de falar das Olimpíadas que se desenrolam em Londres. Não vou aqui tentar explicar o porquê de o Diego Hypolito ter “amarelado” pela segunda vez, o porquê de o César Cielo ter se cansado tanto e o Michael Phelps não se cansar nunca e estar sempre abocanhando uma medalha, o porquê de as atuais campeãs olímpicas de volêi terem tido um desempenho decepcionante, blá, blá,blá. Deixo isso para os palpiteiros, que têm explicações para tudo na ponta da língua e para os psicólogos do esporte, que são igualmente palpiteiros, mas têm uma aura de autoridade científica. O que me interessa étirar algumaslições para nós brasileiros, ou melhor antever alguns problemas, já que não espero que nossa gestão do negócio das Olimpíadas vá ser melhor.
Digo negócio porque essa história de espírito de congraçamento, de solidariedade é obviamente pura balela. Os Jogos Olímpicos são a versão moderna das lutas de gladiadores, entretenimento para as massas que obtêm alguma satisfação pessoal em ver a equipe ou o indivíduo do seu país ganhar medalhas e derrotar outros países.Isso fica claro quando levamos em conta que as pessoas torcem e assistem a disputas esportivas que normalmente não acompanham. A maioria dos espectadores é formada de pessoas que não apreciam a beleza do esporte em si mesmo, mas como um meio de conseguir uma vitória ou derrota.
Essa fissura das massas por ver sangue na arena precisa ser alimentada para que o show possa continuar. Se na arena romana era preciso colocar animais selvagens de locais exóticos, simular batalhas navais, hoje é preciso haver uma constante quebra de recordes para manter a plebe colada na televisão. Ora como se faz isso, considerando que a evolução genética do homem é lenta demais em comparação à instantaneidade da transmissão via satélite? Ora, todos sabem, a resposta é ululantemente óbvia: dar uma ajudinha artificial, na forma do doping. Alguns dirão que até agora ninguém foi pego e que os controles prévios e as ameaças de sanção estão sendo eficazes. Provavelmente, ao menos as substâncias que melhoram o desempenho estão sendo ministradas de maneira mais sutil, assim mantemos as aparências para que o Barão de Cubertin não se revire no caixão…
De qualquer forma, o segredo de qualquer negócio é a contante inovação.O negócio das Olimpíadas cria novos produtos, ou pelo menos os recicla a cada quatro anos e neste ano as atrações incluem: o nadador prodígio ganhador de 17 medalhas (o nome todo mundo já sabe), a menina que venceu o trauma do abuso sexual e tornou-se campeã olímpica (Kayla Harrison no judô que derrotou a brasileira), a primeira negra a ser a melhor na ginástica, tradicional reduto de brancos privilegiados (Gabby Douglas), e por aí vai.
Um negócio bem azeitado sem dúvida. Mas será que as Olimpíadas mostram o melhor do capitalismo?. Empredendedores se arriscando e criando para obter lucro? Infelizmente, os Jogos quase sempre mostram a pior face do nosso sistema econômico: aquela em que osvirtuosos homens de negócio entram com o “corpinho sarado” e os contribuintes entram com o dindin, construindo a infraestrutura. Os Jogos de Londres, que se desenrolam no país que foi o berço do capitalismo tal como o conhecemos hoje, é o exemplo típico. Orçado inicialmente em 2,4 bilhões de libras esterlinas, passou em 2007 para 2,7 bilhões. Em abril deste ano o comitê de contas públicas do parlamento britânico revelou que os custos estavam em torno de 11 bilhões, enquanto as más línguas colocaram am cifra em 24 bilhões de libras esterlinas. Meu bolso treme quando eu penso no superfaturamento que vai ocorrer no Brasil e no mico que será deixado para nós contribuintes. Sim, porque em Londres a participação da iniciativa privada foi de menos de 2% do que foi gasto. A vila olímpica seriaconstruída por uma empresa australiana, Lend Lease, mas com a crise imobiliária de 2008 ela saltou fora e o Estado teve que arcar com tudo.
No caso do Reino Unido, esse tudo incluiu até despachar soldados para cumprir a importante tarefa cívica de ocupar estádios vazios. Ora, se Londres, que está a um pulo da Europa Continental, não consegue atrair espectadores, mesmo com o Reino Unido sendo o terceiro país mais admirado no mundo de acordo com o Anholt-GfK Roper Nation Brands Index,que dirá o Brasil, que ocupa a vigésima posição em um univeros pesquisado de 50 nações? Corremos o risco de termos que convocar não só o Exército oficial, mas o paralelo, formado pelo Comando Vermelho, O Primeiro Comando daCapital, as milícias etc e tal.
Bem, para não dizer que sou totalmente pessimista, acho que uma coisa poderemos fazer melhor: a cerimônia de abertura. Aquela história condensada do Reino Unido, que jogou no lixo pelo menos 1000 anos de história e partiu da Revolução Industrial, não precisa ser repetida aqui: afinal, temos apenas um pouco mais de 500 anos, e portanto poderemos ser mais fiéis aos fatos sem cansar os espectadores, para cuja maioria o passado é apenas o que já passou e portanto já deletado. A cara catatônica da Rainha durante a cerimônia, que mal escondia seu desgosto com a música pop, o paraquedas, e toda aquela parafernália pirotécnica,traduz o estado de espírito de uma rabugenta como eu que acha que a Copa e os Jogos Olímpicos serão a maior furada em que o Brasil terá se metido, mil vezes pior que Brasília, Angra I ou a Transamazônica.Caros leitores do Montblatt, torçam para que possam daqui a quatro anos me fazer morder a língua por todo o meu catastrofismo, e que os Jogos do Rio de Janeiro sejam uma oportunidade de edificação moral, cultural e econômica como os de Londres não tem sido.