Elso Pozzobon, vice-presidente da Associação dos Produtores de Milho e Soja do Mato Grosso, diz que a agricultura “vai ajudar a economia a sair da letargia.” Para Silveira, o agronegócio evita outro ano recessivo no País. Porém, pelo fato de ter cadeia curtas de produção e empregar pouco, o setor não pode trazer de volta o crescimento: “Essa função ainda é da indústria.”
Trecho retirado do artigo intitulado “Agronegócio dribla inflação, tem safra recorde e injeta até R$ 237 bi no País, publicado no jornal O Estado de São Paulo de 29 de janeiro
Crise faz dobrar procura pelo serviço militar entre jovens que se alistam em SP
Título de artigo publicado no mesmo jornal sobre a estratégia usada por jovens brasileiros para escapar do desemprego
Um país industrializado beneficiar-se-á se um parceiro comercial subdesenvolvido adquirir novas indústrias e melhorar de maneira geral sua produtividade. Continuará a beneficiar-se até que aquele parceiro tenha atingido um nível de desenvolvimento que lhe permita desempenhar um papel mais significativo no mercado global. Depois desse ponto, a aquisição de indústrias pelo parceiro recém-desenvolvido torna-se prejudicial ao país mais industrializado. […] é importante perceber que no mundo de hoje os interesses de uma empresa e do seu país de origem em termos de localização das unidades de produção pode apresentar grandes divergências.
Trecho retirado do livro “Global Trade and Conflicting National Interests” de Ralph E. Gomory e William J. Baumol
Prezados leitores, tive um choque esta semana quando me foi informado que terei que trabalhar na segunda, na terça e na quarta-feira de Carnaval. Isso nunca havia me acontecido antes na empresa na qual trabalho há exatos 10 anos. Os dias de folia são um patrimônio imaterial do Brasil, afinal fomos nós que levamos a festa herdada da Europa ao paroxismo, com os blocos carnavalescos, os desfiles das escolas de samba, a dança desabrida nas ruas, as sátiras políticas. O Carnaval também é patrimônio da Igreja Católica, marcando o início da Quaresma de preparação para a comemoração da Páscoa. Lembro-me dos folguedos que presenciei em Lucerna, na Suíça. Fiquei maravilhada com a estranheza de tudo: as roupas de inverno pesadíssimas, mas não menos coloridas do que as nossas, que me informaram serem inspiradas nos trajes do exército que lutou contra a invasão napoleônica, as músicas tocadas nos bumbos, que eu associei a algo como o heavy metal, o desfile ordeiro pelas ruas da cidade, onde as pessoas dão vazão a suas paixões sempre dentro de certos limites estritamente seguidos. Enfim, onde há catolicismo há Carnaval, que se adapta à índole do povo.
Do ponto de vista estritamente jurídico, o feriado só existe mesmo na terça-feira em alguns Estados brasileiros, não todos. Portanto, a empresa que faz os funcionários trabalharem no Estado de São Paulo não comete nenhuma ilegalidade, já que aqui nossa Assembleia Legislativa nunca teve a caridade de aprovar uma lei instituindo a terça-feira como dia obrigatório de ócio remunerado. O que não significa que ela não seja culpada de uma tremenda mesquinharia. Dar a nós trabalhadores a alegria de folgar quatro dias por liberalidade é algo por que trabalhamos o ano todo. E no entanto, neste ano de 2017 minha empresa decidiu economizar dinheiro, obrigando-nos a queimar banco de horas se quisermos desfrutar da festa. Por que será? Desconfio que o fato de o Brasil estar com 12 milhões de desempregados no final de 2016 dá um estímulo aos patrões para folgarem conosco, serem mais rígidos e lembrarem-nos que para os descontentes com o trabalho em pleno momento em que o país todo cai na diversão a “porta é a serventia da casa”.
O Brasil está realmente em uma sinuca de bico. O único setor em que temos vantagem competitiva no mundo global é o agronegócio, mas a agricultura de exportação que é a menina dos olhos da economia, que bate recordes de produtividade e que gera know-how de cultivo exportados para outros países tropicais não gera empregos. Os empresários do setor, donos de vastas extensões de terra, quando acumulam renda compram uma colheitadeira de um milhão e meio de reais operada por um único indivíduo dentro de uma cabine com ar-condicionado. Para que a agricultura gerasse empregos teríamos que investir em agricultura familiar, mas seria preciso dar apoio técnico e financeiro para que o pequeno negócio fosse viável e gerasse renda. Como disse Pozzobon, a boa e velha indústria ainda é o método mais eficiente de gerar empregos por causa dos vários elos das cadeias de produção. Para fabricar uma singela boneca preciso de plástico, tinta, pano, maquinário, os quais são fornecidos por outras indústrias, gerando um círculo virtuoso. Mas como já estamos carecas de saber, nossa indústria foi atingida seriamente pela concorrência chinesa e em certos setores certamente foi ferida de morte. Criança, eu brinquei com Susis fabricadas pela Estrela, andei de bicicleta Cecizinha Caloi da qual ainda lembro as meigas flores pintadas no cano e ouvi meus discos da Mônica e do Cascão em uma vitrola Phillips made in Brazil. Tudo isso virou poeira, como provavelmente dirá Ivete Sangalo em algum trio elétrico em Salvador. O que fazer?
Os jovens brasileiros de 14 a 24 anos, cujo desemprego atinge 27,7%, ante a taxa total de 11,8% de acordo com os dados do IPEA, têm se virado como podem. Tentar entrar no Exército, Marinha ou Aeronáutica é uma tendência recente, infelizmente restrita aos privilegiados que conseguem obter as restritas vagas. Não será surpreendente se houver um recrudescimento do interesse no sacerdócio católico, evangélico ou de outra denominação religiosa, que oferece a estabilidade tão almejada em tempos em que tudo o que é sólido desmancha-se no ar. Será que quando voltarmos a registrar taxas positivas de crescimento conseguiremos criar vagas em número suficiente para compensar aquelas que foram perdidas? Especialistas da consultoria Tendências e GO Associados preveem que só em 2021 “o Brasil deverá recuperar o nível de estoque de empregos formais do final de 2014, quando o país vivia uma situação considerada de quase pleno emprego”. Mas isso é só uma projeção que para ser concretizada depende de uma conjunção de vários fatores.
No livro sobre comércio internacional citado no início deste artigo os autores argumentam que para um país gerar emprego e renda no mundo global é preciso investir em pesquisa básica, infraestrutura, é preciso ajuda governamental, e de modo geral um inconformismo com um certo papel na ordem mundial. Para Golmory e Baumol o comércio internacional não é nada daquilo que nos pintam: um mundo harmonioso em que quanto mais os países se abrem para os produtos de outros países mais todos ganham. Eles descrevem um quadro mais sombrio, da lei do mais forte, em que em muitos casos para que alguns ganhem outros têm que perder. É claro que há situações perfeitas em que a economia de um país é complementar à de outros, como ocorre com aqueles especializados em alguns produtos agrícolas que vendem sua produção a países industrializados. Por outro lado, a trajetória de um país como a China, que começou produzindo quinquilharias e foi subindo degraus até tornar-se a usina do mundo, mostra que se de início um país como os Estados Unidos beneficiou-se do crescimento econômico no Império do Meio fornecendo-lhe capital, know-how e acesso a mercados, no século 21 está claro que a China aprendeu muitos truques e agora é capaz de disputar posições nos mesmos mercados que o Tio Sam. Terceirizar a produção de I-phones para a Foxconn pode ser lucrativo para a Apple, mas já passou-se o ponto de equilíbrio da complementaridade da economia dos dois países: a renda e o emprego gerados na China são muito maiores do que o emprego e a renda gerados nos Estados Unidos, como mostram os índices reais de desemprego na “América”, que está acima de 23% de acordo com o advogado e ativista político Michael Snyder, apesar dos lucros fabulosos da dona da maçãzinha comida e de outras empresas que beneficiam-se da globalização.
Talvez o maior defeito do facínora eleito presidente dos Estados Unidos seja que ele vê a realidade como ela é nua e crua, sem os mitos vendidos pelos ideólogos da ordem vigente: o mundo global faz perdedores e vencedores, empregados e desempregados, e nem tudo o que é bom para as multinacionais, incluindo acordos multilaterais de comércio que as blindam contra leis e regulamentos locais, é bom para o país de origem da multinacional. Os deploráveis americanos que ainda têm direito de votar reagiram contra a drástica diminuição da possibilidade de viver uma vida de classe média sustentada por sólidos empregos na indústria e resolveram lutar para não serem jogados na lata de lixo da História.
A unanimidade contra Trump mostra que as verdades que ele fala ferem muitos interesses há tempos consolidados que se escamoteiam em discursos anódinos sobre tolerância e liberdade para angariar a simpatia dos inocentes úteis. A sinuca de bico da disputa por empregos é vivida por todos no século XXI e cada país tentará sair dela a sua maneira, seja rendendo-se à ordem global ou resistindo a ela. Quem vencerá? Alia jacta est.