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Alvíssaras

Posted by on 02/01/2017

‘aquele país lindo […] que não tem similar sob o céu’

Escrito por João Mauricio de Nassau-Siegen, governador do Brasil holandês (1604-1679)

É inegável, porém, que, além de habilitá-lo a concluir a Mauritshuis, o Brasil abria a Nassau um campo promissor às suas ambições de avanço profissional, até então sofreadas pela lentidão da carreira militar

Trecho da biografia de Nassau escrita pelo historiador brasileiro Evaldo Cabral de Mello

A fotografia pode não ter sido uma invenção brasileira -a despeito dos protestos de Hércule Florence, um imigrante francês, de que havia descoberto o método de Daguerre de maneira independente anos antes que ficasse conhecido no mundo – mas ela amadureceu no país, que conquistou sua independência somente em 1822.

Trecho de artigo de David Gelber, tesoureiro da sociedade sediada em Londres Denominada Society of Court Studies, sobre o desenvolvimento da fotografia no Brasil, estimulada pelo imperador Dom Pedro II

A cultura é um fenômeno do dia-a-dia que determina como as economias e os estados, os governantes e os governados veem o mundo, exercem o poder e são forçados a submeterem-se.

Trecho do artigo “Falsos Profetas e Falsas Notícias”, publicado em 31 de dezembro de 2016 pelo sociólogo James Petras

    Prezados leitores, aparentemente começamos o ano com o pé esquerdo, com rebelião de presos no Estado do Amazonas, já cognominada de Carandiru 2, devido ao alto número de mortos. Com certeza essa notícia ocupará algumas linhas de jornais na Europa e confirmará a ideia de que o Brasil e um país irremediavelmente violento. Permitam-se apresentar-lhes exemplos de narrativas recentes na imprensa mundial que longe de reforçarem os nossos eternos defeitos, mostram coisas das quais devemos orgulhar-nos.

    U motivo obvio de regozijo nacional não pode deixar de ser nossa natureza tropical luxuriante. Para quem ainda não sabe, em setembro de 2016 foram descobertos no arquivo Noord-Hollands na cidade de Haarlem 34 desenhos realizados por Frans Post (1612-1680), que partiu para o Brasil em outubro de 1636 para integrar a missão organizada por João Maurício de Nassau composta de 46 cientistas, intelectuais e artistas, quando da vinda do então conde para o Nordeste, recém-ocupado pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. Frans Post fora indicado por seu irmão, Pieter Post, que havia projetado o palácio de João Maurício na Haia, o Mauritshuis. Não podemos negar que essa missão artística trazida por Nassau não era composta por luminares europeus, já que ou estes não estariam dispostos a fazer uma viagem tão longa e cheia de riscos ou exigiriam salários altíssimos. Frans Post era obscuro, mas quando voltou à Europa com o já ex-governador geral Nassau em 1644 aproveitou esses desenhos para pintar quadros que retratavam o Brasil.

    Essa relação entre a atividade de Post no Brasil e seu posterior trabalho artístico na Europa é mostrada na exposição denominada Frans Post: Animais no Brasil atualmente em cartaz no Rijksmuseum, em Amsterdã até 8 de janeiro, tendo iniciado em 7 de outubro. Para quem como eu não terá a oportunidade de visitar a Holanda, resta o consolo de que um livro sobre os desenhos de Frans Post no Brasil foi preparado por Alexander de Bruin. De qualquer forma, seja ao vivo, seja por meio do papel, para nós brasileiros é interessante saber o quanto sua estadia aqui determinou todo seu percurso profissional, pois de acordo com David Gelber, que escreveu um artigo sobre essa exposição publicado em novembro de 2016, Post passou os seus “36 anos restantes recreando em larga escala esse mundo exótico para um público holandês curioso.”

    Não foi só para um obscuro pintor que o Brasil foi um divisor de águas. Para o próprio João Mauricio de Nassau sua passagem pelo Brasil de 1637 a 1644 foi o ponto alto da sua vida. De acordo com o perfil dele elaborado por Evaldo Cabral de Mello edificou palácios (Vrijburg, Boa Vista e La Fontaine), parques, pontes, urbanizou Recife, revitalizou a economia açucareira, estendeu o domínio holandês do rio São Francisco, na Bahia, até o Maranhão, e do outro lado do Atlântico, a Angola e São Tomé. Sua capacidade militar e administrativa foi reconhecida tempos depois em 1653 quando o Imperador Ferdinando II lhe fez Príncipe. Não é encorajador saber que para aquilo a que se propusera o governador geral, isto é fazer a colônia em Pernambuco gerar lucros para a metrópole holandesa, Nassau governou de maneira eficiente no Brasil e até deixou um legado material que perdura em pleno século XXI, como a exposição em um dos principais museus do mundo mostra?

    De maneira análoga, tivemos um outro governante que deixou uma marca que o mundo aproveitou. Independentemente de D. Pedro II ter somente de maneira tardia abolido a escravidão no Brasil, nosso segundo imperador fez muito para que a fotografia florescesse de acordo com o artigo supracitado. Já em 1842 eram organizadas exposições de fotos na Academia Imperial de Belas Artes e em 1851 Pedro II nomeou o francês Abraham-Louis Buvelot como fotógrafo da corte, dois anos antes de a rainha Vitória criar um cargo equivalente.

    Um retrato em 180 graus da cidade do Rio de Janeiro do carioca Marc Ferrez ganhou a medalha de ouro na Exposição do Centenário dos Estados Unidos realizada em 1876 na Filadélfia. Um ano antes, em 1875, Ferrez acompanhara uma missão da Comissão Geológica e Geográfica do Império para registrar a flora, a fauna e a topografia da Bahia. Na década de 1880, ele fotografou tribos indígenas em Goiás e Mato Grosso. Em suma, o entusiasmo do nosso imperador por essa nova tecnologia permitiu seu aprimoramento em terras brasileiras, estimulando seu uso para aumentar nosso conhecimento sobre nosso povo e nossa terra. Assim, nem só de flora e fauna tropicais vivemos nós, brasileiros, no século XIX fomos capazes de abraçar uma novidade técnica e fazer-lhe contribuições, como as vistas panorâmicas de Ferrez, que não só mostraram o Brasil ao mundo como o Brasil aos seus próprios habitantes.

    Prezados leitores, é uma grande tentação termos uma visão anacrônica dos acontecimentos, isto é, olharmos o passado com os valores do presente. Os feitos de Nassau são relevados por nossos historiadores (pelo menos aqueles que estudei em minha época de colégio) porque ele manteve a monocultura açucareira no Nordeste, que fazia a riqueza dos maiores distribuidores do produto brasileiro na Europa, os holandeses. Dom Pedro II é visto como um bestalhão que em seus tours pelo mundo à cata de novidades científicas ignorava de maneira premeditada a chaga da escravidão. É claro que o cultivo do açúcar era a atividade econômica dos proprietários de terra e a fotografia era um passatempo das elites que traficavam negros e os usavam para produzir commodities agrícolas, mas essas eram as condições em que aqueles dois governantes atuaram e exigir que tivessem respondido às aspirações democráticas de expansão de direitos que tomaram força no Brasil na segunda metade do século XX é mero progressismo, a ideia de que os valores e realizações do presente são necessariamente melhores porque vieram depois, ideia esta tão nefasta quanto a ideia conservadora que sustenta que tudo o que já passou era mais perfeito do que o estado de coisas atual. Em tempos como este, em que temos tantas razões para sermos pessimistas, pensarmos que fomos capazes de oferecermos uma contribuição cultural e técnica ao mundo, a despeito das nossas limitações materiais, como exemplificado acima, deve nos lembrar que mesmo em uma época como a nossa de corrupção desabrida, incompetência, desemprego, haverá sempre espaço para algum tipo de realização, por mais modesta que seja. Feliz Ano Novo e que 2017 traga a nós brasileiros, algum legado.

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