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Bons ares

Posted by on 29/11/2012

        Queridos assinantes do Montblatt: muita coisa aconteceu no mundo enquanto  estávamos fora do ar. Coisas sinistras, de humor negro, como a última dos EUA de querer derrubar o governo da Síria ̵acusado de ser uma ditadura cruel,mas cujo verdadeiro pecado é se recusar a seguir a cartilha de Washington e Tel Aviv̵ apoiando jihadistas que alhures são considerados terroristas inimigos da liberdade. Atos desesperados, como o de Julian Assange que, tendo sido entregue pelo governo sueco aos Estados Unidos para ser extraditado em virtude de uma acusação de estupro que havia sido considerada infundada, mas que depois foi desenterrada por um juiz amigo do American way of life, refugiou-se na embaixada do Equador em busca de asilo político, já que sua pátria de origem, a Austrália, jogou-lhe aos leões ianques. Picaretagens das mais variadas, como a do Banco Barclays na Inglaterra, que montou um esquema de manipulação da taxa LIBOR de juros para melhorar seus balanços e continuar com o seu papelna operação do cassino em que se transformou o sistema financeiro internacional com a conivência de governos ávidos por dinheiro “barato”.

      Tudo isso é muito deprimente e nos enche de indignação, especialmente quando levamos em conta nossa impotência para combater as injustiças e patifarias que grassam neste mundo global. Para comemorar nossa volta, com uma semana de atraso, porque eu estava de férias, falarei de um assunto ameno, minha singela viagem à capital da Argentina, Buenos Aires. Tenho certeza que a maioria dos leitores do nosso jornal já devem conhecê-la, mas mesmo assim considero útil fazer um breve relato da minha viagem porque lança luz sobre nossos próprios problemas para atrair turistas.

      É verdade que a Argentina anda bem problemática. Com falta de divisas internacionais, o governo tem baixado medidas draconianas para estimular os argentinos a acumular pesos e não dólares. Qualquer aquisição da moeda americana tem que ser justificada e a última da Dona Cristina Kichner foi a de na semana poassada proibir transações de venda de imóveis em moeda que não seja o peso. Isso torna a vida do turista um tanto quanto difícil. Os restaurantes não aceitam dólares, ou quando aceitam estipulam condições desvantajosas para os incautos. Por exemplo, notas de 50 não podem ser usadas ou então a taxa de câmbio é irreal: oferecem-se 4,5 pesos na média por cada dólar, 4,3 no mínimo, 5 no máximo. Na Calle Florida é possível encontrar os “empreendedores do mercado negro”, vulgo cambistas, que nos oferecem 5,7 pesos, a depender do dia, cifra mais próxima do valor real de seis pesos (fiquei sabendo que hoje já está em 6,8 pesos). O metrô (o subte) é sujo demais, o que contrasta com a imaculada limpeza do metrô de São Paulo e há pessoas dormindo lá dentro, o que aqui é impensável.

        Feitas todas essas ressalvas, em termos de custo-benefício Buenos Aires tem muito a oferecer a nós brasileiros. O subte pode ser sujo, mas custa dois pesos e meio (o equivalente a um real) ao passo que o metrô da capital paulista custa três vezes mais e é muito menos extenso. Fui a uma cidade próxima, Tigre, onde os argentinos passam o fim de semana, e gastei menos de dois pesos na viagem de trem. Bem, nem é preciso falar que em meu Estado o trem só serve para ligar a capital às cidades dormitório e não há nenhuma alternativa de transporte para o turista que não seja ônibus ou carro. Outros preços são também muito convidativos: fazer a mão custou-me 10 reais (aqui pago 15), comer em um restaurante árabe de boa qualidade, com direito a entrada, prato principal, refrigerante, sobremesa e café custou-me 40 reais, o que em São Paulo sairia por pelo menos uns 70.

        Mas o mais sensacional, para os padrões de uma paulistana como eu, é que consegui divertir-me e instruir-me sem gastar nenhum tostão. O Museu Nacional de Belas Artes, é gratuito, ao passo que seu equivalente em São Paulo, o MASP, custa 15 reais. O Museu do Bicentenário que fica ao lado da Casa Rosada (acessível sem custo aos sábados e domingos) e ocupa as ruínas da antiga alfândega, também é gratuito. Eu que não sabia nada da história argentina, pois no colégio só me ensinaram a história da Europa, pude assistir a vídeos que traçam a trajetória do país desde 1810, o ano da independência. Aprendi também sobre a história do Brasil, chamado de império escravista, contra o qual a Argentina lutou no Rio da Prata.Não posso deixar de mencionar também o Cemitério da Recoleta, não pelo túmulo da Eva Peron, que não tem nada de mais, mas pelas esculturas magníficas que lá se encontram, em muito maior número do que no Cemitério da Consolação, em São Paulo. E por útimo, um local surpreendente que descobri na internet: o museu da dívida externa, sediado na Faculdade de Economia da Universidade de Buenos Aires e que conta a história da dívida da Argentina desde 1810 até os dias atuais. Apesar do viés peronista da versão apresentada, é muito relevante para nós brasileiros, que também passamos pela Via Crúcis do calote de 1982, dos pacotes do FMI, do Plano Brady, do Consenso de Washington. A responsabilidade pelo conteúdo ficou a cargo dos estudantes da universidade sob a supervisão dos professores, e inclui uma revista em quadrinhos contando o drama da dívida argentina ao longo dos seus 200 anos de história (assim como aconteceu conosco, a dívida nasceu com o país, tendo o mesmo credor, os ingleses).

        Não pensem vocês que só museus são acessíveis. Para quem não tem interesse em assuntos culturais ou artísticos, nada melhor do que uma caminhada pelas ruas de Palermo ou da Recoleta e não querendo apreciar a elegante arquitetura das construções, curtir as praças limpas e arborizadas(que também invariavelmente têm alguma escultura monumental),cuja grama encontrei sempre reluzente (a Praça General San Martin pareceu-me a mais bela),e os parques (Rosedal, 3 de febrero), que em dias de sol ficam lotados de argentinos de todas as classessociais ansiosos por desfrutar da calma e beleza das árvores e lagos, dos amplos espaços para piqueniques e jogos de futebol. Em suma, o turista em Buenos Aires tem várias opções ao seu dispor: pode gastar muito dinheiro em shows de tango, passeios de catamarã pelo Rio da Prata,compras nas Galerias Pacífico, mas pode optar como eu pela frugalidade e mesmo assim ter ótimos momentos. Nesse sentido, a cidade é tremendamente mais democrática do que São Paulo, cujas opções de lazer seguras, isto é, livres de assaltos, requerem sempre dinheiro.

        Leitores do Montblatt, no próximo feriado prolongado não deixem de apreciar os jacarandás das ruas de Palermo, a placidez das águas do Rio da Prata. Nada melhor  para tornar o Mercosul uma realidade além dos tratados internacionais do que visitarmos cada vez mais nossos vizinhos, nos inteirarmos de sua história e de sua cultura para que um dia possamos, quem sabe, nos livrarmos do complexo de vira-lata que aflige os latino-americanose nos unirmos de maneira que não aconteça o que recentemente ocorreu no Paraguai, com a  defenestração sumária de um presidente.

        P.S.: para felicidade do nosso editor, o General Jorge Videla, que governou a Argentina nos anos de chumbo e já estava preso pelos abusos cometidos contra os rebeldes esquerdistas, acaba de ser condenado pelo rapto de crianças de prisioneiros políticos.

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