Esses gritos hostis mostram que os espectadores não têm respeito nenhum pelos valores olímpicos. O Thiago foi incrível, não tenho nada a dizer sobre ele. […] Não foi a primeira vez que me vaiaram. Considerando o que está em jogo e o cansaço, você não tem necessidade disso. Perturba muito e deixa a gente muito nervoso, porque você sente a maldade do público. O atletismo não é futebol. Se é para vaiar, que eles fiquem em casa assistindo à televisão.
Trecho de entrevista dada pelo atleta francês Renaud Lavillenie à imprensa de seu país depois de perder a medalha de ouro do salto com vara para o brasileiro Thiago Braz da Silva
Sem se dar conta, o treinador menciona as forças místicas, talvez aquelas do candomblé, a religião afro-brasileira ainda cultuada no país. « Este país é bizarro », ele sugere, quase com admiração.
Comentário do treinador de Renaud Lavillenie, Philippe d’Encausse, sobre a irracionalidade da situação vivida por seu pupilo, detentor do recorde mundial do salto com vara e campeão olímpico em Londres
Prezados leitores, quem assistiu à cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016 deve lembrar-se das palavras de Regina Casé, uma das apresentadoras do espetáculo, que glorificava a diversidade do Brasil. A própria história do país contada de maneira resumida no início do espetáculo do dia 5 de agosto mostrou como somos produto da miscigenação de índios, europeus, negros, japoneses, árabes. Hoje a diversidade é um dos principais valores do cânone politicamente correto.
Quem critica a diversidade ou mesmo alguma de suas consequências é vilipendiado, o caso mais emblemático atualmente sendo o do candidato Donald Trump, que por não fazer as devidas homenagens às virtudes intrínsecas da diversidade, provavelmente perderá as eleições para Hillary Clinton que tece loas aos gays, aos negros, às mulheres, aos muçulmanos e a todas as minorias deste mundo. Nessa seara não importa muito o que você realmente faça pelas minorias, importa é falar platitudes sobre o conceito abstrato de que quanto mais minorias haja melhor.
Hillary Clinton em toda sua vida pública atuou a favor do complexo industrial-militar americano, dos grandes bancos, das seguradoras e das grandes corporações com operações globais, para mencionar alguns dos seus doadores de campanha que foram beneficiados por suas decisões como primeira-dama que dava pitacos no governo do marido presidente e como senadora. A senhora Clinton foi a favor de guerras no Iraque, na Líbia, na Síria, entre outros, da desregulamentação bancária que permitiu aos banco americanos fazerem apostas arriscadas com o dinheiro dos corrrentistas, do NAFTA e do Acordo de Associação Transpacífico, que colocam as multinacionais acima da lei dos países em que atuam, e do Obamacare, que estabeleceu a obrigatoriedade de os americanos contratarem algum plano de saúde, em vez de estabelecer um sistema público universal financiado com dinheiro público. No entanto ela é considerada o mal menor ante o racista, xenófobo Trump, cujas propostas de políticas interna e externa são muito mais progressistas do que as de Hillary, de acordo com o historiador americano Eric Zuesse, o que mostra que esse bla bla blá de diversidade é uma desconversa que serve para que as elites globais possam organizar a economia e a política de acordo com seus interesses.
A diversidade tem uma outra faceta, que é meu objetivo explorar neste meu humilde artigo. Sua exaltação como símbolo serve como credencial para candidatos políticos ludibriarem o público, e ao tentar ser colocada em prática apresenta uma série de desafios. Esses desafios estão se mostrando a nós brasileiros, espectadores dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. Não pensem que falarei do nadador americano assaltado, do técnico alemão morto em circunstâncias suspeitas ou do atleta de judô belga que levou chapuletadas no rosto. Isso era totalmente previsível, considerando que o Rio de Janeiro é uma cidade violenta. Mesmo porque se o COI tivesse escolhido Chicago, que era uma das cidades que se candidataram para sediar as Olimpíadas, os atletas e turistas enfrentariam o mesmo problema. De acordo com o jornalista americano Steve Sailer, desde o início de 2016, mais de 2.500 pessoas levaram tiros na cidade americana, mais do que em qualquer ano desde 1990. Vou falar do choque cultural vivido pelos atletas olímpicos que estão tendo que lidar com as vaias do público brasileiro.
De fato, é uma grande surpresa para eles, considerando que não estão acostumados com esse tipo de comportamento em locais de prova em outras partes do mundo. Os efeitos têm sido normalmente nefastos, como demonstrou a seleção da Espanha que perdeu do Brasil no basquete masculino devido à pressão da torcida e o atleta francês Renaud Lavillenie que tinha a medalha de ouro na mão e desconcentrou-se totalmente com a ajuda que o público brasileiro resolveu dar a Thiago Braz da Silva no salto com vara. Nesse último caso houve um duplo choque de civilizações. Renaud não entendeu como o público é capaz de vaiar pessoas que estão lá dando o melhor de si e precisam de calma para manterem o foco e nós brasileiros não entendemos como o francês pôde comparar nosso comportamento à hostilidade dos nazistas contra Jesse Owens, o corredor negro americano que brilhou nas Olimpíadas de Berlim de 1936, sob as barbas de Adolf Hitler. Senhor Renaud, realmente o senhor não entende nada do Brasil: nunca poderíamos ser nazistas porque falar em raça ariana e exclusivismo no país mais miscigenado do mundo é bizarro, para utilizar a expressão do seu técnico. Vaiamos o senhor não porque achamo-nos superiores, mas porque somos apaixonados e torcemos loucamente por qualquer brasileiro que esteja competindo. Vaiamos porque queremos ajudar nossos compatriotas a ganhar medalhas. E queremos ganhar medalhas porque é uma maneira de compensar nossas frustrações com o extenso rol de coisas que dão errado no Brasil. Em suma, vaiamos para desopilar o fígado.
Renaud não nos entendeu e nós não o entendemos. Desse desentendimento entre indivíduos e grupos que têm culturas diferentes nasce o desrespeito e do desrespeito nascem as ofensas e a troca de acusações. Nós o consideramos um babaca e ele nos considerou um bando de nazistas alucinados. Renaud foi novamente vaiado na entrega de medalhas e até chorou, provavelmente de raiva, por ter tido seu desempenho no Engenhão afetado pelo comportamento da torcida, que não obedeceu aos cânones da racionalidade cartesiana francesa.
Viram como na prática a teoria da diversidade é outra? Se queres diversidade é preciso lidar com as nuances do caso concreto. O que fazer aqui? Tentar educar os brasileiros a serem mais compenetrados durante os jogos ou fazer os gringos entenderem que somos barulhentos mesmo, que gesticulamos muito, que fazemos algazarra e que não nos importamos muito se isso atrapalha os atletas, principalmente se eles forem nossos inimigos esportivos?
A diversidade pode ser qualquer coisa, pode ser uma cortina de fumaça que escamoteia e viabiliza intenções malignas, pode ser palavrório para vender produtos e países e pode ser uma fonte de violência física e psicológica, como têm ocorrido no Rio de Janeiro. O Comitê Olímpico Internacional escolheu o produto Rio de Janeiro pelo chamativo da realização dos jogos olímpicos em um lugar diferente do padrão ocidental inventado na Grécia. Os comportamentos e reações insólitos que estamos experimentando mostra que o buraco da diversidade é muito mais profundo.