Porque até o Socialismo é criação do Catolicismo e da essência católica! Ele, como seu irmão o ateísmo, também foi gerado pelo desespero, em contraposição ao Catolicismo no sentido moral, para substituir o poder moral perdido da religião, para saciar a sede espiritual da humanidade sequiosa e salvá-la não por intermédio de Cristo, mas igualmente da violência! Isso também é liberdade por meio da violência, isso também é unificação por meio da espada e do sangue! “ Não ouses acreditar em Deus, não ouses ter propriedade, não ouses ter personalidade, fraternité ou la mort, dois milhões de cabeças!” É pelos atos deles que os conhecereis – está escrito! E não pensem que isso tudo seja para nós coisa tão inocente e corajosa; oh, precisamos de uma reação, e logo, e logo!
Trecho de um discurso do Príncipe Míchkin, personagem de O Idiota de Fiódor Dostoiévski
No fim, o autor organizou a sua apuração em oito ideias centrais, como a capacidade de manter o foco nos objetivos, cumprir metas estabelecidas, saber inovar e também tomar decisões, além de navegar com segurança no oceano de informações e distrações do mundo moderno.
Trecho de resenha publicada na revista Veja de 4 de maio sobre o livro Mais Rápido e Melhor – Os Segredos da Produtividade na Vida e nos Negócios, escrito por Charles Duhigg
Prezados leitores, nesta semana refugio-me na ficção. Não tenho mais nada a falar sobre o impeachment, sobre as disputas políticas, sobre a crise econômica, muito menos tenho capacidade de prever o que ocorrerá com o Brasil, se já atingimos o fundo do poço ou se ainda temos margem para afundar ainda mais, se os Jogos Olímpicos vão ser um sucesso ou vão ser uma nova versão do 7 x 1. Nas ciências exatas a capacidade que uma teoria tem de prever fenômenos naturais atesta sua validade, isto é sua capacidade de salvar as aparências, de fornecer explicações consistentes para a realidade. Nas ciências humanas, as previsões são mais difíceis porque o comportamento dos seres humanos está sujeito a uma variedade tão grande de influências que nossa mente não dá conta. Ao mesmo tempo que confesso minha incapacidade de dizer algo relevante sobre nosso Brasil, admiro aqueles poucos indivíduos que, para utilizar o jargão moderno, tal qual reproduzido por Charles Duhigg no livro citado acima, são produtivos e inovadores. Prefiro chamá-los de taumaturgos, porque eles fazem milagres. Um desse milagreiros é Dostoiévski e vou explicar-lhes o porquê de eu achar que o autor russo que viveu de 1831 a 1878, aos 18 anos já era órfão de pai e mãe, pobre e epiléptico cabe nessa definição, tratando do personagem principal de Idiót, cujas inspirações principais foram Jesus Cristo e Dom Quixote.
Quem não há de concordar que em 1868, quando O Idiota foi publicado, não havia ali, na fala do príncipe Liev Nikoláievitch que abre este artigo, uma premonição sobre o que iria acontecer na Rússia a partir de 1917 em nome do comunismo? Claro, não se pode exigir a precisão de hora e local do eclipse solar de 29 de maio de 1919 que foi observado em Sobral, no Ceará e que permitiu uma das primeiras verificações experimentais da Teoria da Relatividade. Dostoievski não previu exatamente que uma revolução eclodiria no seu país no século XX em São Petersburgo, comandada a princípio por Vladimir Ilitch Lênin, financiado pelos alemães, que queriam ver o país mergulhar no caos e assim facilitar sua derrota na 1ª Guerra Mundial. No entanto, um alerta sobre o vácuo espiritual que a descrença na religião acarretaria e sua substituição pela ideologia socialista a ser imposta pela violência, custasse o que custasse está ali, sem necessidade de grandes esforços de interpretação.
Como explicar a presciência de um epiléptico? Charles Duhigg talvez dissesse que ele tem foco, eu diria, para usar um vocabulário mais antigo, que Dostoievski tinha uma visão moral muito clara, respaldada no cristianismo. Sem fazer nenhum julgamento de valor aqui, é forçoso constatar que para um verdadeiro cristão a vida, o amor e a fé têm preeminência sobre tudo e levam à vida bela, ao passo que o ódio, a violência, a descrença são o mal a ser combatido. O Príncipe da obra-prima de Dostoiévski ama verdadeiramente, sem julgar ninguém, sem condenar, apenas imbuído da disposição infinita de tentar compreender as pessoas e ter compaixão pelo sofrimento alheio. Essa sua boa vontade em relação à humanidade o faz ser visto como um idiota por aqueles que só zelam por seus interesses, para quem o egoísmo é a única realidade possível. Ao mesmo tempo em que é mal interpretado e ridicularizado pelos que estão à sua volta, que o veem como um ser facilmente enganável e explorável, Liev Nikoláievitch, pela sua própria posição marginal, tem um ponto de vista privilegiado sobre a realidade. Na qualidade de ovelhinha ridiculamente inocente, ridiculamente boa, ridiculamente paciente, o príncipe é o primeiro a ver seus próprios defeitos, apontados por todos a sua volta, e por isso consegue penetrar no interior das pessoas com uma profundidade que só quem olha para dentro de si mesmo é capaz de ter. Sim, ele é o primeiro a admitir que é um epiléptico meio sonso, que não sabe se comportar em sociedade, que não sabe se expressar corretamente, e é essa tendência de desprender-se de sua subjetividade, fruto da boa vontade que têm por todos, que o dota da sua extraordinária capacidade de descobrir os sentimentos das pessoas, suas motivações.
Assim é que tudo o que o Idiota fala é tão desconcertante pela sua verdade que os mais lídimos representantes da boa sociedade o ignoram por completo, ou melhor varrem suas afirmações para debaixo do tapete, pela inconveniência. Quando Míchkin termina seu discurso sobre os perigos de substituir a fé na religião pela fé na falta de fé, os generais e altos funcionários a sua volta o tratam com condescendência, pedindo-lhe que modere sua exaltação. Afinal, ideias originais são supérfluas em um mundo em que as pessoas comportam-se e sentem de acordo com um roteiro pré-estabelecido: o que vale na sociedade burguesa é ter coisas para si, pessoas para si. O amor, o dinheiro, a reputação, o casamento são exclusivos, oponíveis erga omnes: o que temos para nós mesmos temos em nosso favor e contra todos os que não participam dessa propriedade.
Ao final do livro, o príncipe volta ao lugar de onde tinha partido, uma pequena vila na Suíça, onde fica aos cuidados de um médico que o diagnostica como irremediavelmente fora de si. O refúgio dele na loucura o torna imune às mesquinharias, à velhacaria, às paixões irrefreadas que ele encontrou em sua estadia na Rússia. Prezados leitores, guardadas as devidas proporções entre o príncipe que só falava verdades e esta pobre blogueira que vos dirige suas humildes palavras, tirarei férias a partir da próxima semana para refugiar-me nas coisas belas. Ficarei longe da contagem dos votos do impeachment, do cálculo do rombo nas contas públicas, das novas revelações sobre quem pagou propinas a quem, das denúncias contra os malvados de sempre, e principalmente dos planos bombásticos do governo Temer sobre ajuste fiscal, choque de eficiência e privatização, que são sempre a fonte dos milagres no imaginário político nacional. Tenho há tantas semanas escrito sobre a novela do impeachment que faço um exame de consciência e admito à presença de todos, tal como Lev Nikoláievitch, que sou uma tremenda idiota, que fala muito, exalta-se muito e vai acabar tendo um ataque epiléptico como o príncipe teve depois de seu discurso contra o ateísmo. Considero que o melhor neste momento de tantas fofocas, maledicências e intrigas é refugiarmo-nos na beleza, e se eu escrever algo nas próximas semanas será inspirada pelas caminhadas que pretendo fazer pela Cidade Eterna. Oxalá que quando eu volte ao Brasil eu me sinta menos parva e menos confusa sobre a realidade, mantenha o foco e consiga ser produtiva e criadora como as receitas de Charles Druhigg prometem.