O tipo de transição que ocorreu ao longo de cinquenta anos no Ocidente chegará à China de repente daqui a cerca de 15 anos, quando um em cada quatro habitantes será um trabalhador sem qualificações, sem futuro, sem filhos e com pouco ou nenhum dinheiro guardado para a aposentadoria.
Trecho retirado do artigo “One for all” escrito por Hilary Spurling, resenhando um livro que conta a história da política do filho único na China
O Brasil ainda vivia sob a ditadura militar quando o Partido dos Trabalhadores (PT) foi fundado. Em 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion (SP), o PT surgiu com a necessidade de promover mudanças na vida de trabalhadores da cidade e do campo, militantes de esquerda, intelectuais e artistas.
Trecho retirado do site oficial do Partido dos Trabalhadores, fundado entre outros por Luiz Inácio Lula da Silva
Prezados leitores, 1980 é um ano em que os destinos de Brasil e China começam a correr de maneira paralela, sob um certo aspecto. Explico-me, antes de acharem que estou a falar de milagre econômico. No Brasil era fundado o PT, que catapultou Lula ao cenário político nacional, de tal maneira que ele foi eleito Presidente do Brasil em 2002 e 2006.Na China tornou-se lei a política do filho único, elaborada por um grupo de militares que haviam sobrevivido aos expurgos de Mao Zedong realizados durante a Revolução Cultural (1966-1976). O objetivo era evitar a explosão populacional no país e para isso foram criados estímulos monetários para os funcionários do governo fiscalizarem as mães e pais recalcitrantes.
Havia uma verdadeira caçada a mulheres grávidas do segundo filho ou grávidas com menos de 24 anos, idade estabelecida como a mínima para a procriação. A mulher quando encontrada era arrastada para lhe arrancarem o filho do ventre, independentemente do estágio da gravidez, e quando não encontrada pelos zelosos burocratas, cujo salário era atrelado ao cumprimento de quotas de aborto, estes prendiam os pais da infeliz para fazer extorsões, chantagens e ameaças. Além disso, dada a preferência por um filho homem que carregue o nome da família e cuide dos pais idosos, a política inflexível do filho único levou ao assassinato de milhares de bebês do sexo feminino, seja por estrangulamento, ou ainda antes de nascerem.
O plano estatal funcionou razoavelmente bem, e o resultado é que por volta de 2020 a China terá entre 30 e 40 milhões de homens supérfluos, o equivalente à população total do Canadá. Essa montanha de homens solteiros, sem possibilidade de fazer sexo por meios legítimos e razoáveis, está levando ao rapto e tráfico de mulheres de países asiáticos vizinhos. Estima-se que 100.000 mulheres da Coreia do Norte já tenham sido vendidas a chineses carentes, por 1.500 dólares per capita. Uma alternativa é a compra de bonecas de tamanho natural com cabelo verdadeiro, cílios e bicos de seio indestrutíveis. Além dessa geração de homens desajustados e solitários que não terão chance de ter relacionamento com mulheres de verdade, a política demográfica chinesa provavelmente minará as chances de o país entrar para o clube do Primeiro Mundo: estima-se que dez milhões de pessoas irão aposentar-se a cada ano, ao passo que o número de trabalhadores diminuirá sete milhões. Isso significará que dois adultos terão que cuidar de um filho único e quatro idosos, o que convenhamos, é um fardo pesado demais para ser carregado.
Será praticamente impossível à China, que envelhecerá da noite para o dia, manter o ritmo alucinante de expansão econômica que conseguiu desde a abertura econômica de Deng Xiaoping em 1979. Esse frenesi foi possibilitado em parte por uma força de trabalho predominantemente masculina, o que mostra que no curto e médio prazo o déficit de mulheres foi um bônus para o país, antes de transformar-se na sua perdição no longo prazo. É nesse ponto que quero lhes mostrar como a trajetória do Império do Meio e do filho único corre paralela à ascensão fulgurante do PT e seu líder. Os milhares de trabalhadores de fábricas chinesas, que se transformaram no centro manufatureiro mundial, criaram a demanda pelas commodities produzidas entre outros países pelo nosso Brasil lindo e trigueiro. O ciclo das commodities que foi mais ou menos de 2000 a 2014 coincide com o ápice da trajetória de Luiz Inácio Lula da Silva e sua decadência, simbolizada pelo suspense em torno de sua prisão.
Não percamos o foco: se a China tivesse conseguido manter seu crescimento de dois dígitos e sua voracidade por minério de ferro e soja, o Brasil ainda estaria em uma situação econômica relativamente confortável e o PT poderia continuar aplicando a receita infalível para ganhar eleições, afagando os muito pobres com o Bolsa Família, distribuindo bolsas de estudo à classe C e concedendo empréstimos subsidiados do BNDES aos grandes grupos nacionais, financiadores de campanhas. Mas o caldo entornou na China, e o seu perfil demográfico futuro não lhe permitirá continuar sendo the “powerhouse of the world”. Agradar gregos e troianos, como Lula fez em seus áureos dias de Presidente, será impossível. O cobertor do Estado brasileiro ficou de repente curto para cobrir todo mundo e precisamos de um bode expiatório para execrar: a corrupção do PT no poder é o bandido da vez e o Sérgio Moro o mocinho. Se nos livrarmos da corrupção sobrará dinheiro para investir em saúde e educação, não é mesmo?
No entanto, para pegar os ladrões do dinheiro público precisaremos dar poderes extraordinários ao Judiciário e ao Ministério Público, poderes que juízes e procuradores utilizarão ora de maneira benéfica, ora de maneira maléfica, e sempre para proveito deles mesmos, como é próprio do ser humano. E quem garante que se prendermos todos os grandes sócios do Estado brasileiro depois de muita pressão à base de delações premiadas e prisões preventivas moralizaremos a política brasileira? Como o juiz Antonio Di Pietro, principal magistrado da Operação Mãos Limpas na Itália dos anos 1990 admitiu em entrevista ao jornal Estado de São Paulo em 13 de março, o país não mudou depois da grande investida judiciária, afinal os italianos elegeram depois Silvio Berlusconi.
Prezados leitores, indignação é sempre bem-vinda, pois a apatia é a antessala da morte. Mas para além do mal da corrupção temos uma ordem social, econômica e jurídica no Brasil que faz com que nem todos possam ter direito a banho de sol, pois além de não produzirmos o suficiente, não priorizamos de maneira sensata. Qual a saída? Os chineses terão que lidar com o problema do envelhecimento repentino, nós com o problema da chamada à realidade repentina: fomos dormir achando que éramos potência emergente, acordamos no Terceiro Mundo, com o vírus zika, estagflação e com um sistema político totalmente disfuncional. Mais ou cedo ou mais tarde, por bem ou por mal, teremos que tomar uma decisão sobre como sair desse beco. Só espero que os mesmos maganos de sempre não decidam por nós.