Um fator de previsão muito bem-sucedido da política governamental durante um longo período é o conceito do economista político Thomas Ferguson denominado “teoria política do investimento”, que interpreta as eleições como ocasiões em que segmentos do setor privado formam uma coalisão para investir no controle do estado.
Trecho retirado do ensaio “Ano 514: globalização para quem?” de autoria do linguista americano Noam Chomsky.
No longo prazo, temos duas crises que se articulam e se alimentam: o fim do ciclo de expansão fiscal e o esgotamento do modelo de coalizão política. […] A “bolsa empresário do BNDES é muito maior que o Bolsa Família.
Trecho da entrevista do economista Eduardo Giannetti da Fonseca publicada no jornal O Estado de 17 de janeiro
Uma democracia não consegue funcionar de maneira eficaz quando os membros acreditam que as leis podem ser compradas e vendidas.
Trecho do voto dissidente do Ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos John Paul Stevens, dado em 21 de janeiro de 2010 no caso dos Cidadão Unidos contra a Comissão Federal Eleitoral, que tratava da regulamentação dos gastos de organizações em campanhas políticas.
Prezados leitores, em 21 de janeiro de 2010 uma decisão muito importante foi tomada pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Tendo como fundamento a Primeira Emenda à Constituição, de acordo com a qual fica terminantemente proibida a elaboração de qualquer lei que limite a liberdade de expressão, os magistrados daquela corte estabeleceram a ilegalidade da restrição a gastos políticos independentes por parte de organizações sem fins lucrativos. O princípio da liberdade de expressão das pessoas jurídicas, consideradas como tendo direito aos mesmos privilégios das pessoas físicas, foi estendido a organizações com fins lucrativos, sindicatos e associações.
Na prática, o que uma tal decisão faz é tornar perfeitamente legal a atuação das corporações americanas nas campanhas políticas com o intuito de influenciar os resultados. Se antes havia restrições à manifestação do livre pensamento das pessoas jurídicas nos Estados Unidos, agora elas gozam de chancela oficial para atuarem da maneira que acharem melhor. Considerando o poder que os CEOs têm de dispor do dinheiro das empresas independentemente da opinião sequer dos acionistas, não é difícil vislumbrar o quanto isso faz com que a democracia se transforme na “tirania privada irresponsável” no dizer de Noam Chomsky: as corporações doam dinheiro aos políticos fazerem campanha e estes fazem aquilo que seus doadores solicitam, independentemente da vontade dos eleitores. Uma das razões do sucesso de candidatos alternativos como Bernie Sanders e Donald Trump, que atualmente concorrem nas primárias democratas e republicanas, respectivamente, para a escolha do candidato dos dois partidos à sucessão presidencial nos Estados Unidos, é que se apresentam como não tendo o rabo preso com ninguém: um porque é socialista e portanto, persona non grata às empresas doadoras, e outro porque sua fortuna pessoal faz com que não precise do dinheiro de ninguém.
Exemplos abundam no país mais rico do mundo da influência perniciosa dos donos do dinheiro sobre as leis promulgadas, citarei apenas dois. O NAFTA, que entrou em vigor em 1994 para estabelecer uma área de livre comércio abrangendo o México, o Canadá e os Estados Unidos, com certeza otimizou a alocação de recursos das multinacionais americanas, mas por outro lado expôs os agricultores mexicanos à concorrência dos produtos americanos altamente subsidiados e expôs igualmente os trabalhadores ao norte do Rio Grande à concorrência de pessoas dispostas a fazer o mesmo por menos. O TARP, lançado em 2008 para ajudar as instituições financeiras a saírem do buraco, representou um investimento de quase 450 bilhões de dólares. Considerando que o buraco foi cavado pela revogação, durante o governo de Bill Clinton, de uma outra lei denominada Glass-Steagall, que proibia que uma instituição financeira realizasse simultaneamente atividade de banco comercial e de banco de investimentos, o TARP nada mais fez do que cobrir os prejuízos causados ao sistema financeiro por instituições que tinham ampla liberdade para usar os depósitos de seus clientes em apostas arriscadas em derivativos, swaps, hipotecas de primeiro e segundo grau e por aí vai.
Cá como lá, a atuação das pessoas jurídicas no processo eleitoral é uma questão premente. No Brasil as empresas começaram oficialmente a financiar campanhas em 1994. Em 2014 as empresas doaram 3 bilhões de reais dos 7 bilhões de reais gastos por candidatos a presidente, senador, deputado estadual e federal e governador. Juridicamente a situação parece que está melhor aqui, já que o STF decidiu em 17 de setembro de 2015 que a doação de empresas para campanhas políticas é inconstitucional. Por outro lado, há uma PEC no Senado, de número 182, que autoriza o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas. Sabemos que mesmo que o Senado decida não aprovar a PEC, essas doações de empresas ocorrerão por inúmeras e obscuras vias. De todo modo, a proibição serviria ao menos para, se não coibir, ao menos estigmatizar as empresas com um nome a zelar que doassem dinheiro a políticos em troca de favores.
Além disso, cá como lá, a influência dessas doadoras sobre as políticas governamentais, em detrimento da população como um todo, é flagrante. A Operação Lava Jato está revelando como determinadas empreiteiras investiam dinheiro em políticos para conseguir contratos polpudos com a Petrobrás. A Zelotes por sua vez está dissecando o trato das montadoras com políticos, na base do toma doações que eu levo medidas provisórias favoráveis aos meus interesses. Aliás, as evidências do tratamento privilegiado à indústria automobilística e pior, da inutilidade de tais benesses estão aí: depois de 16 bilhões de reais em subsídios dados pelo governo federal, atualmente a ociosidade no setor é a maior em 25 anos e 40 mil operários poderão perder seu emprego num futuro próximo. Em um momento em que percebemos que o cobertor ficou curto para que as reivindicações de todos possam ser satisfeitas, teremos que estabelecer prioridades. A pergunta é: quem estabelecerá onde gastar o dinheiro público: os doadores das campanhas ou o povo que elege os representantes?
Ho boulomenos. Essa expressão em grego significa “qualquer pessoa que deseje” e era utilizada pelos cidadãos de Atenas para falar na Assembleia, apresentar uma moção ou ocupar um cargo. É verdade que 80% dos habitantes da cidade não eram considerados cidadãos e não podiam participar das deliberações nem decidir sobre os destinos da sociedade. Por outro lado, os que estavam dentro tinham uma ampla gama de atribuições: discutiam a forma de governar e as leis, nomeavam os dirigentes e juízes, tinham poderes para declarar a guerra. Essa democracia direta, em que todos tinham o direito de opinar e ao mesmo tempo governar, foi reproduzida parcialmente no ocidente pela democracia representativa, iniciada no século XVII na Inglaterra. Mas já no século XVIII Adam Smith denunciava que os mercadores e industriais eram os principais formuladores das políticas estatais e garantiam que seus próprios interesses eram satisfeitos, independentemente de quão deletérios os efeitos sobre os outros, incluindo o povo da Inglaterra.
Prezados leitores, cá como lá a democracia tal como é praticada está longe de atender às necessidades da maioria da população. Será que a Lava Jato e a Zelotes conseguirão passar o Brasil a limpo e permitir que refundemos nossa democracia representativa? Ou será que elas só servirão para colocar o PT como bode expiatório da corrupção política e deixar tudo como está para os que não forem indiciados? Será que nós brasileiros algum dia teremos mais influência sobre o que nossos políticos decidem? Aguardemos os próximos capítulos.