[…] a um príncipe é mister saber comportar-se como homem e como animal. […] Um príncipe sábio não pode, pois, nem deve manter-se fiel às suas promessas quando, extinta a causa que o levou a fazê-las, o cumprimento delas lhe traz prejuízo. […] Mas é preciso saber mascarar bem esta índole astuciosa, e ser grande dissimulador. […] Não é necessário a um príncipe ter todas as qualidades mencionadas, mas é indispensável que pareça tê-las. Direi, até, que, se as possuir, o uso constante delas resultará em detrimento seu, e que, ao contrário, se não as possuir, mas afetar possuí-las, colherá benefícios.
Trechos retirado do livro “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel (1469-1527), escritor florentino
Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção.
Trecho da carta enviada pelo vice-presidente Michel Temer à Dilma Rousseff em 7 de dezembro e “acidentalmente” vazada
Prezados leitores, quem está mentindo na nossa Nova República? Por acaso Dilma mente quando diz que não houve nenhum tipo de barganha com Eduardo Cunha para livrá-la do processo de impeachment em troca de uma amaciada para o presidente da Câmara na Comissão de Ética? Ou é Cunha o mentiroso contumaz que mentiu sobre a existência das contas na Suíça e mente agora ao dizer-se vítima de coação pelo PT? Será Michel Temer pura falsidade ao mostrar sua mágoa em relação a uma presidente que nunca confiou nele? O que pensar sobre os quatro mosqueteiros tucanos FHC, Serra, Aécio Neves e Alckmin: será que estão sendo sinceros sobre seus reais motivos para defenderem o impeachment? E Lula, será que ele é um líder do povo cuja boa-fé foi manipulada por pessoas que queriam locupletar-se? Será que o legado de Lula é muito maior do que os desdobramentos do mensalão e da Operação Lava-Jato?
Independentemente das convicções políticas de cada um, cada um de nós brasileiros intuir o que está acontecendo. Nossos políticos, para fazerem jus ao nome, dançam a valsa composta por Maquiavel no século XV no que depois viria ser a Itália. A coreografia foi bem elaborada, quem sabe lê-la consegue não só realizar os passos corretos, mas o faz com graça, causando a admiração geral. Não é meu propósito aqui fazer um resumo da obra do gênio florentino que inaugurou a ciência política moderna mostrando o caminho das pedras para um indivíduo manter-se no poder, uma vez conquistando-o. Basta dizer que um príncipe virtuoso não é aquele que fala a verdade, que age de maneira leal, que não deseja o mal de ninguém. O príncipe virtuoso é aquele que sabe que a natureza humana é intrinsecamente corrupta e age em duas frentes: de um lado protege-se da corrupção alheia, antecipando os passos dos inimigos que querem destruí-lo; de outro, como ele mesmo é corrupto, age para amealhar para si a maior quantidade de poder possível. A política não é o lugar para os inocentes e nem para os que têm verdadeiras convicções: é o lugar para aqueles cujo único objetivo é manter-se no poder. Maquiavel confiava que tal receita seria benéfica para sua Florença natal, que havia sido invadida por potências estrangeiras e perdido sua autonomia. Ter um príncipe consolidado como il signori permitiria fortalecer o próprio Estado e garantir a paz pela demonstração de força perante aqueles que cobiçassem a cidade que era um dos berços do Renascimento.
Infelizmente essa valsa maquiavélica não cai muito bem para nós brasileiros. O entrincheiramento de um grupo no poder à custa de mentiras, meias-verdades e ganância definitivamente não está contribuindo para a prosperidade da sociedade, ou pelo menos, não da forma como gostaríamos que fosse. Essa Nova República, inaugurada em 1985 com a eleição de Tancredo Neves que nunca tomou posse está mais podre do que nunca. Para que não fiquemos falando de maneira abstrata, vou dar-lhes alguns exemplos de que falta fazer muita coisa neste Brasil lindo e trigueiro. O Brasil ocupa a 57a posição no ranking de produtividade que relaciona 62 países de acordo com o PIB produzido por hora (números de 2013 do Eurostat, o órgão de estatísticas da União Europeia). No exame PISA de 2012, nosso desempenho escolar foi o 58º melhor (391 pontos contra os 494 do primeiro colocado), em uma lista de 65 participantes. Os resultados de 2015 serão divulgados ainda neste mês de dezembro. O ranking de competitividade elaborado pelo Fórum Econômico Mundial põe o Brasil na 57a posição (de novo!) dentre 144 países. Por fim, o conhecimento da língua inglesa dos brasileiros, algo fundamental para qualquer pessoa que queira ter uma carreira em um mundo global, é considerado baixo pela EF, Education First, uma empresa do ramo educacional que elabora um Índice de Proficiência em Inglês reconhecido internacionalmente: somos o 41º colocado dentre 70 países. Não incluirei nesse rol de males o vírus zika porque não quero ser alarmista: pode ser que ele seja a talidomida do século XXI, causando danos irreversíveis em milhares de crianças brasileiras, ou pode ser que ele seja uma febre de verão que passará. Não sabemos ainda. De qualquer forma, o fato de ele ter chegado em nossas plagas tropicais há oito meses e só agora ele ter se tornado manchete mostra que nossas autoridades sanitárias não se anteciparam ao perigo.
Sem zika ou com zika, a zica é geral. E o pior de tudo é que não temos ideia de quais devem ser nossas prioridades. Será que devemos continuar disputando o FLA X FLU para sabermos quem mete mais a mão no dinheiro público? Será que devemos esperar a conclusão da Operação Lava-Jato para passar o Brasil a limpo? Os deputados constituintes brasileiros em 1988 estipularam um processo legal para proteger réus do arbítrio de ditadores, não para a busca implacável de corruptos onde quer que estivessem. Esses enxertos que foram feitos no direito processual criminal posteriormente, como a delação premiada, e a reformulação do instituto das medidas cautelares e da prisão preventiva, ainda não estão bem encaixados no nosso sistema, que há quase 30 anos colocava a presunção da inocência como valor máximo. E se os indivíduos presos no âmbito da Operação Lava-Jato forem soltos para responderem às acusações em liberdade? Deveremos considerar que a justiça no Brasil está à venda para quem paga mais ou que simplesmente tivemos expectativas desmesuradas sobre o que o Judiciário pode fazer em termos de combate à roubalheira? Será que o tema da corrupção estará sempre onipresente e nunca conseguiremos, enquanto país, dedicarmo-nos a outro assunto? Será que o nosso critério de escolha de mandatários será sempre aquele que maquiavelicamente aparenta ser honesto, ou que rouba menos, ou conseguiremos ampliar nosso leque de critérios para incluir a coerência e viabilidade das propostas?
Enquanto nós, eleitores, estamos ansiosos para assistir às cenas dos próximos capítulos, querendo saber quem será preso e quem será solto, quem será condenado e quem será inocentado, quem será impedido e quem será salvo, nossos eleitos continuam valsando no salão. Hoje o PT está dando uns passos em falso e provavelmente seus membros terão que dar lugar a outros dançarinos. Delcídio Amaral seguiu mal o roteiro do príncipe e suas malandragens deram muito na vista, daí o pito dado por Lula. Outros artistas entrarão em cena, mas eles continuarão executando o mesmo projeto de vida daqueles que estão saindo pela porta dos fundos, que é o de manter seus privilégios. Qual deve ser nosso papel nisso tudo? Continuar vaiando os maus dançarinos e exigindo sua substituição? Essa alta rotatividade permitirá que a sociedade brasileira enfrente os problemas refletidos em nosso mau desempenho em rankings internacionais?
Prezados leitores, reflitam sozinhos e se decidirem voltar a assistir ao espetáculo dançante lembrem-se que os produtores não distribuem o lucro obtido com a venda dos ingressos.