Apalpar os genitais de pintos recém-nascidos pode não ser o emprego mais glamouroso do mundo, mas por 40.000 libras por ano não é mal pago. Requer energia: você pega em centenas de pintos por dia e checa se são macho ou fêmea. Se for fêmea, ela é mandada para ser engordada e botar ovos. Se for macho, bem, é melhor não perguntar. Quase ninguém na Grã-Bretanha quer fazer isso, então as vagas permanecem não preenchidas. A indústria do frango, em desespero, pediu ao governo que adicione o “identificador do sexo de pintos” a sua lista crescente de empregos que aparentemente não podem ser preenchidos.
Trecho do artigo intitulado “Um milagre ocorrendo” sobre o boom de empregos na Grã-Bretanha atualmente, de autoria de Fraser Nelson, publicado na revista The Spectator de 21 de março de 2015
Prezados leitores, é sempre difícil escrever quando estamos em férias. Eu realmente não gosto de abusar da paciência de ninguém falando como eu sinto, ou o que vi, especialmente se forem coisas óbvias como é o caso neste momento. Estou em Londres e obviamente devo conhecer o Parlamento, o Palácio de Buckingham, etc. No ano passado estive na Sicília, sendo mais fácil surpreender as pessoas com relatos de viagem porque não é um destino turístico conhecido. Mas Londres é muito batido. E a quantidade de chineses e japoneses tirando fotos é realmente incrível, mas totalmente de acordo com o script.
De fato, a facilidade das câmeras digitais, dos tablets e dos I-phones juntou a fome com a vontade de comer, pois os asiáticos sempre viajaram para tirar fotos, e agora mais do que nunca ir a museus para eles é ficar fazendo filmes com o celular. Eles nem perdem o tempo olhando as esculturas ou pinturas gratuitamente, pelo prazer de olhar, simplesmente ao pararem já sacam do aparelho para registrar o momento e quando não estão parados tirando fotos estão andando rápido buscando outras oportunidades de registro, normalmente à cata das obras colocadas como as principais nos guias. Mas que preconceito o meu, pois Thomas o personagem do filme sueco Force Majeure do qual falei na semana passada, também tinha como única preocupação filmar o espetáculo avalanche que se desenrolava à sua frente, como sua esposa teve o desprazer de descobrir. Espero que ninguém tenha morrido no Nepal por causa disso.
Portanto, não falarei das minhas experiências na cidade em si, mas de um encontro que tive com um brasileiro no voo que fez escala em Casablanca, no Marrocos. Estávamos lá nós dois esperando o avião que só partiria dali duas horas e começamos a conversar. Reclamamos da impossibilidade de comer porque os marroquinos espertos queriam que nós lhes pagássemos em euros e devolvessem o troco na moeda local. Eu então lhe perguntei o que iria fazer em Londres e ele me disse que pretendia morar lá, arranjar um emprego, firmar-se e trazer a família.
A história dele (desculpem, mas nem fiquei sabendo do seu nome) é a seguinte. É filho de portugueses e tem cidadania europeia, portanto pode trabalhar legalmente. Ele tinha uma empresa prestadora de serviços de informática com o irmão em São Paulo, mas estava cheio de pagar tantos impostos, achava que não valia mais a pena. O moçoilo, que deve estar se aproximando dos 40 anos de idade, tem bacharelado em Ciência da Computação, pós-graduação em sistemas de informação e mestrado em engenharia elétrica. Já desenvolveu programas para a Bolsa de Valores de São Paulo para integrar as operações às da Bolsa de Londres. Em suma, tem amplas qualificações para conseguir emprego em uma área que sempre carece de profissionais em qualquer lugar do mundo.
No entanto, meu companheiro de voo tem um enorme calcanhar de aquiles. Fala quase nada de inglês. Realmente isso é muito comum nas pessoas com formação em exatas. É muito raro encontrar aquelas que reúnem habilidade com números e com palavras. Por isso o plano dele é começar sua carreira no Primeiro Mundo de maneira humilde como motoboy, esperar um ano até dominar o inglês e começar a tentar encontrar emprego em sua área, para “não se queimar”.
Desejo-lhe boa sorte, e espero sinceramente que ele não acabe apalpalndo pintinhos, aliás como fazem os haitianos aqui no Brasil, largamente empregados em granjas pelo Brasil afora. Nos últimos cinco anos, um mihão e meio de empregos foram criados na Grã Bretanha, e atualmente considera-se que a economia do país está em pleno emprego. O aumento da isenção de imposto de renda para a faixa mais baixa, a fiscalização mais estrita daqueles que recebem seguro-desemprego, tudo isso fez com que trabalhar ficasse mais atrativo na Grã Bretanha, pois o montante recebido é maior do que o benefício social concedido aos desocupados. Há grande carência atual de carpinteiros, eletricistas. O desafio para o próximo governo, que será eleito no próximo dia 7 de maio, é aumentar os salários, que permanecem baixos depois da crise financeira.
Independentemente do que o futuro reserva para o meu amigo-relâmpago, se pintinhos, motocicletas, furadeira ou serra elétrica, o fato é que para o Brasil é de se lamentar que uma pessoa como ele saia daqui. Imagine quanto nos custou formar uma pessoa com sua expertise, e tal expertise ou será utilizada por um país que nada investiu na sua aquisição ou pior, será desperdiçada no exercício de profissões que agregam baixo valor. Sempre ouvimos falar da fuga de cérebros no Brasil. O exílio de intelectuais durante a ditadura foi cantado em prosa e verso por aqueles que o vivenciaram, mas o êxodo durante a década perdida de 80 e depois nunca foi abordado em nossa imprensa e muito menos quantificado.
Será que estaremos vivendo um novo desencanto das pessoas que acham que vale a pena exercer ofícios aquém de sua capacidade no exterior para ter uma vida melhor do que teriam no Brasil fazendo aquilo para o que estudaram? Qual terá sido o ponto de inflexão? O mensalão, o petrolão, a reeleição de Dilma? As declarações desabonadoras de Lula sobre a elite branca? O candidato a motoboy em Londres reclamou comigo que “ele sustenta esses caras e ainda é obrigado a aguentar ser xingado.” Será que a sociedade brasileira está ainda mais dividida do que secularmente foi entre aqueles que se beneficiam das políticas de justiça social e aqueles que a financiam sem ter nada em troca além de serem tachados de privilegiados?
Muitas perguntas, e nem me atrevo a respondê-las, porque para isso precisaria fazer uma pesquisa sociológica em campo para verificar se há realmente um mal estar generalizado na classe média, aquela que arca com a maior parte dos impostos em quantidade, embora não seja tão penalizada como os pobres devido à nossa tributação altamente regressiva. Enquanto isso vou andando por Londres, deparando-me a cada esquina com tiradores de fotos, mas ainda não com nenhum apalpador de pintinhos.
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