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É tudo verdade

Posted by on 21/04/2015

O chefe de Estado François Hollande, confirmou no domingo 19 de abril, quando de sua participação no programa « O Suplemento » veiculado no Canal+, aquilo que os Ministros do Interior, da Defesa e o Primeiro-Ministro negavam há semanas: a existência, revelada pelo Le Monde de 13 de abril, de uma plataforma nacional de criptografia e decodificação que permite a obtenção massiva e a armazenagem de dados pessoais franceses e estrangeiros.

Trecho retirado do Le Monde eletrônico em 20 de abril

A internet está nos transformando em réplicas incapazes de ter empatia pelas pessoas? Restará alguma coisa de nós quando toda nossa vida estiver on-line? […] À medida que nossa vida torna-se cada vez mais computadorizada, em que estágio começamos a nos tornar máquinas?

Trecho do artigo de William Cook entitulado “De volta para o futuro” sobre as previsões acertadas feitas por Ridley Scott em seu filme Blade Runner

    Prezados leitores, constatei duas coisas nesse fim de semana, ambas confirmando suspeitas. Em primeiro lugar, o Big Brother vigiando todos não é só uma iniciativa americana. A invasão da privacidade dos cidadãos é realizada pela França, de acordo com a confissão voluntária ou ato falho do Presidente da República. Em segundo lugar a influência da tecnologia sobre a vida pessoal não ocorre somente em países como o nosso, cujos cidadãos são naturalmente afeitos às novidades como maneira de superar nosso atraso secular em tantas áreas.

    Essa constatação da mudança na dinâmica das famílias veio-me depois de assistir a um filme sueco, Force Majeure que retrata as férias de cinco dias de um casal e seus dois filhos pequenos em uma estação de esqui nos Alpes Franceses. O mote do filme é a atitude do pai no dia em que estão todos sentados à mesa, em um terraço com uma vista magnífica sobre as montanhas. De repente começa uma avalanche e o pai, Thomas, mais que depressa saca do seu poderoso celular para registrar o acontecimento. À medida que a neve vai descendo a encosta a esposa, Ebba, vai ficando nervosa, mas Thomas, concentrado na realização do filme com seu aparelho multiuso, a tranquiliza dizendo que é uma avalanche controlada. No momento em que o caldo entorna e a massa branca efeitvamente chega à beira do terraço, a primeira reação do “pater familias” é acabar a filmagem pegar o celular e suas luvas e picar a mula, deixando mulher e filhos para trás.

    Tal reação de autopreservação de Thomas desencadeia uma série de desentendimentos entre marido e mulher que as crianças percebem e as enchem de angústia. A solução é recorrer ao tablet, a menina Vera tem o seu e o menino Harry tem o dele. Quando Ebba se aproxima para falar com a filha e perguntar-lhe porque está amuada, a menina dá-lhe um grito e a escorraça para que ela possa curtir seu jogo ou sabe-se lá o que faz no seu aparelho. E o desconsolo maior de Harry é quando ele constata que estão sem rede no quarto do hotel e ele não consegue conectar-se à internet. Que tragédia! Fazer o que agora? Conversar com os pais perturbados?

   Não me interessa aqui contar-lhes o desenrolar da história, apenas chamar a atenção para o cotidiano de uma família abastada do Primeiro Mundo, que tem dinheiro para tirar férias e conviver estreitamente fora da rotina de trabalho e escola. E no entanto, cada um fica no seu cafofo eletrônico, o que leva a mãe a entrar em crise existencial a respeito da espécie de homem com quem ela se casou, que não se importa com os filhos e nem com a mulher, apenas consigo próprio e a extensão do seu ser, o celular.

    Da Suécia para a França, da França para o Brasil. Muito tem-se falado sobre os novos atores políticos surgidos pela mobilização de pessoas para passeatas de protesto pelo Brasil afora por meio das redes sociais. Dona Marina Silva adora enfatizar isso como forma de mostrar que o velho modo de fazer política precisa adaptar-se às necessidades daqueles que usam as mídias sociais para externar suas opiniões. Mas que opiniões são essas? Por acaso há algum programa sério sobre o que fazer com o Brasil uam vez que Dilma Rousseff tenha sido defenestrada, como querem? Não falo aqui nem de detalhes de políticas, apenas algumas propostas gerais. O que há nesses movimentos todos além de troca de piadas sobre desafetos, fotos desabonadoras e xingamentos? Será que os que estão em campos opostos realmente discutem civilizadamente, isto é estabelecem os pontos de diferença e procuram chegar a pontos em comum?

    Vemos todos os dias o que de fato acontece. O último protagonista de polêmicas eletrônicas foi o cantor Ed Motta que no dia 9 publicou em seu perfil no Facebook “reclamações sobre brasileiros que, em seus shows na Europa, insistem aos berros para que ele fale português e cante o hit “Manuel”” conforme noticiado no jornal O Globo do dia 19 de abril. Pois bem, o homem foi linchado nas mídias sociais, acusado de arrogância, o que o levou a retratar-se e a tomar ainda mais pilulas tarja preta do que já toma normalmente para sobreviver como músico no Brasil sem render-se ao gosto popular.

    Em suma, o infeliz solta uma frase que por ser curta e grossa provoca reações igualmente violentas. Pão pão queijo queijo, hipérboles pagam-se com hipérboles. Ed Motta com certeza foi mal-entendido, mas as mídias sociais são o paraíso dos mal-entendidos, afinal as pessoas não desenvolvem raciocínios com começo, meio e fim, lançam declarações no espaço sideral que tendem a ser bombásticas pela própria falta de contextualização. Por isso mesmo são o paraíso da fofoca, da maledicência, que cria uma repercussão inversamente proporcional ao tamanho do conteúdo do que pé publicado. “Vocês viram o que o Ed Motta falou no Facebook? Que ele não quer brasileiro nos show dele na Europa!”.

    E ocmo afirmei acima, este crepitar do fogo em capim seco não é apanágio de nós brasileiros terceiro-mundistas. Nos ditos países avançados a política agora também se faz na base do bate-boca, das frases de efeito elaboradas e divulgada no calor da hora. Na França, uma dupla de contendores no Twitter era Louis Sarkozy, filho do ex-presidente bling bling Nicolas Sarkozy, e Léonard Trierweiler, filho de Valérie Trierweiler a ex-namorada traída à bordo de uma scooter por François Hollande. O motivo dos socos virtuais trocados foi o resultado das últimas eleições municipais no “hexágono” em que a esquerda saiu derrotada. Louis gozava do silêncio de Léonard no Twitter, ao que este respondeu a respeito da convocação de Nicolas para depor a respeito de corrupção. Vejam vocês: o Fla x Flu, a disputa pela disputa, a troca de farpas também estão instalados no berço da Declaração dos Direitos do Homem.

    Prezados leitores, Plilip Dick, o autor do livro de ficção científica que inspirou o filme Blade Runner, acertou na mosca quando vislumbrou em seu livro Do Androids Dream of Electric Sheep? o Facebook no show de conversas 24 horas por dia que ele chamou de Buster Friendly and his Friendly Friends. Tudo provou-se verdade: chegamos a um mundo em que a privacidade é cada vez menor, tudo é muito mais compartilhado e a pressa em fazê-lo não permite que nada amadureça e que a troca de ideias seja frágil, facilmente esquecida ao sabor da nova polêmica no Twitter ou no Facebook. Nesse sentido, as perguntas que o filme de 1982 fazem a respeito do que nos torna diferentes das máquinas estão mais pertinentes do que nunca.

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