Vai, meu irmão
Pega esse avião
Você tem razão de correr assim
Desse frio, mas beija
O meu Rio de Janeiro
Antes que um aventureiro
Lance mão
Samba de Orly, música composta por Toquinho e Chico Buarque quando Toquinho resolveu voltar ao Brasil em 1969
O último a sair que apague a luz (se houver)
Título de um artigo de Gustavo Ioschpe publicado na revista Veja de 15 de abril sobre a desesperança de brasileiros que estão saindo do país por causa do governo do PT
Os Estados Unidos terão dificuldades para sobreviver às mentiras nas quais eles vivem
Trecho do artigo “O Poder das Mentiras” publicado em 13 de abril por Paul Craig Roberts, economista americano, ex-Secretário Assistente do Tesouro para Política Econômica no governo Reagan
Prezados leitores, qual foi minha surpresa quando, ao fazer uma pesquisa rápida na internet, descobri que uma música que eu sempre apreciei, o Samba de Orly, foi composta não por um brasileiro que estava saindo do país, mas ao contrário, por um brasileiro que estava voltando, no caso Toquinho, que foi visitar seu amigo Chico Buarque na Itália quando teve a ideia deste samba. Eu sempre havia suposto o contrário, que a razão da música era o desencanto com os anos de chumbo em que o Brasil estava mergulhado e o desejo de picar a mula da terra do samba e do pandeiro.
Para mim foi uma grata descoberta, porque confesso que já estou aborrecida em ouvir de tantas pessoas que já não dá mais, que o governo do PT foi a gota d’água e é hora de ir embora, o país não tem mais jeito. Tenho um amigo que é delegado da Polícia Federal e no ano passado confessou-me estar com planos de tentar a vida nos Estados Unidos como advogado, pois anda de “saco cheio”. O próprio Gustavo Ioschpe fala no artigo supracitado de seis amigos próximos que se mudaram para o exterior.Minha família é cheia de descontentes: um dos meus irmãos não cansa de repetir aos filhos que é preciso ir embora deste antro de corrupção e incompetência, pois com FHC as coisas estavam mais ou menos arranjadas, mas depois de oito anos de Lula e quatro de Dilma a coisa desandou de vez. Um primo mandou a filha, formada em Gastronomia, ser ajudante de cozinha no Colorado para fazer a vida nos Estados Unidos.
Enfim, paira em certos setores um certo desencanto com os rumos do Brasil, como se ele tivesse saído dos trilhos inapelavelmente. O que eu poderia dizer de positivo para contrapor-me a tal visão? Afinal, as notícias diárias são sempre ruins: falta de água e epidemia de dengue em São Paulo, assassinato de criança no Rio vítima de policiais despreparados, para não falar da ameaça de estagflação que nos ronda . Eu mesma na semana passada citei a posição do Brasil no ranking de corrupção da Transparency International. E aparentemente o resultado dessas duas manifestações contra a Dilma tiveram como único efeito prático aumentar o poder de personalidades como Michel Temer e Eduardo Cunha, que nos brindou na semana passada com um projeto de lei tirado da cartola das maldades regulamentando a terceirização de serviços no país de uma maneira que poderá levar a uma race to the bottom em matéria de direitos trabalhistas. Há algo em que eu possa fundamentar uma visão rósea do andar da carruagem tupiniquim?
Não vou aqui comprometer-me nem com o partido dos pessimistas nem com o partido dos otimistas, pois ser Dr. Pangloss, o filósofo inventado por Voltaire que considerava viver no melhor dos mundos possíveis, ou ser arauto do caos é uma questão de estado de espírito de cada pessoa, portanto incompartilhável. Meu único objetivo é tentar colocar as coisas sob perspectiva. Muitos brasileiros sonham com os Estados Unidos, a terra da livre iniciativa, em que o trabalho duro compensa, ao contrário dos tristes trópicos em que trabalhar só nos torna mais pobres porque o governo nos toma grande parte da renda e não nos dá nada em troca.
Pois bem, há muitos americanos extremamente descontentes com sua terra natal, como o economista citado no início deste artigo. Paul Craig Roberts, cujo blog eu sigo semanalmente, não se cansa de criticar o governo americano por seu totalitarismo, simbolizado pela espionagem onipresente e pela polícia violenta, suas guerras sem fim em todos os cantos do mundo, a destruição da classe média devido à transferência da produção manufatureira para locais com mão de obra mais barata na Ásia. Para ele os Estados Unidos é hoje um castelo de cartas, dominado por uma elite que consegue valer seus interesses em detrimento da maioria da população e endividado até o pescoço, que vai ruir quando o dólar deixar de ser a moeda de reserva internacional. Será que tal visão é a de um arauto do caos neurótico? Ou a de uma pessoa equilibrada?
Posso ainda falar do desgosto que Theodore Dalrymple, um autor que já citei várias vezes neste meu humilde espaço, sente com a Inglaterra, para ele um país atualmente habitado por bárbaros sem cultura, sem moral e sem perspectivas. Ou do medo de 8.600 judeus europeus que em 2014 decidiram emigrar para Israel para fugir dos muçulmanos. Em suma, todos países de Primeiro Mundo em que muitos cidadãos consideram que a vida tornou-se insuportável, por razões as mais variadas, econômicas, culturais ou sociais.
Tudo isso para dizer ao povo que não me junto, ao menos por enquanto, à fila dos descontentes e fico, como fez D. Pedro I em 9 de janeiro de 1822 para garantir o trono do Brasil para os Braganças e não deixar que um aventureiro lançasse mão dele. Não há dúvida de que somos diversos demais, que fomos fundados sobre os pés de barro da escravidão, que desconfiamos uns dos outros de tal maneira que a corrupção tem sempre campo fértil para florescer, que herdamos a prática e o gosto da burocracia dos portugueses, que temos imensas dificuldades para nos organizar. Em poucas palavras, uma grande bagunça. Mas para quem foge do frio como eu, e os autores do Samba de Orly, como o diabo foge da cruz, o Brasil talvez seja o melhor dos mundos tropicais possíveis, afinal os países da África no balanço geral são piores em todos os quesitos.
O fato é que sempre em algum lugar haverá alguém a reclamar, seja no caso de países do Primeiro Mundo em relação ao passado glorioso que já foi e não volta mais, seja no caso de nós, os emergentes do Terceiro Mundo, que temos nostalgia de algo que nunca fomos: organizados, eficientes, justos, igualitários e solidários. Muito provavelmente nunca conseguiremos conquistar nenhuma dessas qualidades de maneira permanente e significativa, e então, como disse Chico Buarque, “sem um cigarro ninguém segura esse rojão.”
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